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No jargão popular, não há nada de mais imediato do que o adjectivo fascista para descrever o regime de direita que vigorou em Portugal de 1932 a 1974. É evidente que a etiqueta está bem longe da latitude conceptual do fascismo, mas isso pouco importa quando o que interessa é estabelecer, numa lógica maniqueísta, o contraponto com o socialismo.
O que é certo é que o socialismo e os chamados "fascismos" - que abarca o "nacional-socialismo" do III Reich - não só nasceram na mesma base sociológica do socialismo bolchevique, bem como os seus principais interpretes foram antigos socialistas, como sejam o "Duce" e o "Fuhrer".
Pode-se mesmo dizer que ambos os movimentos são netos do liberalismo selvagem da segunda metade do século XIX, e cujo alcance social foi exponenciado pela Iª Grande Guerra.
Este conflito foi uma espécie de filtro entre os socialistas internacionalistas (de matriz bolchevique) e os socialistas nacionalistas (do tipo fascista).
Os dois principais nomes do movimento dito "fascista" eram ambos socialistas inveterados até à Iª Guerra. Mussolini dirigiu mesmo um jornal socialista. Foi a guerra que lhes mudou a orientação, sem nunca, contudo, perderem a orientação socialista, mas dando-lhe um cunho nacional, nascido das privações e das afrontas sofridas pelas potências beligerantes.
No caso da Itália, que era uma nação aliada e vencedora da guerra, a paz não trouxe a recompensa devida aos milhares de soldados que se bateram valentemente em Izonzo frente aos batalhões Austro-Hungaros. A paz de Versalhes deu-lhe um estatudo de parceiro menor, com largas fatias territoriais, resultantes da secessão Austro-Húngara, a serem concedidas à recém-criada Juguslávia, em prejuízo das reinvidicações italianas.
Foi essa afronta, a que se somou o desprezo e o opróbrio a que foram sujeitos esses militares no seu regresso à pátria, que criou um movimento nacionalista denominado pelos "Squadri", ou camisas negras.
Foi no movimento "esquadrista" que Mussolini se apoiou para criar os " Feixes de Combate Italianos", levando a cabo uma luta sem quartel contra os movimentos bolcheviques.
Não se pense, contudo, que os esquadristas eram dóceis e subservientes a Mussolini. Bem pelo contrário, houve sempre uma grande conflitualidade, nomeadamente quando o "Duce", chegado ao poder, os quis "institucionalizar" ao abrigo das instituições convencionais de um Estado burguês e monárquico. Esse conflito atingiu o seu apogeu com a sua própria destituição no Grande Conselho Fascista, na sua maioria integrado por ex-esquadristas ( e pelo seu próprio genro, que pagou o arrojo com a vida).
No caso da Alemanha derrotada, a paz de Versalhes tinha por finalidade acabar com o seu poderio, não só militar, mas também económico, tão caro a franceses e britânicos. Foi essa factura, a que se somaram outras vexações como a posse do Ruhr (região riquíssima em matérias- primas) pela França, que criou uma milicia análoga ao esquadrismo, os denominados Corpos- Francos. Esse movimento, de cariz nacionalista, vai, tal como em Itália, bater-se contra o socialismo internacional de Rosa Luxemburgo e Liebknecht. Será essa a base de apoio de Hitler, embora, ao contrário de Itália, os Nacional-Socialistas tenham chegado ao poder por via eleitoral, depois de golpes falhados como o Putsh da Cervejaria - que levou Hitler à prisão (onde escreveu o célebre "Mein Kampft").
Falta-nos falar de Espanha, sem sombra de dúvida, o mais politicamente incorrecto, devido ao fascínio romântico que exerceu em Portugal a luta dos repúblicanos. O que é certo é que a guerra civil, se teve um culpado, foram os próprios!
Após a saída de Afonso XIII - sem abdicar, o que permitiu ao neto, Juan Carlos, subir ao trono - os socialistas da Frente Popular (movimento bolchevique radical) manifestaram uma intolerância perante as restantes forças partidárias, que chegou ao ponto de ignorarem resultados eleitorais desfavoráveis. O limite do abuso foi o assassínio de Calvo Sotelo, depois de ter proferido um discurso crítico, em sede própria - o parlamento - onde denunciava a governação selvática da Frente Popular, nomeadamente em relação aos religiosos.
"Este hombre ha hablado por última vez" não foi uma ameaça vã da mítica "La Passionária". Largo Caballero, o "Lénine Espanhol", presidente do governo, encarregou-se do resto...
A guerra foi inevitável. O golpe partiu de Marrocos, onde Franco, longe de ser o líder da conspiração, foi ganhando protagonismo.
A guerra foi ganha com o auxílio da aviação alemã e italiana, nomeadamente no transporte dos contingentes militares para a Espanha Continental, mas é preciso não esquecer a ajuda de Estaline às forças da Frente Popular.
É igualmente incorrecto dizer, por muito que custe a muita gente, que se tratava de uma guerra entre republicanos e monárquicos. Pelo contrário, a maioria dos lideres nacionalistas eram repúblicanos (Franco incluído). O que os movia era a luta contra a ditadura de Caballero e da sua "clique". Depois da guerra, Franco não convidou o Rei exilado a voltar à pátria, nem tão pouco o seu filho. Assumiu-se como regente, o que na prática representava um regime presidencialista, que superava, à la fois, a cisão entre republicanos e monárquicos, e a secessão regional.
Relativamente a Portugal, é de uma enorme desonestidade intelectual chamar ao regime de Salazar de fascista. Tinha, é certo, algumas instituições baseadas no fascismo, como a Legião Estrangeira (que combateu em Espanha ao lado dos nacionalistas) e a Mocidade Portuguesa, inspirada nos "Balilas" de Mussolini. Mas estas instituições foram criadas artificialmente, estando longe do movimento esquadrista ou dos Corpos-Francos. Aliás, foi o próprio Salazar que combateu alguns movimentos análogos em Portugal, nomeadamente o Integralismo Lusitano e o Nacional-Sindicalismo (os célebres camisas azuis) cujos mentores foram António Sardinha e Rolão Preto.
Se alguma afinidade existia com regimes coevos, o conservador austríaco, liderado por Dolfuss - que Hitler afastou do poder - seria o mais próximo.
Mas daí até chamar ao conservadorismo católico de Salazar "fascismo", é como chamar ao regime social da Suécia, um regime bolchevique.
Se houve algum resquício de fascísmo em Portugal, foi com a ditadura de Sidónio País. Um regime do tipo messiânico e que tinha todos os condimentos para evoluir para um fascismo avant la lettre. Mas essa ditadura vigorou de Dezembro de 1917 a Dezembro de 1918, muito antes dos outros "fascísmos", e o assassinato de Sidónio na Estação do Rossio cortou o projecto pela raíz...
Acabei há dias de ler uma excelente biografia de Carlos da Áustria, último Imperador do Império Austro-húngaro, numa obra notável de Jean Sévillia, e que merece, até pela circunstância da recente beatificação do monarca, uma edição em português.
Ao ler a sua biografia lembrei-me do Príncipe Míchkin, célebre personagem do romance "O Idiota" de Dostoiévsky. Uma pessoa com tal sensibilidade humana e bondade natural que acaba por ser considerado um...idiota. Tal como na obra do romancista russo, o epíteto é claramente injusto.
Por variadíssimas razões, a sua subida ao trono imperial ocorreu no pior dos cenários possíveis. Em primeiro lugar, teve que conviver com o "fantasma" do seu antecessor, Francisco josé, que esteve 68 anos sentado no trono imperial. Depois, tornou-se imperador no meio da mais sangrenta guerra que a humanidade até então tinha conhecido. A sua primeira preocupação foi desde o primeiro minuto terminar a guerra. Para tal, socorreu-se dos seus cunhados Sixto e Xavier de Bourbon Parma (bisnetos do nosso Rei D. Miguel), como interlocutores junto da França e do Reino Unido. Chegou inclusivamente a comprometer-se com a entrega da região da Alsácia Lorena, em poder da Alemanha desde a guerra Franco-Prussiana. Mais tarde, a divulgação desta carta colocou-o num posição delicada perante os súbditos de Gullherme II.
A sua outra grande preocupação, já manifestada enquanto príncipe, seria a reorganização política do império. A Austro-Hungria era um aglomerado compósito de 11 nacionalidades, desde os povos eslavos do sul, aos polacos da Galícia, aos povos da Boémia, para além da Áustria e da Hungria. No pensamento do imperador estava a criação de uma federação de estados, aprofundando a reforma de 1868 (muito influenciada pela celebre Sissi) e que era, segundo o monarca, condição sine qua non para a manutenção do império. No entanto, esta reforma era para ser feita em tempos de paz. Quando a tentou executar - já o cenário da derrota militar pairava no horizonte - não foi mais do que uma fuga para a frente.
Ao contrário do seu antecessor, Carlos prescindia das formalidades, partilhando das privações alimentares tal como o seu povo. Punha a mão no ombro dos soldados, mesmo os de mais baixa condição, e não olhava a meios para evitar baixas humanas.
Essa sua inelutável veia pacifista teve sempre na Alemanha a mais obstinada adversária. A postura belicista do Kaiser não deixava margem de manobra para o jovem monarca. No entanto, foi sempre deixando a sua posição bem clara no decurso da guerra, advertindo os seus aliados para o perigo da guerra submarina. Debalde. Animados pelas vitórias, os alemães iniciaram a guerra submarina que, como Carlos previu, iria provocar a entrada dos norte-americanos na guerra e assim desiquilibrar a balança em favor das nações aliadas.
O sentido premonitório de Carlos da Áustria não se ficou pela ideia de federação nem pelo erro da guerra submarina. Ele não negligenciou, em momento algum, a ameaça bolchevique que, na sua opinião, iria assolar, nas próximas décadas, toda a Europa Oriental.
Entre os feitos do Imperador conta-se, por exemplo, a criação do primeiro ministério da Saúde de que existe registo na História Política.
No entanto, a sua grande fraqueza - a posição subalerna do seu exército face ao seu aliado germânico - impediu-o de conseguir as tréguas com os aliados. A realidade é que esta trégua não interessava nem à França nem à Inglaterra, que queriam destruir o poder belicista e económico alemão e acabar com os Habsburgo.
Com a capitulação, decidida em primeira instância pelo Imperador Carlos da Áustria, na esperança de uma saída honrosa ao abrigo dos 14 pontos de Presidente Wilson, rebentam os conflitos internos no império, que o obrigam a abandonar o trono imperial, embora se tenha sempre negado a assinar a abdicação. Pela fidelidade a esse princípio, foi obrigado a exilar-se na Suiça, de onde partiu duas vezes para tentar recuperar a coroa real Húngara. Ambas as tentativas acabaram malogradas, pelo que teve que abandonar a Suiça por violação das condições de exílio.
Foi neste contexto que foi levado para a ilha da Madeira, onde viveu os últimos meses da sua vida. No arquipélago português concitou a admiração geral da população, que não poupou esforços para suavizar o exílio ao imperador. Acabou por falecer na sequência de uma pneumonia, tendo sido sepultado na igreja da Senhora do Monte no Funchal.
É o único Habsburgo que não regressou à pátria, ao contrário da sua mulher a Imperatriz Zita, o que se justifica pelo culto prestado há quase 90 anos pelos habitantes da ilha, e que foi ainda reforçado pela sua beatificação em 2004.
Curiosamente, foi beatificado pelo Papa João Paulo II, de seu nome Karol Wojtyla, e cujo primeiro nome, em Polaco, significa Carlos. Não se trata de uma mera coincidência. O pai do Papa era militar do Império Austro-Hungaro, tendo sido condecorado pelos seus feitos militares. Certamente que a medalha que recebeu, com o nome do Imperador, teve influência na escolha do nome do seu filho.
O Imperador Carlos, bem como Nicolau II, ou o nosso D. Manuel II, teve o azar de estar dos lado dos vencidos. Assim é a História, sempre escrita pelos vencedores, que votou o imperador à mesma sorte dos últimos monarcas dos respectivos países, ou seja ao esquecimento ou ao descrédito (ou ambos). Perguntem ao cidadão comum quem foi o último Rei de Portugal, e ele dificilmente saberá. Agora, se perguntarem pelo Marquês de Pombal, ou pelo Mestre de Avis, a questão muda de figura. Pois, mas estas figuras foram sacralizadas pela historiografia liberal do século XIX, cuja tradição foi prolongada pela República Jacobina de 1910-1926.
É esta a sorte dos vencidos!
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