. Viva o 25 de Abril...de 1...
. Mário Soares e a III (ou ...
. O Longo Processo de Recon...
. A Maldição dos Primogénit...
. Uma Andaluza à Frente dos...
. A Páscoa
Quem for a Alter do Chão e estiver atento à toponímia daquela vila do alto Alentejo não poderá deixar de verificar a alusão aos 12 melhores de Alter. Nos dias de hoje, soa de uma forma estranha a referências aos 12 melhores, mas na idade média era uma designação comum para os mais importantes membros dos concelhos, sede do poder popular. Geralmente eram Lavradores, ou seja detentores de terrenos agrícolas, que empregavam os chamados jornaleiros, i.e que trabalhavam à jorna (ao dia), pagando um imposto ao Rei pela posse das propriedades. Este fenómeno apenas podia existir numa terra que não tivesse senhor, porque nas terras com senhor, seja uma Ordem religiosa ou um fidalgo, toda a população trabalhava nas suas propriedades, pagando uma pensão enfitêutica em géneros ao seu proprietário. Esta relação não era isenta de atritos, como comprova os inúmeros levantamentos populares contra os senhores, motivado pelos abusos constantes a que eram submetidos.
Neste contexto, a aspiração das populações seria, naturalmente, verem-se livres do poder senhorial, organizando-se em Concelhos que dependiam apenas do Rei, e como tal gozando de muito maior autonomia e prosperidade, por comparação com as terras que o Rei dava a algum fidalgo (geralmente para recompensá-lo dos seus serviços) ou a um Ordem religiosa - grandes proprietários até à revolução liberal, com destaque para a de Cister, Cristo, Santiago, Aviz ou Santa Cruz de Coimbra.
O documento que fixava as relações entre as populações e os detentores da terra eram os Forais. Na definição de Marcelo Caetano, os forais eram uma espécie de lei orgânica que estipulavao os direitos e deveres de uma determinada terra face aos seus detentores. Para além dos impostos, fixava as obrigações militares e outros deveres com o de aposentarem os fidalgos importantes.
O primeiro Foral de Alter foi da lavra de D. Afonso III, mas no reinado do seu filho, D. Diniz, Alter recebe novo foral. Não sei qual o motivo para a proximidade entre os dois forais, mas algo terá justificado mudar esta lei orgânica em tão pouco tempo. Um dos deveres habitualmente consagrados nos Forais que mais incomodava os Concelhos era o Direito de Aposentadoria. Como não existiam hoteis, quando os nobres se deslocavam a determinado lugar e precisavam de descansar, o povo tinha a obrigação de os acolher, geralmente na casa dos Lavradores mais importantes, o que era uma fonte permanente de conflitos pela sobranceria com que os fidalgos tratavam os donos da casa. Não eram só os nobres que ficavam hospedados, era também o seu numeroso séquito, cometendo habitualmente uma série de abusos: roubavam as adegas, humilhavam os proprietários, abusavam das filhas…, enfim uma série de situações que muito incomodava os povos.
Até Dom João I Alter não teve dono. O Rei de Boa Memória para recompensar os serviços de Condestável D. Nuno Alvares Pereira incluiu no seu vastíssimo património Alter, e por esta via entra na posse do morgado da casa de Bragança, que a apartir de 1640 são os Reis de Portugal.
No entanto, o episódio dos 12 melhores de Alter é muito anterior a essa doação, numa altura em que vigorava o foral concedido por Dom Diniz, e onde se estipulava que a terra estava isenta de prestar aposentadoria. Sucede que um fidalgote de Évora, um tal Martim Esteves de Moles, ou por desconhecimento ou por jactância, pretendeu fazer tábua rasa desse direito e aposentar-se na Vila. As forças municipais, evocando o foral da terra, opuseram-se à vontade do fidalgo e este muito melindrado foi até Lisboa fazer queixa ao Rei. Isto passou-se ou no reinado de D. Afonso IV ou do seu filho Pedro o Cruel, (as fontes não nos premitem identificar ao certo) e o monarca, depois de mandar consultar os documentos, confirmou que a pretensão do fidalgo não tinha qualquer fundamento, dando razão ao concelho de Alter.
O fidalgo não se conformou com a decisão. Juntou o seu séquito e dirigiu-se a Alter, onde manda matar os Homens Bons da terra, que lhe haviam feito tamanha afronta. Os Homens bons, ou os “melhores”, como ficaram conhecidos, seriam as pessoas mais importantes da terra, que dirigiam o Concelho em nome do bem comum, ousando inclusivamente afrontar quem não respeitasse o Direito dos Povos. Os 12 melhores perderam a vida, mas o poder dos concelhos não cessou de aumentar até à crise de 1383/85, onde estes tomam as rédeas do poder ao lado do mestre de Aviz. Parodaxalmente, o mesmo Rei que viria a desferir um ataque brutal ao poder municipal ao doar meio país ao seu Condestável, bens esses que mais tarde dariam lugar à poderosa Casa de Bragança.
Alfredo da Silva e António Champalimuad são indiscutivelmente os maiores empresários da História de Portugal. Viveram em épocas diferentes, embora se tenham conhecido bem. António Champalimaud casou-se com Maria Cristina de Mello, neta de Alfredo da Silva e filha de Manuel de Mello, entrando assim para o seio da família Silva/Mello, embora cedo demonstrasse a sua vontade em erguer um império próprio. Na família conta-se uma história, que teve os dois como protagonistas. Num jantar de família, na casa de Alfredo da Silva no Estoril, Champalimaud pediu autorização para se ausentar, para ir a Alhandra, ver os lingotes produzidos segundo o método Basset, e que prometia revolucionar a produção siderurgica. Alfredo da Silva ter-lhe-á dito “o que é que você vai fazer a Alhandra? Aquilo só serve para fazer panelas!”. Diga-se de passagem que Alfredo da Silva tinha toda a razão.
A relação entre ambos também fica marcada por um cartão, escrito pelo sogro, D. Manuel de Mello, que Champalimaud mostrou no julgamento do caso Sommer (movido pelos irmãos, que o acusaram de apropriação indevida da herança do tio) onde se podia ler que a obra de Champalimaud era notável, apenas comparada à de meu sogro (Alfredo da Silva). Este cartão é a prova material da excelente relação que Champalimaud manteve com D. Manuel de Mello, que se traduziu mesmo na concessão de crédito para expansão das suas cimenteiras, bem diferente da relação conflituosa que manteve com os cunhados e que terão contribuído para o fim do seu casamento.
Analisando a obra destes dois capitalistas, vejamos o ponto de partida. Alfredo da Silva não era pobre. Filho de uma família de comerciantes na baixa lisboeta, perdeu muito cedo o pai, tendo começado a sua vida empresarial com as acções que herdou em algumas empresas, entre as quais (e principalmente) as do Banco Luisitano e Carris. Alfredo da Silva destacou-se pela sua impetuosidade nas Assembleias Gerais, liderando o combate à gerência do Banco Lusitano, chegando rapidamenta à sua administração. Por essa via chega à CAF (Companhia Aliança Fabril) que tinha dívidas ao banco, assumindo o banco a sua gestão, liderando a fusão com a CUF do Conde de Burnay.
Champalimaud também perdeu cedo o pai. Embora médico, este tinha uma pequena construtura, na qual o jovem António Champalimuad, filho mais velho, se ocupou. Não foi contudo por esta via que se notabilizou. Foi com a morte de Henrique Sommer, seu tio materno, que era um industrial do cimento, detentor da Cimenteira Tejo, que Champalimaud começou a mostrar a sua tenacidade. Sem filhos, Henrique Sommer, tinha por herdeiros os sobrinhos, com António Champalimaud, sobrinho mais velho, a ser o seu sucessor natural. Foi devido a esta herança que teve que enfrentar um processo judicial e um auto-exílio no México para evitar ser preso, sob a acusação de apropriação indevida. Veio a ser ilibado ainda antes de 1974, quando já tinha construído a siderurgia e já tinha comprado o Banco Pinto e Sotto Mayor e a Mundial Confiança. A entrada noutros negócios, não impediu de expandir as cimenteiras, naquilo que após as nacionalizações, veio a constituir a actual Cimpor.
A obra de Alfredo da Silva também começou na indústria, com a CUF, sendo o grande responsável pela sua expansão para o Barreiro e Alferrarede, sem contudo abandonar a infra-estrutura de Alcãntara. Seguindo a lógica de conglomerado, entrou para o negócio da marinha mercante, constituindo a Sociedade Geral (as iniciais ainda hoje constam nos maços de tabaco SG), e mais tarde para a banca, adquirindo a Casa Totta, que quase o levou à falência, na crise bancária do final dos anos 20. Teve também que se exilar, mas em Madrid, depois de ter escapado a vários atentados, o último dos quais, na Estação de Leiria, lhe deixou sequelas para a vida. Enfrentou o calvário da Casa Totta com o auxílio de Salazar, que lhe terá mais tarde aconselhado a apoiar, com a frota da SG, os nacionalistas espanhois, numa altura em que este tentava concorrer com a marinha mercante do Estado. Conseguiu ainda ganhar o concurso para explorar os estaleiros de construção naval de Lisboa, na Rocha do Conde de Óbidos, e já no final da vida fundou também a Tabaqueira, depois de um conturbado concurso em que perdeu para a Companhia Portuguesa de Tabacos.
A obra de Alfredo da Silva não foi feita à sombra do Estado, embora fosse um profissional do lobbiyng, imiscuindo-se no terreno da política por 3 vezes, curiosamente nos governos mais “à direita” que houve em Portugal: no franquismo, sidonismo e salazarismo. Debateu-se com uma primeira república hostil – que nunca lhe perdoou o apoio a João Franco - e embora tenha contado com a ajuda de Salazar para resolver o problema na casa Totta, não chegou a beneficiar com o condicionamento industrial, esboçado já no final da sua vida.
Não se poderá dizer o mesmo de Champalimaud. A Siderurgia Nacional foi um projecto complexo mas que contou com um forte apoio do Estado, a que se somou um proteccionismo exagerado, que não conseguiu disfarçar a inviabilidade do projecto. Segundo a análise de Filipe Fernandes e Isabel Canha, o projecto da Siderurgia nunca funcionou por vários motivos, desde logo a péssima localização (no Seixal) que obrigava ao transbordo de mercadorias, porque os navios de maior calado não podiam atracar no porto, aumentando os seus custos. No entanto, a razão principal era uma questão de escala. A fábrica do Seixal era uma grande unidade industrial nacional, mas era muito pequena à escala internacional, e por esse motivo, o ferro importado, mesmo com taxas aduaneiras penalizadoras, era mais barato do que o que era produzido em Portugal, saindo caro à nossa economia, porque tornava mais caras as matérias-primas para outras indústrias.
Se Alfredo da Silva partiu de uma posição muito mais desfavorável e teve uma obra como industrial muito mais meritória, não deixa de ser verdade que António Champalimaud relevou uma resistência e um espírito combativo notável, quando todas as suas empresas foram nacionalizadas, seja em Portugal seja nas ex-colónias, onde também tinha realizado importantes investimentos, nomeadamente em Moçambique.
Quando se deu o 25 de Abril, estava a construir uma cimenteira no Brasil, que conseguiu terminar com muita dificuldade, quando lhe escasseavam os meios de financiamento, tendo sido essa a base para a sua recuperação como empresário.
Teve esperança que o novo regime não hostilizasse os capitalistas, manifestando o seu apoio ao movimento logo nos primeiros dias. O Presidente da Junta de Salvação Nacional, a quem Marcelo Caetano entregou o poder na Quartel do Carmo, era um antigo administrador da Siderurgia, António de Spínola, mas apesar das constantes idas ao Palácio da Cova da Moura, sede da Junta, depressa se apercebeu que o exílio era o único caminho.
No Brasil aventurou-se por outros mundos, como a agricultura e a criação e gado, mas foi em portugal que reergueu o império. No final dos anos 80 chegou a um acordo com o Estado português, para compensar a nacionalização das suas empresas, que à data da Revolução dos Cravos, só em Portugal, incluia para além da Siderurgia, as Cimenteiras Tejo e de Leiria, o Banco Pinto e Sotto Mayor e a Companhia de Seguros Mundial Confiança. Foi o chamado acordo dos 10 milhões (de contos), montante que utilizou para investir nas privatizações das empresas nacionalizadas após a revolução. O valor pago pelo Estado foi modesto face aos valores que tinham sido exigidos no processo que moveu contra Portugal, que só em acções judiciais ganhas cifra-se nos 80 milhões de contos.O negócio acabou por ser vantajoso para Champalimaud, que contou com “facilidades” do governo para controlar a Mundial Confiança e o Banco Pinto e Sotto Mayor. Não conseguiu recuperar as cimenteiras, agrupadas na Cimpor e perdidas para o seu arqui-inimigo Queroz Pereira, e desinteressou-se pela Siderurgia, principalmente depois do alto-forno ter sido desmantelado. Para o empresário, uma siderurgia sem alto-forno, não pode ser chamada de siderurgia, mas, quanto muito, de sucataria. Em sucatarias, ele não estava interessado.
Regressado definitivamente a Porugal no princípio dos anos 90, não perdeu a sua combatividade, envolvendo-se na luta pelo controlo do Banco Totta & Açores. Salvaguardou sempre o pacto informal entre os expropriados pelas nacionalizações de Abril, de não concorrer ao património que tinha sido de outrém, pelo que só avançou para o negócio depois de saber que o seu ex cunhado não iria concorrer, ou pelo menos não seria nunca numa posição maioritária, uma vez que José Manuel de Mello, era accionista do BCP, liderado então por Jardim Gonçalves, que também quis controlar o Totta.
A autêntica novela começa quando em 1989 o Estado privatizou o Banco Totta e Açores. Os dois principais interessados foram o patrão da Sonae Belmiro de Azevedo e José Roquette, um dos fundadores do BCP e que tinha como aliado o Banesto, liderado por Mário Conde. A lei portuguesa na altura impedia que as instituições bancárias privatizadas fossem controladas por capital estrangeiro, mas a parceria com Roquette e manigâncias de vária ordem, permitiram que o Banesto se tornasse accionista maioritário. Gerou-se uma polémica que envolveu o governo português e que terminou com a venda da posição do Banesto a Champalimaud.
Se a aquisição foi polémica, a venda, que teve lugar em 1999, foi ainda pior. Champalimaud foi apelidado de Miguel de Vasconcelos, por ter vendido a sua participação no Banco Totta e Açores ao Santander, liderado por Emílio Botin. Depois de intensas negociações, chegou-se a um acordo:o Banco Pinto e Sotto Mayor seria comprado pelo BCP e a Mundial Confiança pelo grupo CGD. Tecnicamente, não se pode considerar propriamente uma venda, mas uma troca de posições accionistas. Champalimaud tornou-se no maior accionista privado do Santander, e livrava-se de uma dor de cabeça: o receio que os herdeiros disputassem nos tribunais o controlo do Banco. No final da sua vida o empresário privilegiou a liquidez, como forma de evitar conflitos familiares, que ele tão bem conhecia com o caso Sommer. Legou ao país uma fundação científica, com uma dotação de 500 milhões de euros, que se dedica hoje á investigação do tratamento de doenças oncológicas e da visão, precisamente os problemas de saúde que afectaram o industrial nos últimso anos de vida.
Em jeito de conclusão, entendo que a obra de Alfredo da Silva é mais grandiosa e meritória, mas Champalimaud conseguiu aquilo que nenhum outro empresário conseguiu: construir um império, perdê-lo por motivos políticos e reerguê-lo, com mais força ainda.
Dois grandes homens.
Em 1498, no mesmo ano em que Vasco da Gama chegava à Índia, o Rei Dom Manuel anunciava a expulsão dos Judeus. O motivo não era de somenos. O Rei queria casar com Dª Isabel, viúva do Príncipe Dom Afonso, e a exigência dos Reis Católicos, seus futuros sogros, foi este aplicar a mesma medida que haviam tomado em Espanha. Portugal viu-se assim privado de uma casta de letrados e de homens de negócios no momento em que mais precisaria deles, nas vésperas da exploração da Rota do Cabo. Tivessem os judeus sido protegidos e o negócio das Índias teria sido muito diferente, com proveito para o país. A este estrangulamento da elite comercial no século XVI, segue-se o período filipino, que foi para Portugal um tempo de estagnação. Uma corte longínqua, atacados no nosso império, seja a Oriente seja no Brasil, principalmente pelos holandeses. Com a Restauração o país canalizou todos os recursos para a guerra e não obstante a tentativa do Conde da Ericeira, o chamado Colbert português, de modernizar o tecido produtivo, continuámos na penúria até ao final do século XVII.
O século XVIII é o século da Revolução Industrial, mas em Portugal não se produzia nada, porque na primeira metade vivíamos anestesiados pela letargia do ouro brasileiro, que conduziu à inacção. O pensamento do português de então era o seguinte: para quê produzir se os quintos do ouro brasileiro permitiam comprar tudo no extrangeiro? Erro crasso. Delapidámos esses proveitos a comprar ao exterior e não investimos nos meios de produção internos. Na segunda metade do século, quando o ouro brasileiro já escasseava, esboçou-se uma reacção pela mão de Sebastião José, que tentou tornar Portugal um país de mercadores, mas 27 anos não foi suficiente para mudar um país. O final do século é abalado pela Revolução Francesa, que haveria de marcar o início do século XIX em toda a Europa, incluindo Portugal. Em1808 acorte está no Brasil, o país é invadido 3 vezes pelos franceses. Do jugo francês passámos ao jugo inglês, do qual também nos livrámos, mas nenhum deles foi tão pesado como aquele imposto pelos próprios portugueses, na sequência da revolução liberal. A reacção absolutista à instauração do liberalismo conduziu à guerra civil, com vitória dos liberais. Mas a vitória liberal também não devolveu ao país a paz que este precisava para prosperar. Liberais radicais e liberais moderados viveram em constante conflito, até metade do século. Em 1851 com o golpe da Regeneração, Portugal entra finalmente nos trilhos da normalidade, vivendo o período de maior crescimento e progresso da sua história, muito por obra de um político muito pragmático, completamente arredio de questiúnculas políticas e ideológicas, e sem grande doutrinação política. Esse político foi Fontes Pereira de Melo. Foi no seu consulado que surgiram as primeiras indústrias, como a CUF, cujo principal accionista era o Conde de Burnay. Surgiram as obras públicas, com destaque para os caminhos-de-ferro, e as avenidas novas. Foi o telégrafo, o aparecimento dos bancos, seguradoras, enfim, foi o despertar de um país, com quase meio século de atraso face aos congéneres europeus.
Foi preciso esperar até ao final do século XIX para aparecerem em Portugal os primeiros grandes empresários. O maior de todos foi Alfredo da Silva, a quem já dediquei alguns posts, e a sua obra só pode ser comparada com outro grande vulto do capitalismo português, já na segunda metade do século XX: António de Sommer Champalimaud.
No próximo post, farei uma análise comparativa à obra de ambos.
Nestes dias não tenho feito outra coisa do que procurar algo que tenha a ver com Fernão Lopes. É uma busca quase doentia, animada pelo prazer da sua leitura, suprema recompensa! É pena, que seja tão dificil encontrar a sua obra nas livrarias. A última edição que tenho conhecimento é da Editora Civilização, e já data da década de 40 do século passado. A alternativa são os alfarrabistas, pagando a peso de ouro edições antigas.
Fernão Lopes é um cronista genial, de uma escrita cativante, mas que nuncas cede á tentação de embelezar a realidade com fantasias tão ao gosto da época. A sua preocupação em escrever a verdade é tão levada a sério que quando conhece mais do que uma versão dos acontecimentos, apresenta-as ao leitor sem tomar partido por nenhuma.
A vida de Fernão Lopes não é facil de reconstruir. O que se sabe dos documentos é que era Guarda-Mor da Torre do Tombo, ou seja era o responsável pelos documentos oficiais, que se reuniam numa torre do castelo de São Jorge, que se chamava de tombo, , que veio a dar tomo, e que significava livro, onde se fixavam as leis do reino e as colectas de impostos, de suma importância para controlo do erário régio. Não se sabe ao certo qual a data do seu nascimento, mas acredita-se que terá nascido por volta da crise de 1383-85. Amaioria dos autores convergem para a possibilidade de ser já nascido à data destes acontecimentos, desconhecendo-se, contudo, nem a sua filiação nem em que circunstância chegou à corte.
Já em idade avançada foi-lhe incumbida a tarefa de escrever as crónicas dos reis de Portugal, no reinado de Dom Duarte, ou seja quando este já ia na casa dos cinquenta anos, onde o cronista revela uma prosa completamente diferente daquela que era comum nas crónicas de então, não só em Portugal como na Europa. Atrevo-me mesmo a dizer que não conheço outro historiador que consiga descrever correctamente a realidade mas de uma forma cativante, empolgante, transportando o leitor para os acontecimentos que estão a ser narrados.
As suas obras foram a crónica de D. Pedro, D. Fernando e D. João (Iª e IIª parte).
Na crónica de Dom Pedro, revela-nos o carácter justiceiro do Rei, mas sem deixar de fazer afirmações polémicas, como a sua relação homossexual com o escudeiro Afonso Madeira, a quem el rei amava muito “mais do que aqui se deve dizer”, e a quem mandou cortar aquelas partes “que os homens em mor apreço têm”, por se ter relacionado com uma mulher casada. No caso do suposto casamento com Dª Inês de Castro, apresentando a versão dos factos, não deixa de referir aquilo que se dizia em surdina. O facto de nem o Rei nem Inês de Castro se lembrarem a data do casamento, o que para o cronista era estranho: como se podia esquecer data tão importante?
Na crónica de D. Fernando destaco a descrição da figura de Leonor Teles de Menezes, a quem chama de “aleivosa”, e do pusilânime D. Fernando, que mentindo ao povo de Lisboa, que se reuniu no largo de São Domingos para fazer ver ao Rei que era uma desonra casar com uma mulher já casada, fugiu para Leça do Balio, casando ai com a tal aleivosa. O povo, esse heroi omnipresente na prosa de Fernão Lopes, sofreu na pele o atrevimento, nomeadamenteo alfaiate Fernão Vasques, que tinha sido porta-voz do povo de Lisboa e que acabou no cadafalso. O drama de Dª Maria Teles, que foi assassinada pelo seu marido, infante D. João (filho de D. Pedro e Inês de Castro), vítima de uma urdidura montada por Leonor Teles”, também mereceu amplo destaque na crónica fernandina.
Contudo, a mais importante obra do genial cronista foi indiscutivelmente a crónica de D. João I, onde se relata a forma como a crise de 1383/185 conduziu a uma monarquia nova, por sinal a mais gloriosa da história portuguesa. No entanto, o Mestre, que deveria ser o heroi da obra, aparece muitas vezes diminuído, hesitante, quase como se fosse apenas um produto que o povo transformou num instrumento de luta contra a dominação senhorial, representada pelo Rei de Castela e os nobres portugueses que apoiavam as suas pretensões. Um exemplo da insegurança do Mestre é a forma como ele é desafiado por Álvaro Pais a matar o Andeiro, mas que este inicialmente recusa, e a forma como tenta sair do país depois de matar o valido da Raínha, sendo apenas demovido pelo povo de Lisboa. Fernão Lopes não deixa, no entanto, de salientar a sua faceta humanista, impedindo que a sanha revolucionária se virasse contra os judeus, salvos pelo mestre quando o povo de Lisboa, aliciado pelo proveitoso saque, se preparava para pilhar a judiaria. O caso da morte do Bispo também espelha a preocupação pela reposição da verdade do cronista, defendendo-o da acusação de estar ao serviço dos castelhanos (apesar de ser castelhano), acabando lançado da torre da Sé por não ter feito dobrar os sinos, como o povo lhe mandava enquanto acorria ao Paço de São Martinho para defender o Mestre, cumprindo o plano gizado pelo ex chanceler-mor de D. Pedro e Dom Fernando. O grande heroi da crónica, para além do povo, é Nuno Álvares. É dele que irradia todo o esplendor da alma portuguesa, glorificada na tarde de 14 de Agosto de 1385. É no campo de são Jorge, onde decorreu esta “ferida” batalha, que Fernão Lopes tão bem descreve, que ainda consegue encontrar espaço para uma tirada humorística. Conta-nos o cronista que depois da segunda investida castelhana começar a ser contida, alguns portugueses começaram a gritar “já fogem! Já fogem! E os castelãos [castelhanos], por não fazerem deles mentirosos, começaram a fugir cada vez mais!”
Melhor do que falar de Fernão Lopes, só ler a sua genial obra.
. Os meus links