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Segunda-feira, 29 de Outubro de 2012

História Palaciana Numa Cidade Sem Palácios

Dizer que a capital portuguesa não tem palácios pode parecer exagerado. Quem ler estas linhas certamente que conseguirá identificar dezenas deles, uma boa parte dos quais adstrito ao funcionamento dos orgãos do Estado. Por exemplo: o Palácio Ratton, é hoje a sede do Tribunal Constitucional, ou o Palácio das Necessidades, onde funciona o Ministério dos Negócios Estrangeiros, ou mesmo o Palácio dos Marqueses da Praia, onde o Partido Socialista instalou a sua sede nacional. Referi três exemplos aleatoriamente, mas podia citar muitos mais, no entanto nenhum destes palácios se pode enquadrar na categoria de Palácio Real, como sucede em todos os paises da Europa. Veja-se, por exemplo, o caso da nossa vizinha Espanha, que tem em Madrid o Palácio Oriente ou da Zarzuela, que em qualquer dos casos não tem paralelo com nenhum palácio lisboeta.

A que se deve esta “pobreza” palaciana? Para responder a esta pergunta temos que ir aos primórdios dos palácios na actual capital. Pese embora a conquista em 1147, por Dom Afonso Henriques, nenhum Rei, até D. Afonso III, se estabeleceu de forma regular em Lisboa. Naquele tempo não existia a ideia de “Capital” como temos hoje, porque a Corte era móvel, mas Lisboa também não era ainda uma cidade segura, dada a presença a sul dos “Sarracenos”. Dom Afonso III, que foi o Rei que conquistou as últimas parcelas do actual território português que estavam ainda na posse dos mouros, estabeleceu a “cabeça” do seu reino em Lisboa. O motivo talvez tenha sido o excelente porto de que dispunha, ele que vinha de Paris, onde a actividade comercial era muito activa. Terá sido o “Bolonhês” a vislumbrar as potencialidades de Lisboa, como ponto de trocas comerciais, o que o levou a estabelecer-se no Castelo, mas tarde designado por São Jorge. O seu filho, Dom Dinis, foi o primeiro Rei a nascer em Lisboa, mantendo-se como sede do poder em Portugal. No entanto, o castelo, que era um edifício com funções eminentemente militares, não oferecia as condições de conforto e construiu-se outro palácio, designado por palácio de São Martinho, que ainda hoje existe, onde mais tarde funcionou como estabelecimento prisional, com o nome de “Limoeiro”. Foi neste palácio que se deu o episódio da morte do Andeiro pelas mãos do então Mestre de Avis, magistralmente descrito pela pena de Fernão Lopes.

O Palácio de São Martinho foi até Dom Manuel o Palácio Real na então já indiscutível capital. Com o “Venturoso” passa-se um episódio pitoresco que levou à mudança dos Paços de São Martinho para o actual Terreiro do Paço. D. Manuel deu ordem aos embaixadores para casar o Príncipe Herdeiro, futuro D. João III, com uma princesa da casa da Austria, Dona Leonor, irmã de Carlos V. Sucede que quando estavam a terminar a negociação, morre a raínha Dona Maria, segunda mulher de D. Manuel, e o Rei instrui imediatamente os seus representantes para mudar o acordo. A príncesa já não iria casar com o Príncipe mas como ele próprio. Este casamento abalou as relações entre pai e filho, e com a própria madrasta, que seria mãe da Infanta Dona Maria, construtura da Igreja da Luz e a quem já atribuiram o título de “musa de Camões”, embora com argumentos muito frágeis.

Sucede que quando se estabeleceram os esponsais já Dom Manuel andava na casa dos 50 anos, e a noiva era uma jovem. Dom Manuel, preocupado e com a possibilidade de não conseguir cumprir o seu papel de marido, aconselhou-se com os seus médicos, que lhe apresentaram como solução o poder afrodisíaco da pimenta. Dom Manuel nem hesitou. Mandou colocar a sua alcova conjugal por cima dos armazens da pimenta e assim nasceu o Palácio da Ribeira.

Depois de Dom Manuel, Portugal entra numa fase descendente que culmina com a perda da independência, após a desatrada aventura marroquina de Dom Sebastião. Este Rei gostava muito do Palácio de Santos, onde hoje funciona a Embaixada da República Francesa, local de onde terá partido, segundo uma tradição, para a sua aventura em praias marroquinas. Após o golpe da Restauração tivemos que aguentar uma guerra durante 28 anos, que delapidaram completamente os nossos recursos. Só saímos da penúria com o aparecimento das pepitas brasileras, que marcaram todo o reinado de Dom João V e de Dom José.

A grande obra do magnânimo não foi todavia em Lisboa mas em Mafra, onde em cumprimento de uma promessa, após o nascimento de um sucessor, mandou construír um enorme palácio/convento, ainda hoje o segundo maior da Península Ibérica, apenas menor do que o Escorial e por escassos metros. 

E assim não aproveitámos esta avalanche de recursos para construir um grande palácio na capital. No dia 1 de Novembro de 1755 o Palácio da Ribeira, a recém-inaugurada “Ópera do Tejo”, e toda a Lisboa ribeirinha, vieram a baixo. A família real, por sorte, estava no Palácio de Belém, saindo incólume desta tragédia. Nem por isso o Rei arriscou, e nem nesse pequeno palácio de lazer, construído por Dom João V, quis habitar. Mandou construir um barracão nos terrenos onde está actualmente o Palácio da Ajuda, a que o povo chamava de “Real Barraca”. Depois do cataclismo, o Rei Dom José nunca mais quis habitar num palácio de alvenaria, pelo risco de morte após um novo sismo, preferindo viver numa enorme barraca em Madeira, num sítio de maior altitude, afastado do principal foco de destruição. Este real barracão ardeu, como seria inevitávél numa construção de madeira no tempo em que a “energia” era fornecida por candeeiros de azeite, e já no reinado da sucessora, Dona Maria I, iniciou-se aquele que devia ser o grande palácio da capital nesse mesmo local.

Na reconstrução pombalina, o ministro de Dom José nunca se mostrou farovável à reconstrução do Paço da Ribeira e isso explica-se pelo nome que deu ao antigo Terreiro do Paço, rebatizando-o de Praça do Comércio, onde o Marquês pensava que devia ser o grande entreposto comercial português. Mal sabia Pombal que tinha que esperar até a 2011 para que esse local se tornasse um local de comércio, embora bem diferente. Já não são trocas comercias entre mercadores que ali se fazem, mas sim a prestação de serviços no sector da maior indústria do mundo: o turismo. Na minha opinião, o aproveitamento das arcadas pombalinas para espaços de lazer e restauração foi a melhor coisa que aconteceu a Lisboa desde a florestação da Serra do Monsanto no princípio do século XX, pela mão do enérgico ministro de Salazar, Duarte Pacheco.

Regressando aos palácios, foi na Ajuda que se fixou Dona Maria e o Príncipe regente e foi deste palácio que em 1807, na iminência da invasão francesa, embarcaram rumo ao Brasil. Quando regressaram, depois da revolução liberal de 1820, o palácio já não possuia as condições necessárias para acolher a Família Real. Existiam outros palácios fora da capital como em Queluz e Mafra, onde os reis passavam mais tempo, mas na capital não tinham um local apropriado. Fixaram-se num antigo palácio mandado construir por Dona Catarina de Bragança, Rainha de Inglaterra, o Palácio da Bemposto (ou Paço da Raínha), onde D. João VI se encontrava, por exemplo, na revolta da Abrilada, comandada pelo seu filho Dom Miguel.

Com a guerra civil e a subsequente instabilidade política entre liberais progressistas e moderados, as finanças públicas deixaram de poder suportar a construção de residências para o Rei. Não era só a verba mas também a mudança que se operou no papel do monarca. O Rei deixou de ser visto como o representante de Deus na terra mas apenas um servidor do Estado, que tinha que se submeter à vontade do soberano congresso. Evidentemente que muitos reis não aceitaram de bom grado esse papel passivo, como foi o caso de Dona Maria II,  na chamada “Belenzada”, cujo “epicentro” teve lugar no Paço de Belém por uma questão meramente logística. Da-se o nome de “Belenzada” a um golpe politico-militar desencadeado pela raínha para demitir o governo Setembrista, liderado por Passos manuel. Para tal, a raínha pediu auxílio à coroa inglesa e Belga, à qual o marido estava ligado por laços de parentesco, que estacionaram uma esquadra no Tejo, ao largo de Belém, supostamente para defender a Raínha. Os ingleses chegaram a desembarcar, mas o golpe malogrou-se. De resto, aquele palácio parece que deu sempre azar aos reis (e presidentes da República) que lá se fixavam, mesmo que provisoriamente. Para além da Belenzada, foi lá que se fixou Dom Carlos quando era Duque de Bragança e se casou com a Princessa Dona Amélia de Orleães. Todos sabemos como foi o triste fim de Dom Carlos, varado de balas no Terreiro do Paço no dia 1 de Fevereiro de 1908. Dois anos depois, no dia 3 de Outubro de 1910 era neste paço que se encontrava o Rei Dom Manuel II, numa recepção ao Presidente da República do Brasil, em visita ao nosso país, quando soube que estava em marcha o golpe que haveria de instaurar a República em Portugal. Nessa mesma República, por duas vezes Bernardino Machado teve que abandonar o poder (e o país) na sequência dos golpes de Estado Sidonista e do 28 de Maio. Já nos nossos dias, foi dali que Américo Tomás saiu para o exílio, na sequência do 25 de Abril de 1974.

O Palácio da Necessidades também não foi sinónimo de maior fortuna para as cabeças coroadas de Portugal. Dona Maria II morreu ali aos 34 anos, no parto do seu 11º filho. O sucessor, Dom Pedro V e a sua mulher, a Rainha Dona Estefânia, viveram ainda menos tempo. A raínha, habituada ao rigor dos invernos na Alemanha, sucumbiu ao sol lisboeta, e o Rei não resistiu às contantes epidemias que varreram a capital portuguesa. D. Pedro V nunca se amedrontou com estes focos de contágio, optando não só por ficar na cidade, como por ir aos hospitais dar a mão (literalmente) aos infectados. Com essa bonomia ganhou fama de santo, tendo sido acolhida com grande consternação e revolta a notícia da sua morte. Ficou também na história a célebre caixa que colocou em frente do Paço das Necessidades com os bilhetes e queixas do povo. Não sei se seriam bem as queixas do povo que lá colocavam, até porque o povo era na sua maioria analfabeto e como tal como não se podia exprimir dessa forma.

Dom Pedro V morreu neste palácio e o sucessor, Dom Luis, que era muito próximo do irmão, não quis viver no mesmo sítio onde o seu irmão predilecto falecera e decidiu fixar-se no Palácio da Ajuda, então incompleto (como está ainda hoje) face ao projecto gigantesco que hoje podemos observar na maquete que se encontra na Sala dos Archeiros.

Se o Palácio da Ajuda apresenta um aspecto medonho na face virada para o rio, onde no projecto inicial se encontrava a entrada principal, por dentro foi ricamente decorado, pela mão da Raínha Dona Maria Pia, mulher de D. Luis I. Esta princesa italiana deixou fama de perdulária, não virando a cara a quem a acusava de ser uma raínha estimável mas para um país rico… Ficou na História a sua constante falta de verbas, muitas vezes suprimidas pelo industrial belga, Henrique Burnay, fundador da CUF, que terá possibilitado à soberana pagar as contas da sua modista, a não menos célebre Aline.

O Rei Dom Luis I, que ficou conhecido como “O Popular” encarnou o modelo tipo do que devia ser um Rei na concepção dos Liberais mais progressivos. Era um Rei apagado, que reinava mas não governava, sempre avesso a interferir na gestão do país, que devia ser assegurada pelo Parlamento e pelo Governo. Essa pacatez não era correspondida pela Rainha, que tinha o sangue italiano a correr-lhe nas veias, ficando célebres as palavras que dirigiu ao então já idoso Duque de Saldanha, no dia 19 de Setembro de 1870. Nesse dia deu-se um episódio que ficou conhecido pela “saldanhada”. O Duque cercou o Palácio da Ajuda exigindo que o Rei demitisse o seu arqui-inimigo Duque de Loulé, que então chefiava o governo. O Rei não teve outra alternativa do que ceder, recebendo o Duque nos seus aposentos e entregando-lhe o Governo (que de resto tería duração breve). Quando alguém se dirigia ao Rei, não saía do Palácio sem apresentar os cumprimentos à Raínha, e Saldanha cumpriu a praxe. O que o Duque não esperava era que a Rainha lhe dissesse que se “eu fosse o Rei mandava-o fuzilar”.

Dom Luis morre em Outubro de 1889, sucedendo-lhe o filho, Dom Carlos. Para não “despejar”a Rainha-mãe do Paço da Ajuda, fixa-se nas Necessidades. De resto, Dona Maria Pia só sairia da Ajuda com o golpe republicano, a caminho do exílio na sua Itália natal, onde morreu no ano seguinte.

Com o regicídio, sucede no trono o filho mais novo de Dom Carlos, aclamado como D. Manuel II, que se manteve com a mãe, Rainha Don Amélia, no Paço das Necessidades, até ao dia 4 de Outubro, quando o palácio foi atingido pelo navio Adamastor, estacionado no Tejo, em pleno golpe Republicano. O Rei partiu para Mafra e depois embarcou na Ericeira para o exílio, de onde apenas regressou após a sua morte, para o Panteão dos Reis da Casa Brigantina, em São Vicente de Fora.

Com estes e outros, pequenos e grandes episódios históricos, quase nos esquecemos que Lisboa não tem palácios.

publicado por Rui Romão às 08:23
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Quarta-feira, 24 de Outubro de 2012

O Preço da Batalha do Buçaco

A 27 de Setembro de 1810 travou-se a última grande batalha da Guerra Peninsular em território português, na serra do Buçaco. As tropas francesas tinham entrado pela terceira vez em Portugal, desta vez pela fronteira da Beira, sob o comando de um dos mais prestigiados generais de Napoleão, André Massena, a quem este chamava o “filho dilecto da vitória”. A península tinha-se tornado o palco principal da guerra, numa europa completamente amestrada à influência napoleónica, com a excepção do Reino Unido, que optara por eleger a península como ponta de lança para a derrota de Napoleão. A escolha é compreensível. Os britânicos foram sempre a principal potência naval, uma autêntica talassocracia, e na península encontravam todas as condições para desembarcar por via marítima o contingente militar e retirar em caso de derrota. É nesta lógica que se insere a construção das linhas de Torres Vedras. Á primeira vista pode parecer que se trata de uma fortificação para proteger Lisboa, mas não foi esse o objectivo. A guerra era entre a França e a Inglaterra e o poder político português não estava em Lisboa, mas no Rio de Janeiro, pelo que a capital portuguesa não era estratégica. A construção das linhas defensivas tinha por intuíto proteger as tropas inglesas caso fosse necessário a retirada para o mar, cuja frota se encontrava estacionada ao largo de Lisboa, que era (e é) o maior porto da península. Foi nesta lógica que Artur Wellesley, futuro Duque de Wellington, travou a batalha de Talavera, na Corunha, pouco tempo antes da batalha do Buçaco, contando com o apoio naval da armada britânica ao largo da Galiza. Napoleão, que nunca combateu com Wellington na península – haveria de se bater e ser derrotado em Waterloo – apercebeu-se deste estratagema e tentou ao máximo travar batalhas longe da costa, dando essa instrução para os seus militares. Na batalha do Buçaco, as tropas francesas entraram pela fronteira de Almeida e dirigiam-se para Coimbra. As tropas britânicas sairam-lhe ao caminho, numa zona onde tinham uma clara superioridade pelo conhecimento do terreno. Wellington tinha por hábito “esconder” uma boa parte do seu exército em outeiros, para que o inimigo pensasse que se estava a bater com um exército mais pequeno, aproveitando o factor surpresa num momento em que o inimigo se encontrava numa posição vulnerável. No entanto, a Batalha do Buçaco foi de uma mortalidade desnecessária. Nem as tropas de Massena tinham necessidade de dar batalha naquele local, podendo perfeitamente contornar a serra, nem os ingleses necessitavam dessa batalha para retirar para as linhas de Torres Vedras como veio a suceder. O resultado foi um número enorme de mortos e feridos, cujos números divergem, mas que ninguém questiona ter sido a batalha mais mortal da guerra peninsular em solo português. A somar à mortalidade da batalha temos que considerar uma estatística de que raramente se fala. Na batalha a supremacia inglesa foi inequívoca mas não foi de todo uma vitória total. As tropas inglesas retiraram até às linhas de Torres Vedras, deixando um rasto de destruição total. Terá sido o exemplo mais completo da política da “terra queimada”. Desde árvores de fruto, colheitas, moinhos, cereais, foi tudo arrasado com o objectivo de enfraquecer o já depauperado exército francês. Este rasto de destruição, ao longo de 8 léguas, teve consequências dramáticas para o povo português nos anos seguintes. È impossível estimar o número de portugueses que morreram à fome, vítimas de uma guerra que não era sua. Mesmo antes desde episódio já os britânicos se queixavam que os soldados portugueses eram mais um fardo do que uma ajuda, porque estavam completamente famélicos e tinham que ser alimentados pelos britânicos. Haveria de mudar de opinião, pela bravura que demonstraram noutros teatros de guerra. Esta estratégia cruel de Wellington valeu-lhe o elogio de Napoleão. Até aqui o Imperador dos franceses desprezava o general inglês, chamando-lhe general de Sipaios, fazendo referência ao seu passado militar na India britânica. Depois desta retirada, Napoleão passou a considerá-lo um homem corajoso, apesar de condenar a acção, que prejudicou muito o seu exército, deixando-o bloqueado nas linhas de Torres Vedras, sem as atacar, fosse pela manifesta falta de meios, fosse pela fome com que se debatiam.Os franceses acabaram por retirar e o futuro Duque de Wellington continuou a sua guerra na europa, culminando na gloriosa batalha de Waterloo, quando o exército de Napoleão se encontrava muito diminuido depois da campanha na Rússia. Portugal acabou por ser uma vítima deste conflito, pagando um elevado preço em sangue, não só nesta invasão como nas restantes. Na primeira invasão o exército invasor foi bem-recebido, não se registando combates. Os combates da Roliça e do Vimeiro, que inauguraram o ciclo glorioso de Wellington, também não tiveram a participação de forças portuguesas, mas pagámos bem caro essa ausência. Com a paz firmada na Convenção de Sintra, os franceses foram embarcados em navios ingleses com todo o armamento e todo o produto do saque de tesouros artísticos, que nunca mais regressaram a Portugal. Na segunda invasão foi a tragédia da ponte das Barcas, no Porto. Foi uma batalha que os franceses perderam militarmente (mesmo assim inscreveram-na no Arco do Triunfo!), mas Portugal perdeu ainda mais, em vidas civis, que se perderam nas águas agitadas do Douro, quando a população do Porto apenas se queria pôr-se a salvo do exército de Soult. Após a neutralização francesa nas Linhas de Torres Vedras não existiram mais batalhas em Portugal, mas um grande efectivo de portugueses manteve-se nas fileiras do exército de Wellington, dando mostras de uma grande bravura. Foi o próprio general inglês que o disse, numa carta endereçada ao Conde de Liverpool, onde lhe chamou “galos de luta do exército”, na sequência da Batalha de Vitória em 1813, ponto de viragem da guerra. Foi depois desta batalha que a Áustria se juntou à Inglaterra, rompendo com Napoleão (de quem o imperador austríaco era sogro), o que foi decisivo para o desfecho da guerra. Em compensação, a opinião de Wellington sobre os militares espanhois era péssima. Chegou a dizer, na altura em que se falava de uma troca de prisioneiros de guerra, que aos soldados espanhois “preferia não os ter”. Não podemos esquecer. Foi só há 200 anos.

publicado por Rui Romão às 08:53
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Segunda-feira, 22 de Outubro de 2012

A TSU da Idade Média nas Cortes de Leiria

Portugal vive um período de turbulência. O equilíbrio das finanças públicas é um desígnio sacrossanto que tem levado o governo a empreender um conjunto de medidas draconianas (pelo lado da receita) mas que não primam propriamente pela originalidade. Agravar ou lançar novos impostos, é sempre assim quando um país vive numa situação deficitária das suas contas públicas. No nosso passado recente, após a implementação do regime democrático, esta é a terceira vez que Portugal tem que pedir auxílio internacional, negociando programas de assistência financeira, que nos ajudem a superar o crónico problema do défice público. Nas duas intervenções anteriores, Portugal tinha uma moeda própria (o escudo) que podia utilizar como mecanismo de ajustamento orçamental. A lógica era simples: ao desvalorizar a moeda diminui-se o salário real dos assalariados e permite às nossas empresas vender para o exterior a preços mais competitivos. Foi essa política que foi aplicada pelos governos “assistidos” de Mário Soares e foi por essa via que conseguimos reconquistar a nossa soberania financeira. O Portugal de 2012 não tem essa permissa. Integrado numa zona monetária que não controla, perdeu o mais importante instrumento de recuperação financeira. Acresce que ao estar inserido numa zona económica onde coexistem diferentes políticas fiscais, economias com grandes assimetrias e sem uma unidade política que permita uma política conjunta que susbtituia a acção individual de cada Estado-membro da “eurolândia”, torna-se vulnerável em períodos de crise, que ataca sobretudo os países da periferia. Este problema também se colocou na primeira república, levando a uma situação caótica que desembocou no 28 de Maio de 1926. Antes, Afonso Costa tinha-se considerado um autêntico “mago da finança”, ao conseguir, por um breve período, o equilíbrio orçamental, o que nos permite ter uma ideia da importância que se atribuía a este tema, para que o principal rosto da Iª Republica abraçasse este desígnio. Evidentemente que esta questão foi empolada, mas o esforço de guerra e o contexto económico da Europa levou o país novamente para a bancarrota, problema urgente que os generais do golpe de 1926 tiveram que pôr cobro. Lembraram-se de um jovem professor de Coimbra, chamado António Oliveira Salazar, mas este apenas ficou alguns dias no cargo de ministro das Finanças, por não ver satisfeitas as condições que entendia serem fundamentais para levar a bom termo a sua missão. Foi substituído por Sinel de Cordes, que não conseguiu grandes resultados, o que motivou uma segunda chamada para Coimbra, desta vez para a vinda a título definitivo do jovem professor. Regressando à temática da moeda e da falta deste instrumento, o governo lembrou-se em Setembro de 2012 de propor um agravamento de um imposto – a TSU (taxa social única) para os assalariados, para permitir a sua redução para as empresas. Foi um mar de indignação que se levantou. Chamou-se Robin dos Bosques (mas ao contrário) ao primeiro-Minstro Pedro Passos Coelho, fizeram-se manifestações gigantescas, e o governoacabou por ceder e abandonar esta medida. Em termos práticos, o que se tentou fazer foi produzir o mesmo efeito da desvalorização da moeda, i.e. aumentar a competividade externa e diminuir o poder de compra para diminuir as compras ao exterior, solução que considero engenhosa, mas que seria mais dificil de aceitar do que uma mera desvalorização monetária. Até aqui ainda não saí do século XX, mas o título que dei ao post remete-nos para as primeiras cortes realizadas em Leiria, no ano de 1254, e que ficaram na História por terem sido as primeiras em que o terceiro Estado, ou seja o Povo, teve assento. Reinava Dom Afonso III, que fora Conde de Bolonha e trouxe para Portugal uma nova concepção de Estado. Vivendo em França apercebera-se da importância do comércio como fonte de riqueza e prosperidade das nações, e com ele Portugal iniciou um caminho de prosperidade que apenas foi interrompido com a guerra civil entre Dom Dinis e o futuro Dom Afonso IV. A presença do Povo nessas cortes ainda não foi cabalmente explicada. Porque motivo o “Bolonhês” se lembrara de convocar representantes do Povo? Eu acho que este facto é explicado antes de mais pelo primado que este queria dar ao comércio, cujos agentes são mercadores e como tal, pertencentes ao povo (mais tarde serão chamados de burguesia). No entanto, com essa classe em franco progresso relaciona-se a temática tratada nessas cortes – a quebra da moeda. A quebra fiduciária era um esquema legal, muito utilizado pelos monarcas, e que consistia na recolha de toda a massa monetária em circulação, retirando uma parte do valor do metal (geralmente ouro e prata) mantendo a moeda o seu valor nominal. Ou seja, na prática era uma desvalorização da moeda. É evidente que a classe mais prejudicada era aquela que lidava com o dinheiro, isto é, os mercadores. Os nobres e os prelados tinham vastos domínios e o pagamento que lhes era feito era em géneros, através de pensões enfitêuticas, pelo que estes não utilizavam dinheiro. Mas para os mercadores esta desvalorização era uma fonte de grandes prejuízos. A moeda tinha sido quebrada em 1249/50 e existia o hábito de não fazer semelhante operação com menos de 7 anos de intervalo. Em 1254 a coroa encontrava-se depauperada e tinha que quebrar moeda ou então pedir dinheiro aos mercadores e foi por esse motivo que estes se reuniram em Coimbra, para combinar o preço a pagar para o Rei não quebrar moeda. Pelo menos esta é a teoria do Prof. Marcelo Caetano, que merece todo o crédito e que configura uma situação muito semelhante aos dias de hoje. Quando não existe desvalorização da moeda, a única solução é lançar ou agravar novos impostos.

publicado por Rui Romão às 08:24
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Sexta-feira, 5 de Outubro de 2012

5 de Outubro, o Último?

 

Comemora-se hoje pela última vez o feriado alusivo ao dia de implantação da República. Já estávamos habituados ao estafado acontecimento do hastear da bandeira pelo presidente da República na varanda dos paços do Concelho, pelo que fui surpreendido pela mudança de local. Por receio dos protestos populares, que se têm feito ouvir em todos os eventos públicos onde participam políticos, desviou-se a comemoração para o esconso Pátio da Galé!

É do conhecimento geral que a República foi proclamada na Câmara de Lisboa. Menos conhecido é o motivo porque escolheram a edilidade Lisboeta para assinalar este feito. Podiam ter escolhido o parlamento, ou mesmo o paço da Necessidades, embora neste último caso se compreenda que não quisessem começar um novo regime num edifício escalavrado pelo bombardeamento do cruzador Adamastor, desferido a partir do Tejo. O motivo é mais simples. Em 1908 os republicanos venceram as eleições para a Câmara Municipal de Lisboa, traduzindo a forte implementação que tinham na capital, centro de negócios onde se movimentava uma burguesia que tinha ganho um grande protagonismo com o fomento fontista. No entanto, à escala nacional, os republicanos eram uma minoria. Se fossem maioritários podiam ter chegado ao poder por via eleitoral, o que esteve sempre longe de acontecer. É verdade que existia caciquismo, ao serviço dos partidos do rotativismo, e a Igreja católica – que tomou uma posição activa anti-republicana (o que lhe valeu muitos dissabores na primeira república), mas este facto não explica tudo. Em 1910, só existia uma república na Europa, que era a França. Porque motivo teríamos que ser pioneiros na mudança de regime se não o éramos em mais nada? É um enigma a que não consigo responder, mas a sucessão de eventos desde o últimatum, passando pelo anacronismo e lutas intestinas dos partidos do rotativismo, e por fim o regicídio, tornaram a mudança de regime inevitável. A crise dos partidos monárquicos foi identificada bem cedo. O sistema de designação do governo era então perverso. O governo quando perdia o apoio no parlamento pedia ao rei a demissão. O monarca nomeava o outro partido (Progressista ou Regenerador) que se encarregava de marcar eleições. Esse partido no poder designava os governadores civis e outras autoridades locais afectas ao seu partido, que arregimentavam os votos de um povo pouco esclarecido, votando massivamente no partido que o cacique indicava.

A este sistema caduco opuseram-se grandes vultos da intelectualidade de então, com destaque para Oliveira Martins, que tentou fundar a Vida Nova, que propunha a refundação da política portuguesa, depositando uma enorme esperança no então príncipe Dom Carlos, propugnando por um papel mais interventivo do Rei. Este movimento não vingou, mas D. Carlos não desistiu de refundar o regime. Apostou num político enérgico, que fundou um novo partido, dissidente do partido Regenerador, e que tentou incutir um novo rumo à política portuguesa. Esse político foi João Franco. Debateu-se com a feroz oposição, quer dos republicanos quer dos tradicionais partidos monárquicos, para além de outro partido que nasceu noutra dissidência, a Renovação Progressista, comandada por José Maria Alpoim.

João Franco foi apelidado de ditador, quando não o foi. Segundo a Carta Constitucional o parlamento tinha que funcionar durante um período mínimo de 3 meses ao ano, período que foi respeitado. O espaço de tempo entre o encerramento das cortes sem eleições também foi respeitado, uma vez que estas estavam marcadas para Abril de 1908, como se veio a verificar. No entanto, já João Franco tinha sido apeado do poder depois do regicídio de D. Carlos, de que foi responsabilizado, pelo ambiente crispado que tinha criado. D. Manuel II afastou-o do poder, e o próprio afastou-se de vez da política até ao final da sua vida. A injustiça de que foi alvo foi uma certidão de óbito para a monarquia portuguesa.

D. Manuel iniciou um período que lhe chamou de “Acalmação”, que de calmo só teve o nome. Sucederam-se os chefes de governo sem conseguir impor um rumo de governação. O 5 de Outubro era inevitável, embora a forma como a manobra militar se desenrolou se tenha assemelhado mais a um filme cómico, argumento digno de um Charlie Chaplin.

O golpe militar propriamente dito teve início no dia 3 de Outubro, quando D. Manuel recebia em Belém o Presidente da República do Brasil. A rebelião não teve contudo a adesão esperada, pelos vários quarteis que não se mobilizaram, e o directório republicano viu-se a braços com um golpe fracassado. O chefe militar da operação, Cândido dos Reis – o célebre Almirante Reis que deu nome a metade das ruas deste país – apercebeu-se do logro e suicidou-se. Na véspera, outra baixa de vulto foi a do médico Miguel Bombarda, psiquiatra, um dos chefes civis do golpe, assassinado por um doente, e que partilha ainda hoje o protagonismo na toponímia nacional com o Almirante Reis.

Perante este cenário de golpe falhado, quando os revoltosos já recordavam o malogro do 31 de Janeiro, houve um oficial, Machado Santos, que não deu por perdida a batalha. Arregimentou os seus homens na rotunda (actual Praça Marquês de Pombal), e dali não saiu. As forças leais ao governo posicionaram-se nos Restauradores e assim ficaram quase um dia. Perante este impasse, o ministro Plenipotenciário da Alemanha (embaixador, na linguagem actual) meteu-se num carro e com uma bandeira branca deslocou-se ao reduto dos revoltosos numa tentativa de mediação entre ambas as partes. Os golpistas viram um homem com bandeira branca a subir a avenida e pensaram que as tropas leais ao governo se estavam a render. Desceram a avenida e ninguém se lhes opôs. Ninguém, para além de Paiva Couceiro, que sozinho não conseguiu inverter a situação comico-militar. O Rei foi para Mafra, de onde partiu para a Ericeira no dia 5 de Outubro, a caminho do exílio londrino, a bordo do Iate Real Amélia. Machado Santos, o herói da rotunda, foi assassinado na célebre noite sangrenta de 1921, pelos próprios republicanos, movidos pela sanha e balburdia que marcaram toda a primeira república.

Paiva Couceiro refugiou-se na Galiza, liderando as incursões monárquicas, conseguindo em 1919, após a queda de Sidónio, restaurar durante 1 mêso regime no Porto, a chamada Monarquia do Norte.

D. Manuel e sua mãe viveram no exílio até ao fim dos seus dias. O Rei dedicou-se a uma intensa actividade bibliográfica em Londres, conseguindo o estudo mais completo feito até hoje sobre livros antigos portugueses. Morreu em 1932, ainda jovem, regressando à pátria, onde foi recebido com toda a dignidade que lhe era devida pelo governo do Professor Salazar.

O mesmo Salazar convidou a rainha Dona Amélia para regressar à sua pátria de adopção, já depois da II Guerra Mundial. A longa vida da rainha permitiu-lhe regressar ao país do qual fora soberana e visitar os seus mortos, onde se demorou durante várias semanas. Não faltou a visita ao Palácio da Pena - onde viveu os melhores momentos em Portugal - e a passagem pelo Terreiro do Paço - onde viveu o momento mais dramático da sua vida, no dia 1 de Fevereiro de 1908. Neste dia, ficou a imagem da rainha, no alto do seu 1,86 m de altura, a enfrentar os regicidas com um ramo de flores.

Neste 5 de Outubro, é para ela que vai a minha homenagem.

publicado por Rui Romão às 08:55
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Quarta-feira, 3 de Outubro de 2012

Tanta História nas Alcáçovas

 

 Por estes dias estive nas Alcáçovas, uma pequena e pitoresca vila alentejana, onde me demorei um par dias. Na vila, a antiguidade transborda em cada canto, mas nem por isso se tem valorizado esse património. O principal monumento deste passado ilustre e afidalgado, o Paço das Alcáçovas, está numa triste ruína. Na vila comemora-se neste ano os 500 anos do foral manuelino, mas fora isso, nada ali nos remete para os acontecimentos que marcaram a História Universal, e que tiveram lugar nesta vila. Não me enganei, nem me deixei arrebatar pela revolta que sinto por ver o nosso património mais valioso ao abandono, aqui passaram-se eventos que mudaram a face do mundo. Cita-se sempre como acontecimento de grande importância o Tratado de Alcaçovas, firmado em 1479 entre a coroa de Castela e Portugal, onde se põe fim à guerra da Beltraneja e se esboça pela primeira vez a divisão do mundo em 2 áreas de influência. Este facto é verdadeiro e de grande relevância, mas existem outros dois eventos, passados na mesma vila das Alcaçovas, que parecem não estar relacionados entre si, mas que em conjunto contribuíram para a configuração actual do continente europeu e americano. Por ordem cronológica, comecemos por 1457, nesse ano nas Alcáçovas celebrava-se um duplo casamento. A infanta Dona Beatriz, filha do infante D. João, casava com D. Fernando, filho de D. Duarte e Dona Isabel, também filha de D. João, casava com D. João II, rei de Castela. O primeiro casamento gerou prole tão ilustre como o Rei D. Manuel e a Rainha Dona Leonor e o segundo o do Rei D. Henrique IV e de Isabel a Católica. Não sei se foi pela ligação sentimental que tinha a esta vila, mas foi neste mesmo local que Isabel a Católica celebrou com o Rei de Portugal D. Afonso V o tratado que haveria de selar definitivamente a sua realeza, colocando um ponto final à guerra da Beltraneja, tão nefasta para as nossas hostes, estabelecendo também uma definição de áreas de influência numa altura em que a Índia já andava na mente do Príncipe perfeito. O tratado tem a mão de D. João II, porque o Rei seu pai já se encontrava entregue à melancolia que o acompanhou nos últimos anos de vida, estabelecendo também um acordo de casamento entre o príncipe D. Afonso, filho de D. João II, e a Princesa Isabel, filha dos Reis Católicos. Como os nubentes ainda eram crianças estabeleceram-se a célebres terçarias de Moura. As terçarias consistiam na custódia dos príncipes até atingirem a maioridade, à guarda da Infanta Dona Beatriz. Os príncipes vieram a casar, mas as terçarias foram desfeitas pouco depois da coroação de D. João II, talvez por não confiar na Infanta, que era também sua sogra. Esta desconfiança era recíproca e perfeitamente compreensível. Recorde-se que Dom João II enviou para o cadafalso o Duque de Bragança, que era genro de Dona Beatriz – obrigando a mulher a homiziar-se em Espanha – e matou outro seu filho, D. Diogo, Duque de Viseu, ambos sob a acusação de atentarem contra a sua própria vida. Com a morte do Infante D. Afonso numa queda de cavalo na Ribeira de Santarém, colocou-se o problema da sucessão. O Rei tinha um filho bastardo, D. Jorge, Mestre da Ordem de santiago, que não conseguiu legitimação pelo Papa, onde não faltou a pressão de Dona Leonor, sua mulher e filha da Infanta Dona Beatriz, que tinham em Roma um seu fiel servidor, Dom Jorge da Costa, cardeal de Alpedrinha, que terá tido um papel importante neste desfecho. Sem herdeiro legítimo, o Príncioe Perfeito acabou por designar como sucessor o familiar mais próximo, que viria a ser Dom Manuel I, seu cunhado e também filho da Infanta Dona Beatriz. Foi neste Paço das Alcáçovas que D. João II mandou lavrar o seu testamento, designando o sucessor quando se encontrava a caminho das Termas de Monchique, onde procurava alívio para as dores que o apoquentavam. Ainda tentou encontrar-se com D. Manuel, que na altura era Duque de Beja, mas Dona Leonor conseguiu demover o irmão, talvez por receio que lhe acontecesse o mesmo que ao irmão mais velho, assassinado em Setúbal, às mãos dos algozes do Rei. Destes três acontecimentos passados nesta vila: o casamento das infantas, o tratado de Alcáçovas e a designação de Dom Manuel como Rei estão relacionados e alteraram profundamente a História da Humanidade. Foi aqui que se legitimou a realeza de Dona Isabel a “Católica”, que casou com Fernando de Aragão e deu origem ao país que hoje se chama Espanha. Foi aqui que se dividiu o mundo, tratado que só foi alterado em 1494, na sequência da descoberta do continente americano por Colombo, ao serviço destes mesmos reis católicos, mudando a face de todo o continente americano. E foi também aqui que casaram os pais de Dom Manuel I e onde este foi designado rei de Portugal, no reinado do qual descobrimos o caminho marítimo para a Índia e o potentado que é hoje o Brasil. Tudo isto nesta pacata e serena vila alentejana.

publicado por Rui Romão às 08:37
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