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Domingo, 25 de Novembro de 2012

Napoleão - Um Génio ou Uma Fraude?

Raramente um só homem consegue ter tanta influência no seu tempo como teve Bonaparte. Estadista, general, líder de um país que pretendia dominar a Europa, é ainda hoje idolatrado por muitos, como é disso prova a romaria ao seu túmulo no cemitério dos “Invalides” em Paris.

Mas quem foi afinal este homem? Para começar ele não era propriamente francês. Nascido na Córsega, ilha meio francesa meio italiana que tinha sido ocupada em 1768 pela França um ano antes do seu nascimento (1769), nasceu no seio de uma família importante na “noblesse” local. Bem cedo se apercebeu que a sua ambição desmedida tinha terreno mais fértil na França revolucionária do que na pequena Córsega, o que o levou a abandonar as suas origens e ir para França.

Foi um militar com uma folha de serviço distinta na guerra Italiana, no contexto da guerra europeia contra as coligações de paises europeus que pretendiam estancar a hemorragia revolucionária francesa.

A sua fama rapidamente conquistou o Directório, embora a chegada ao poder tenha sido feita pela via de um golpe militar, o 18 de Brumário de 1799, que instaura em França o período a que se designa de Consulado, sendo Bonaparte o Iº Consul. Daí até à sua auto-coroação como Imperadore, perante o próprio Papa, num sinal impressionante de força e grandeza, foi um passo.

As vitórias militares que ascenderam a mais de 60, conseguindo moldar a Europa aos seus desígnios, numa espécie de monarquia de família, que constituia na deposição dos antigos monarcas e na coroação de membros da sua família. Assim fez, por exemplo, na Holanda, com o seu irmão Luis (pai do futuro Napoleão III) ou em Espanha com o seu irmão José. A sua dinâmica parecia imparável, sendo a Inglaterra o único empecilho para conseguir uma vitória total.

O palco desta luta anglo-francesa foi numa fase inicial travada no mar, onde a Inglaterra mostrou a sua superioridade em Trafalgar (1805). Depois de Napoleão se aperceber que pelo mar nunca venceria os ingleses, a luta passou sobretudo para terra, decretando o Bloqueio Continental, no qual fomos implicados pela histórica aliança luso-britânica

A Península Ibérica tornou-se a partir de 1807 o principal palco de luta entre as duas principais potências europeia de então, embora Napoleão nunca tenha combatido pessoalmente com o exército de Wellesley. Os mais prestigiados marechais franceses de então passaram pela península, como Soult, Massena ou Junot, ficando o embate entre Napoleão e o futuro Duque de Wellington reservado para Waterloo onde o (regressado) Imperador dos franceses foi batido em toda a linha.

 Se o papel de Napoleão na História é incontestável, a glória de que se alcandorou é mais discutível. Seria Napoleão um génio militar? Se tivesse que responder dicotomicamente a esta questão, diria claramente que não o era. A sua vida militar não revela nem grandes dotes estratégicos nem tácticos, mas mesmo assim é incontestável que conseguiu vencer a maioria das batalhas onde participou. Porquê?

A minha opinião, que é aquela defendida pela maioria dos especialistas militares, é que a enorme superioridade francesa em termos militares se deve acima de tudo a uma questão demográfica. A enorme superioridade em termos de efectivos da França face aos restantes paises europeus era considerável, numa altura em que a guerra de infantaria costumava decidir a sorte das armas.

A somar à superioridade em termos de número de militares soma-se o carisma de Napoleão e a sede de conquista de um povo que tinha operado uma revolução que mudara completamente a sociedade francesa e europeia. O carisma do líder, a vontade de combater e a superioridade númérica, formam o trinómico vencedor da França napoleónica.

Se analisarmos as campanhas miliateres de Bonaparte vemos as suas limitações como comandante operacional. Tendo a vantagem de não ter que responder perante instituições representativas como era o caso de Wellignton – que tinha que responder perante a Câmara dos Comuns – manifestou um grande desprezo pela vida dos seus militares. Nunca se preocupou com questões como o abastecimento (de homens e animais), linhas de comunicação ou de planos de contingência. Essas lacunas foram evidentes na campanha da Rússia. Apenas se preocupou em chegar rapidamente a Moscovo, nas campanhas rápidas que o caracterizavam, a “mata-cavalos”, sem se preocupar com o dia seguinte. O resultado foi uma ctástrofe. Kutuzov, general russo, abandonou Moscovo, deixando a cidade deserta e sem qualquer abastecimento, numa política rigorosa de “terra queimada” e os franceses tiveram que regressar a casa, por não disporem de meios de subsistência.

Esta batalha ditou a queda de Napoleão e o exílio na Ilha de Elba, mas depressa o Imperador dos Franceses conseguiu fugir e regressou à Europa para uma última batalha – Waterloo.

Mas uma vez, Napoleão não se preparou para este embate contra o meticuloso Wellington, que o venceu claramente com o auxílio dos Prussianos. Napoleão seguiu a estratégia do costume. A formação de um enorme corpo de infantaria, que se desdobrava em leque numa frente considerável, avançando em seguida para a vanguarda do inimigo. É uma táctica básica perante um exército comandado pelo astuto Wellington.

O general Inglês costumava esconder largas dezenas de milhares de efectivos em encostas (a táctica da encosta invertida), atacando no momento decisivo, sendo rigoroso na definição de planos de fuga em caso de derrota e no abastecimento de homens e animais.

Diz-se que na véspera da batalha de Waterloo Napoleão estava mais azafamado na escolha da farda com que entraria triunfalmente em Bruxelas do que na batalha propriamente dita. O resultado foi que teve que levar os galões para Santa Helena, contando com a benevolência dos ingleses que o podiam ter prendido em Inglaterra ou enviado directamente para a Prússia, onde seria certamente fusilado.

Não consigo encontrar uma melhor definição para o suposto génio militar de Bonaparte do que aquela que foi feita por um general Inglês – Napoleão não passa de uma martelo-pilão.

É essa a minha opinião. Carismático, denodado, ambicioso e possuindo um povo numeroso que o seguia religiosamente. Com todas estas condições, fosse Napoleão um grande General e hoje, provavelmente, todos os europeus falariam francês.

publicado por Rui Romão às 11:45
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Sábado, 17 de Novembro de 2012

Culpas Próprias na Perda de Olivença

Se existe assunto consensual na sociedade portuguesa, por cima de todo o quadro ideológico, político, religioso ou social, é a questão de Olivença. Não deve existir nenhum português que não considere a posse daquela povoação raiana uma usurpação prepretada pela vizinha Espanha e lesiva da integridade nacional. É óbvio que tudo isto não configura sequer um estado de alma, mas apenas uma opinião, porque, em rigor, os portugueses nunca se importaram muito com a questão oliventina. Ouviram dizer que era portuguesa e que os espanhois a tomaram, mas daí até constituir um desígnio nacional vai um grande passo que, até hoje, nunca foi dado.

Este texto vai ser um bocadinho contra a corrente dominante. Não que desconsidere a legitimidade à luz do Direito Internacional da posse daquela vila pelo Estado português. Este é um facto consensual, assumido e ratificado até por Espanha na sequência da Convenção de Viena de 1815, que estipula que Olivença seja restituída à coroa portuguesa. A questão prende-se com as acções (ou falta delas) por parte das autoridades portuguesas ao longo dos últimos 200 anos, que nos responsabilizam por este facto consumado: Olivença é de facto Espanha e não vislumbro que possa haver um volte-de-face que configure a sua restituição a Portugal.

A perda de Olivença está relacionada com a Revolução Francesa. Depois da Tomada da Bastilha e do início do terror revolucionário sob os auspícios da Convenção, os reinos europeus começam a sentir-se em perigo pela difusão das ideias revolucionárias que os jacobinos tentam pôr em prática de uma forma brutal. Em 1793 o Rei Luis XVI é condenado à guilhotina e aquilo que até então era visto como um processo com vista ao estabelecimento de instituições mais representativas pelas nações vizinhas – principalmente pelo Reino Unido – começou a ser encarado com preocupação.

Da preocupação à acção foi um passo, estabelecendo-se a primeira coligação de paises contra a França revolucionária. Um dos principais interessados nesta ofensiva era a monarquia espanhola, ligada por laços de família a Luis XVI, pois pertenciam à dinastia de Borbon, e que tinham sido aliados na Guerra dos Sete Anos, em que nos vimos envolvidos ainda no consulado do Marquês de Pombal, na primeira tentativa empreendida por França para impedir o acesso por mar à frota britânica, que historicamente sempre pode dispor dos portos portugueses. A guerra, se é que se pode aplicar este substantivo, foi de curta duração e inconsequente, ao ponto de ficar para a História com o nome de “Guerra Fantástica”, i.e fantasiosa, encenada, resumindo-se a este episódio a participação portuguesa neste conflito mais amplo à escala europeia.

Após a subida ao cadafalso de Luis XVI pôs-se em marcha a primeira coligação liderada pelo Reino Unido e em que participaram também Espanha, Rússia, Austria, Prússia, o Reino de Nápoles e Portugal.

A participação portuguesa nesta primeira coligação foi simultaneamente errada e desnecessária. Ela foi solicitada por Espanha, que negociou directamente com Portugal a entrada neste conflito, numa altura em que a própria França estava interessada na nossa neutralidade, posição que foi comunicada ao governo português pelo representante da República Francesa, António Darbault, que acabou expulso do país.

As tropas portuguesas combateram na região do Rossilhão (sul de França) e na Catalunha ao lado dos espanhois, mas a contenta rapidamente se tornou desfavorável para as nações pensinsulares, levando Espanha, na iminência da derrota, a negociar com França uma paz separada, que não nos incluía, o Tratado de Basileia de 1795, pela mão do poderoso ministro de Carlos IV, Manuel Godoy, que na sequência deste tratado ganhou o título de “Príncipe da Paz” .

As tropas portuguesas ficaram nesta situação ingrata. Encontravam-se estacionadas na Catalunha, sem os aliados Espanhois e, de facto, ainda em estado de guerra com a poderosa França. Conseguiram embarcar em condições dificeis e regressaram a Portugal com o sabor amargo de ter participado numa guerra onde só tíveram a perder.

O Príncipe regente, futuro D. João VI, teve pela primeira vez o dilema que haveria de o conduzir, em 1807, ao Brasil. Não se podia aliar a Espanha e França porque nós dependíamos do Reino Unido para navegar até ao Brasil, e a força naval britânica dominava então os mares de então.

Neste contexto, esperava-se uma invasão iminente das tropas franco-espanholas que não se veio a verificar até 1801, quando em França já pontificava o primeiro-Consul, Bonaparte. Nesse ano foi acordada uma invasão por parte das tropas Espanholas, mas em nome da coligação com a França, liderada pelo próprio Manuel Godoy. A invasão teve lugar pela fronteira do Alentejo, com a tomada de várias vilas alentejanas como Olivença, Juromenha, Campomaior, Castelo de Vide, Barbacena, Ouguela, etc.

Esta curta guerra não foi menos “fantástica” do que a de 1762, até porque não houve resistência alguma das tropas portuguesas, com honrosas excepções como é o caso de Campomaior. Ficou conhecida como a Guerra das Laranjas, porque o comandante militar da expedição, o tal Manuel Godoy, Príncipe da Paz, no regresso a Espanha colheu um ramo de laranjeira que ofertou à raínha de Espanha, Maria Luiza, de quem seria presumidamente amante.

No entanto, fomos obrigados a assinar a paz, materializada no Tratado de Badajoz, onde se estipulava, para além das indeminizações que teríamos que pagar, que Espanha devolveria as praças-fortes tomadas no Alentejo, com a excepção de Olivença, que ficaria definitivamente na posse espanhola a título de conquista. Ficou ainda determinado que fecharíamos os nossos portos à frota britânica.

Quando Dom João VI, então Príncipe Regente, assinou este tratado sabia, à priori, que não o poderia cumprir, porque seria impossível fechar os nossos portos à nossa velha aliada, pelo que a perda de Olivença foi encarada como um mal menor. Diga-se, em abono da verdade, que Espanha cumpriu o tratado, o que é compreensível porque o mesmo era muito mais do seu interesse.

Este tratado tem sido muito criticado, mas na realidade foi um instrumento muito eficaz na manutenção da paz. Se tivermos presente que ele garantiu até 1807 que Portugal fosse poupado aos horrores da guerra, numa Europa em convulsão. Apenas deixou de cumprir os seus propósitos depois da derrota Francesa na batalha naval de Trafalgar (1805), onde a Inglaterra afirmou indiscutivelmente o seu poderio naval.

Perante esta evidência, Napoleão, então já Imperador dos Franceses, decreta o Bloqueio Continental, que no caso português não era mais do que obedecer o ponto 1 do Tratado de Badajoz de 1801, que nunca foi cumprido pelas autoridades portuguesas.

Em 1807 é assinado novo convénio entre França e Espanha, o tratado de Fontainebleu, que estabelecia a divisão de Portugal em três partes a ser dividida entre França, Espanha e o Reino (fantoche) da Etrúria. Para cumprir esse tratado da-se a invasão nesse mesmo ano, comandada por Junot, a que se seguiram outras duas, lideradas respectivamente por Soult e Massena, transformando-se a península no teatro de guerra central entre França e Inglaterra, e onde começa a ganhar prestígio Arthur Wellesley, futuro Duque de Wellington, general irlandês que seria o grande responsável pela queda definitiva de Napoleão em Waterloo (1815).

Com o (definitivo) exílio napoleónico em Santa Helena e a nova configuração política europeia saida da Convenção de Viena, é reconhecida a posse portuguesa de Olivença, ratificada inclusivamente por Espanha. No entanto, esses anos foram conturbados em Portugal, levando a uma desvalorização total da questão de Olivença.

Em 1817 foi a revolta falhada, que custou a vida, entre outros, ao General Gomes Freire de Andrade, enforcado no forte de São Julião da Barra, onde há dias esteve a Chanceler alemã, de visita a Portugal.

Em 1820 da-se a revolução liberal, que culmina com a constituição de 1822, no mesmo ano em que perdemos o Brasil. Em 1823, já com D. João VI em Portugal, dá-se a Vilafrancada, que acaba com o regime constitucional Português. No ano seguinte o mesmo Infante Dom Miguel que liderou o golpe de 1823, levanta-se contra o pai para tentar o regresso ao regime absoluto. Em 1826 morre o Rei e coloca-se o problema da sucessão, que culmina com a Guerra Civil de 1832-1834.

Finda a guerra civil vem à tona a cisão entre os liberais radicais e moderados, com os primeiros a defender a Constituição de Vinte e Dois (muito radical) e os segundos a Carta Constitucional outorgada por D. Pedro IV (mais moderada), fonte de revoltas e contra-revoltas. Em 1836, ainda o regime liberal, pela mão dos liberais, estava a dar os primeiros passos, e dá-se a Revoluçãom de Setembro. Em 1838 aprova-se uma nova constituição que servia ambas as partes, mas quatro anos depois, no Porto, o ministro da Justiça e ex-radical, Costa Cabral, repõe a Carta.

Tenta-se reformar o Estado, mas o povo levanta-se contra as novas medidas, como a sepultura em cemitérios, e dá-se a Maria da Fonte (1842), seguida da Patuleia, que culmina com a intervenção estrangeira.

O país só respirou alguma tranquilidade depois do Golpe da Regeneração de 1851 no Porto, que abriu caminho para a política de progressos materiais que Fontes Pereira de Melo seria o mais importante executor.

Enquanto estivemos, ao longo de mais de trinta anos, nesta luta fratricida, Espanha levou a cabo um dos processos de aculturação mais bem-sucedidos da história da humanidade. Em Olivença as autoridades espanholas empreenderam uma política consciente e concertada envolvendo aspectos línguísticos e culturais, como o ensino exclusivo do Castelhano, que a tornaram espanhola ainda no século XIX. Hoje em dia, se em sede de referendo, se perguntasse a um oliventino se queria ser português ou espanhol a resposta seria, esmagadoramente, pró-espanhola. Isto sucede porque os espanhois souberam torná-la uma vila espanhola, perante a passividade das autoridades portuguesas. Os povos não se caracterizam apenas pelo seu território, senão hoje não existiriam, por exemplo, Israel ou a Polónia. O que vincula o povo a uma comunidade são sobretudo os afectos e nesse campo perdemos em toda a linha para Espanha na questão oliventina.

Olivença é Olivenza e nunca mais será Olivença

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publicado por Rui Romão às 15:39
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Sexta-feira, 9 de Novembro de 2012

Gil Vicente - Uma Vítima da Contra-Reforma

 

Não raras vezes destilo nestas linhas a minha tristeza pelo obscurantismo a que foram votados grandes vultos da história de Portugal. Não é preciso ir muito longe em termos cronológicos, basta perguntar ao cidadão médio uma pergunta tão simples como quem foi o último Rei de Portugal - que foi uma pessoa notável e que é contemporâneo de muitos portugueses ainda vivos – quanto mais perguntar por pessoas ilustres em séculos anteriores

Gil Vicente, felizmente, é uma excepção á regra. A sua obra é hoje conhecida por jovens e menos jovens, e o seu legado é reconhecido. A “culpa” para tal notoriedade está na sua permanência nos programas escolares, onde os seus autos são objectos de análise, merecendo especial destaque o “Auto da Barca do Inferno”, onde a figura do parvo, ingénuo e inconsciente dos seus actos, acaba por ser o único absolvido à luz da justiça divina.

Gil Vicente cometeu a proeza de nos deixar obras importantíssimas na cultura portuguesa em dois campos absolutamente distintos – o teatro e a ourivesaria – embora ainda hoje não se possa afiançar, com total certeza, que a famosa custódia de Belém, um dos ex libris do Museu de Arte Antiga, seja da sua autoria, embora existam indícios fortíssimos de que seja obra da lavra do grande dramaturgo. Curiosamente, esta peça em ouro maciço chegou aos nossos dias por mero acaso. Ela estava na casa da moeda para ser fundida quando o Rei Dom Fernando II, marido de D. Maria II, reconheceu o seu valor artístico e a salvou de um fim anunciado. Bastava este gesto para justificar o seu epíteto de “Rei Artista”, embora o seu legado seja muito mais vasto, na preservação e edificação do nosso património histórico.

Não vou falar propriamente da biografia de Gil Vicente nem sequer das suas obras que chegaram até aos nossos dias. Vou relatar um evento da maior importância que está relacionado com um auto que, infelizmente, se perdeu. Sabemos o seu nome e o próprio tema que foi retratado, mas a peça em si desapareceu misteriosamente (ou talvez não). Arrisco-me a dizer que terá sido uma das mais bem-sucedidas missões da inquisição, que moveu uma guerra sem quartel a tudo o que pudesse ter o mais pequeno lampejo herético. O auto chamava-se “Jubileu de Amores” e foi representado em Bruxelas em 1531 diante do Imperador Carlos V e do Cardeal, emissário do Papa, que o acompanhava. A presença do Imperador e do representante do Papa na então Flandres, deveu-se a uma missão diplomática junto dos Estados Alemães, que estavam a ser “contaminados” pela reforma luterana. Lutero era então já reconhecido como um autêntico messias, que se encontrava numa cruzada contra a degeneração da Igreja de Roma, concitando uma ampla adesão às suas ideias, contribuindo decisivamente para a conversão dos principados alemães ao espírito da Reforma. Este movimento assustou a Santa Sé e teve o apoio do homem mais poderoso da Europa, o grande Imperador Carlos V, casado com a Infanta D. Isabel, filha de D. Manuel, que se constituiu como o autêntico apóstolo do Papa. Foi uma batalha perdida para Roma e também para o próprio Imperador, que depois de uma vida inteira em pé de guerra, abdicou no seu irmão a soberania dos Estados Alemães e no seu filho (futuro Filipe I de Portugal) a coroa espanhola.

Embora não saibamos se Gil Vicente esteve ou não pessoalmente em Bruxelas nesse dia, temos a certeza de quase tudo o que se passou. Em 1531 nasceu um novo príncipe para a coroa portuguesa, D. Manuel, filho de D. João III. Sempre que nascia um novo rebento real, Gil Vicente era presença habitual na Corte para representar um auto. Naquela ocasião, aproveitando a presença de tão importante séquito, o embaixador português na Flandres, então o nosso principal entreposto de venda dos produtos que trazíamos da Índia pela Rota do Cabo, mandou representar o já citado auto “Jubileu de Amores” em Bruxelas. Este auto parodiava a Igreja com um dos mais fortes argumentos utilizados por Lutero – a venda das Indulgências. Esta venda de indulgências era uma importante fonte de riqueza do Papa, porque consistia no pagamento de avultadas quantias, por parte das pessoas poderosas, para remir os seus pecados terrenos. No fundo, a mensagem que se transmitia era que os ricos podiam pecar a vida toda e mesmo assim tinham garantido o reino dos céus, em troca da prodigalidade das suas oferendas. Este sistema foi julgado imoral, e esta perversidade foi denunciada por Lutero, constituindo a mot d’ordre dos reformistas. Nesta peça, uma das figuras era um cardeal, que perdoava os pecados em troca de dinheiro. Sucede que o não existia naquele dia nenhum barrete cardinalício que pudesse ser utilizado pelo actor, e o embaixador português pediu ao próprio cardeal que acompanhava Carlos V se o podia dispensar para o auto. Assim foi, e a peça a satirizar a Igreja de Roma contou com um “actor” que pode fazer as suas diatribes com um barrete cardinalício verdadeiro!

A sala quase que vinha a baixo com tanto riso e o eco desta actuação memorável correu a Europa inteira, muito por culpa de outro cardeal, Girolamo Aleandro, cuja missiva dirigida ao Papa, a denunciar aquela heresia que presenciara, se encontra nos arquivos do Vaticano, constituindo a principal fonte para relatar este acontecimento, sem a qual, provavelmente, não saberíamos hoje nada do sucedido.

Quem também não achou muita piada a este episódio foi a inquisição e o Rei D. João III, o que justifica que o auto não tenha chegado até nós.

D. João III baniu Gil Vicente da Corte, descendo o pano para as suas actuações palacianas. A última representação vicentina de que temos notícia teve lugar no Convento de Odivelas, por encomenda da Abadessa, e chamava-se o “Auto da Cananeia”, que é um dos mais belos autos de Gil Vicente, mas que curiosamente não tem tido o destaque que, na minha opinião, mereceria.

A inquisição poupou a vida a Gil Vicente mas decretou uma pena sui generis – proibiu o dramaturgo, imagine-se, de se rir! É caso para dizer que quem ri por último ri melhor, porque no local onde se situava o Palácio Inquisitorial, funciona hoje o principal teatro português – o D. Maria II – que no cimo da sua frontaria neoclássica ostenta uma estátua de Gil Vicente …

publicado por Rui Romão às 23:12
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