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Quinta-feira, 27 de Dezembro de 2012

O Enigmático Cristóvão Colombo

Na História da Humanidade, o protagonismo de Colombo só é superado por, imagine-se, Jesus Cristo. É uma figura incontornável, que abriu ao mundo um novo continente, que é hoje a América, mudando completamente o paradigma eurocêntrico, vigente até então.

O facto de ser muito discutido não o torna mais conhecido. Paradoxalmente, a sua biografia está repleta de omissões e contradições que não permitem chegar a uma conclusão aceitável, pelo menos de uma forma abrangente, na comunidade científica. Começando pelo próprio nome - Cólon ou Colombo? Não existem dúvidas quanto à existência de um Colombo genovês. Da mesma forma que ninguém contesta a presença na Península Ibérica de um Cólon. O problema é determinar se se trata da mesma pessoa ou não. Tem sido este o ponto de partida para as teorias mais ou menos especulativas sobre a sua naturalidade. Há muito que é aceite a tese genovesa, mas a sua nacionalidade também é reivindicada por franceses, espanhóis e, mais recentemente, por nós próprios portugueses.

Comecemos pela História mais aceite. Colombo era um tecelão genovês, filho de um cardador de lãs, que embarcou num navio genovês mas que foi atacado pelos corsários ao largo da costa portuguesa, conseguindo o pobre tecelão chegar a nado a Lisboa em 1476. Aqui, na cidade do conhecimento, autêntico Silicon Valley do século XV, onde gravitavam os principais especialistas de tudo o que diz respeito a navegações, este tecelão analfabeto, aprendeu português, astronomia, cartografia e geografia, sendo rapidamente admitido na corte de D. João II. Em 3 anos consegue inclusivamente obter permissão deste monarca para casar com uma fidalga portuguesa, Filipa Moniz Perestrelo, Comendadeira da Ordem de Santiago, e filha do capitão donatário da Ilha de Porto Santo, Bartolomeu Perestrelo.

Do estudo que efectuou, teve a brilhante ideia de propor a D. João II a navegação para ocidente, sabendo que o monarca acalentava o sonho de chegar à Índia por via marítima, para assim controlar o negócio das especiarias. Como o Príncipe Perfeito não aceitou o seu projecto, mudou-se em 1484 para Espanha, ano em que Bartolomeu Dias dobrou o Cabo da Boa Esperança, apresentando a mesma proposta aos Reis Católicos, que a patrocinaram. Assim, Cristóvão Colombo chega em 1492 às Antilhas, pensando que tinha chegado à Índia, território que foi reclamado imediatamente pela corte portuguesa e que, por conseguinte, obrigou a um novo acordo, firmado em 1494, que ficou conhecido por Tratado de Tordesilhas. Aceita-se também uma variante desta História, principalmente a partir de um documento que foi descoberto em 1904 por um coronel italiano, Hugo Asseretto, que nos indica que Colombo partiu de Génova para negociar Açúcar na Ilha da Madeira, sendo que, por essa via, estabelece-se em Lisboa.

Esta teoria do Colombo Genovês, humilde tecelão ou mercador, tem por base 3 documentos que o sustentam: A crónica de D. João II de Rui de Pina, que o menciona como genovês, o testamento - lido 72 anos após a sua morte - e o documento (só) encontrado por Asseretto em 1904 nos (muito) vasculhados arquivos de Génova.

Das 3 provas, apenas uma merece total credibilidade por parte dos investigadores. Rui de Pina é contemporâneo de Colombo e certamente o conheceu pessoalmente, pelo que é um obstáculo difícil de transpor do ponto de vista de atribuição de uma nacionalidade diferente da genovesa.

O testamento foi encontrado apenas 72 anos após a morte, com alguns erros de forma que levantam suspeitas de se tratar de uma falsificação. O principal é o facto de Colombo se dirigir ao filho e herdeiro dos Reis Católicos, que à data já tinha falecido. Por outro lado, o documento foi apresentado pelos genoveses que reclamavam a sua herança, pela mão de um falsário, anteriormente condenado por forjar documentos.

O documento Asseretto foi  apresentado em 1904 em Génova e também é contestado por se tratar de um documento que apenas foi encontrado no século XX nos arquivos de Génova, que serão, a seguir ao vaticano, os mais pesquisados do mundo. Porque motivo este documento não foi encontrado antes? Permanece a dúvida. Não será o documento uma arma do nacionalismo italiano, na ressaca da reunificação operada no último quartel do século XIX?

Independentemente dos documentos que sustentam a tese do Colombo genovês, existem factos que, no mínimo, tornam este caso bastante estranho. Segundo esta teoria, o plebeu Colombo (tecelão ou mercador, pouco importa) chega em 1476 a Lisboa, e logo em 1479 casa-se com uma fidalga portuguesa, da Ordem de Santiago, Filipa Moniz Perestrelo, filha do Capitão Donatário de Porto Santo (e um dos suposto descobridores do Arquipélago da Madeira) Bartolomeu Perestrelo, que carecia de permissão real para se casar. O mesmo plebeu tem logo acesso à corte do austero Dom João II. Não é muito crível que um plebeu, em tão pouco tempo, conseguisse tamanha ascensão social.

A teoria italiana também é rebatida por cronistas espanhóis que mencionam que Colombo (ou Colón) quando chegou à corte dos Reis católicos em 1484, informou-os que há 14 anos que tentava convencer o Rei D. João II a aceitar o projecto de chegar à Índia por ocidente. Ou seja, segundo esta tese, Colombo não chegou a Portugal em 1476, mas sim em 1470! De resto, esta ideia de Colombo não era propriamente original. Um italiano, mas este comprovadamente florentino, Paolo Toscanelli, já o tinha proposto a D. Afonso V, que não lhe deu grande importância. Na realidade, o “Africano”, apenas se preocupou com as conquistas norte-africanas e com a coroa de Castela. No seu reinado, a exploração da costa africana foi concedida a um mercador de nome Fernão Gomes, que não se poder considerar à altura do período henriquino que lhe antecedeu.

A somar a estes dados deduzidos do conhecimento da sociedade portuguesa de quinhentos, surgem novas pesquisas que não corroboram da tese da nacionalidade genovesa de Colombo. O corpo do Almirante, sepultado na Catedral de Sevilha, foi já no nosso século exumado, retirando-se amostras de ADN que foram analisadas nos EUA pela mesma equipa que esteve responsável pelos testes às vítimas do 11 de Setembro. Estas amostras de ADN foram comparadas com as das famílias que reclamam a sua descendência, nomeadamente genoveses, franceses e catalães, e o resultado das quase 500 amostras, foram todas negativas.

Por outro lado, foram analisados os textos que Colombo escreveu do seu punho, concluindo-se que não sabia falar (ou pelo menos escrever) em Italiano, e que o seu castelhano estava cheio de lusismos (ou na linguagem corrente, “portunhol”). Não deixa de ser estranho que um genovês não fale a sua própria língua, e que se exprima na língua da pátria de adopção de forma aportuguesada (e não italianizada). Infelizmente, não temos nenhum documento escrito por Colombo em Português.

O próprio sempre ocultou o seu passado. Poderá dizer-se que seria Judeu, o que seria um grande handicap, principalmente na Corte dos Reis católicos (os mesmos que obrigaram D. Manuel a expulsar os judeus de Portugal, caso quisesse casar com a sua filha Isabel), ou que queria esconder as suas origens humildes, quando já estava cheio de prestígio, depois da sua viagem de 1492/93. Não é pouco conhecida a tese de que seria um agente secreto de D. João II, que sabia perfeitamente que não tinha chegado à Índia, que tinha feito esta viagem com o intuito de afastar os castelhanos da rota do Cabo, a única que podia garantir a chegada por via marítima à Índia. É uma tese puramente especulativa, como especulativa é a tese do Colombo português. Não existe nenhum documento que nos diga que Colombo seria filho bastardo do Duque de Beja, Dom Fernando, filho de Dom Duarte adoptado pelo Infante Dom Henrique, e de Isabel Gonçalves Zarco. É uma teoria sedutora. Neste caso, seria irmão do Rei Dom Manuel I, e da Rainha Dona Leonor (criadora das Misericórdias) e primo e cunhado de D. João II e sobrinho de D. Afonso V.

Esta tese tem uma contrariedade, que na minha óptica é insuperável. Se Colombo fosse filho do Duque de Beja era um grande Fidalgo e jamais nenhum grande fidalgo enveredou pelas conquistas marítimas. Ir para uma viagem deste tipo significava passar por privações terríveis, desde fome, frio e o risco da própria vida, o que seria impensável para um fidalgo, mesmo por via bastarda. Os grandes descobridores, como Vasco da Gama, são geralmente escudeiros ou filhos segundos (no caso de Vasco da Gama ambas as situações), que viam nesta empresa a possibilidade de ascensão social. Não me parece verosímil que alguém tão fidalgo fosse embarcar nesta aventura.

Não tenho uma tese para defender, por muito que isso possa chatear os meus compatriotas. Acho que a tese genovesa e espanhola são frágeis, mas também não encontro sustentação para a portuguesa. O facto de Colombo ter atribuído nomes de terras alentejanas às ilhas das Antilhas, por si só não justifica nada.

Se calhar, o ideal é mesmo não atribuírem uma naturalidade ao Almirante. Colombo não tem nacionalidade, é um cidadão do mundo.      

publicado por Rui Romão às 08:39
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Sábado, 22 de Dezembro de 2012

Tordesilhas - O Tratado que Mudou o Mundo

Em 1494 o rei português D. João II celebrou com a coroa castelhano-aragonesa, representada pelos reis católicos, um dos mais importantes tratados da história da Humanidade. Foi aquele tratado que determinou que os portugueses tivessem o domínio da Rota do Cabo, que nos permitiria uma grande abastança na primeira metade do século XVI. Foi também este tratado que levou ao estabelecimento das nossas possessões africanas, na maior parte entrepostos de escravos e pontos de escala para fazer aguada nas viagens até à Índia. Ou que o Brasil fosse uma terra onde ainda hoje se falasse o português. Do lado Espanhol, também permitiu a colonização americana, embora tivessem que suportar a concorrência francesa e principalmente inglesa a partir da centúria seguinte.

O tratado de Tordesilhas não foi o primeiro tratado a estabelecer zonas de influência entre portugueses e castelhanos. Em 1479, na vila Alentejana das Alcáçovas, foi assinado um tratado que ficaria conhecido do lado português com o nome do local onde foi firmado (em Espanha seria ratificado em Toledo, sendo conhecido por este nome), onde se pôs fim ao conflito luso-castelhano na sequência do episódio da Beltraneja. O Rei ainda era D. Afonso V, mas de facto quem já tinha as rédeas do governo do reino era o filho. O Príncipe Perfeito não deixou passar esta oportunidade para inscrever no convénio firmado com os reis católicos a definição de áreas de navegação exclusivas, contando com a anuência dos reis católicos, que viriam reconhecida a posse do arquipélago das Canária, resolvendo um diferendo que já vinha deste os tempos do nosso rei D. Afonso IV.

O tratado de Alcáçovas estabelecia uma linha entre as zonas de exploração marítima, numa lógica de mar clausum tão do agrado das monarquias ibéricas. Determinou-se que a zona portuguesa ficaria a sul do paralelo que passa abaixo das Ilhas Canárias, ficando a norte a zona exclusiva castelhana. Esta latitude garantia aos portugueses a possibilidade de chegar à Índia via rota do Cabo, principal desígnio de D. João II, embora não seja possível determinar quando é que começou a surgir este projecto na mente do monarca, não fosse o sigilo a sua imagem de marca.

Este tratado foi alterado na sequência da chegada de Colombo ao continente americano em 1492. Colombo, que vivia em Portugal, tinha proposto a D. João II chegar à Índia navegando para Oeste. A lógica era sustentada. Se a terra era redonda e se a Índia ficava a Oriente, é indiferente navegar para leste ou para Oeste. D. João II sempre desconfiou desse plano – porque sabia muito mais do que Colombo – e não patrocinou este projecto. Foi então que o navegador foi à corte dos Reis Católicos, onde obteve apoio para tentar chegar às tão cobiçadas especiarias.

Colombo chega às Antilhas e contacta com os nativos. Como tinham pele escura mas não eram de raça negra, chega à brilhante conclusão que só poderia ter chegado à Índia! Por esse motivo ainda hoje chamamos Índios aos indígenas americanos! Colombo regressa entusiasmado, mas não foi dar a novidade aos reis católicos, mas sim a D. João II. É neste facto que assenta a teoria de que este seria um agente secreto ao serviço do rei português, que apenas tinha feito esta viagem para distrair os castelhanos e assim poder levar a cabo o seu plano das Índias.

D. João II não ficou muito impressionado. Portugal era na altura o país mais avançado do mundo ao nível da cartografia e de navegações marítimas, não sendo de estranhar que por esse motivo todos os aventureiros, como Colombo, se sentissem atraídos pela corte portuguesa. O Príncipe Perfeito disse imediatamente a Colombo, com base nos cálculos dos matemáticos portugueses, que o local onde o futuro Almirante dos Mares da Índia (!) tinha chegado era um território que, ao abrigo do Tratado de Alcáçovas-Toledo, era uma zona de navegação exclusiva de Portugal. D. João II sabia perfeitamente que Colombo não tinha chegado à Índia, cujo plano seria do conhecimento do Colombo. Está provado que D. João II e Bartolomeu Dias se reuniram com Colombo, na sequência da dobragem do Cabo da Boa Esperança, encontro que teria tido lugar, segundo uma teoria, em Carnide (Lisboa).

Este facto obrigou a uma revisão do antigo tratado de 1479, assinando-se um novo que garantia ao mesmo tempo a possibilidade de levar a cabo os planos de D. João II de chegar à Índia e a posse desse novo território, que viria a ser a América, para Castela. Esse tratado foi assinado em 1494, tendo como diplomata, do lado português, Rui de Sousa, autor desta obra-prima que marcou para sempre a humanidade.

O novo tratado substituía o anterior, determinando que a linha de navegação exclusiva deixaria de ser estabelecida pelo paralelo a sul das Canárias, mas por um meridiano (linha longitudinal) que passava a 370 léguas a oeste da Ilha de Santo Antão (Cabo Verde). Este novo mapa garantia para Portugal a posse de uma grande parte do que é hoje o território do Brasil. Teria D. João II conhecimento da existência daquele território? A dúvida subsiste, no entanto é normal que a coroa portuguesa tentasse garantir a navegação a oeste tão distante quanto possível da costa, porque sabia-se que para dobrar o Cabo da Boa Esperança os navios teriam que se desviar muito da costa Africana, para apanharem os ventos favoráveis que permitiam chegar ao Oceano Índico. Como tal, é compreensível que D. João II tenha ido tão longe quanto possível na determinação do Meridiano.

A linha do Tratado de Tordesilhas foi alterada mais tarde, motivado pela posse das Molucas – onde os portugueses chegaram faz precisamente 500 anos (1512) – mas que ambas as coroas reclamavam para si. O tratado foi contudo respeitado por ambas as partes, o que é notável dada a rivalidade existente. O problema foi que o mar não era fechado e a concorrência de Ingleses e Franceses a oeste (lado Castelhano) e de Holandeses a Oriente (lado português) causariam o declínio das nações ibéricas como senhoras dos mares. A linha do Brasil não foi respeitada, mas por um motivo diferente. Na vigência da União Ibérica, de 1580 a 1640, os portugueses lançaram-se na exploração do sertão brasileiro, ficando conhecidos como os “Bandeirantes”. Não fosse a união ibérica, e as fronteiras do Brasil seriam consideravelmente diferentes, em prejuízo da enorme extensão do potentado sul-americano. 

E como é que Colombo, o tal filho de um tecelão genovês, consegue frequentar a corte do austero D. João II, casando-se com uma fidalga da Ordem de Santiago - filha do grande Bartolomeu Perestrelo, “descobridor” da Madeira - e chega a Almirante dos Mares da India? Trata-se de um terreno pantanoso, sobre o qual me debruçarei no próximo post.

       

 

publicado por Rui Romão às 16:32
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Segunda-feira, 17 de Dezembro de 2012

Inês

 

Inês de Castro foi executada em 7 de Janeiro de 1355. D. Dinis morre em 7 de Janeiro de 1325, i.e. exactamente 30 anos antes. Estes dois episódios podiam parecer uma mera coincidência, mas se juntarmos outros factos ganha força a intencionalidade da data. Inês de castro não foi assassinada - no sentido de delito comum – mas sim executada na sequência de uma pena decretada pelas instituições vigentes à época: o Rei D. Afonso, o meirinho-Mor Álvaro Gonçalves (uma espécie de ministro da Justiça) e os seus conselheiros Diogo Lopes Pacheco e Pero Coelho. Ou seja, a pena foi decretada e executada numa data escolhida pelo Rei. Porque motivo D. Afonso IV escolheu esta data? Certamente não a ignorara. Creio que foi uma vingança relativamente a seu pai e a seu irmão bastardo. Relembremos que D. Afonso IV moveu uma guerra ao seu pai porque entendia que este ao nomear Afonso Sanches, seu meio-irmão, mordomo-mor (primeiro ministro, na designação actual) estava a entregar-lhe o poder e a facilitar o seu caminho para lhe suceder no trono, em detrimento de D. Afonso IV, que era o único filho legítimo. Esta guerra acabou com a vitória de D. Afonso IV, mantendo-se Dom Dinis no poder até à morte mas numa função quase simbólica. E Inês, porquê? Inês de Castro foi criada em Albuquerque (Castela), precisamente no local onde se fixou Afonso Sanches após a guerra entre seu pai e meio-irmão. Em Albuquerque ele e a sua mulher Dª. Teresa Sanches foram uma espécie de pais adoptivos desta fidalga (por via de 2 bastardias). Foi em Albuquerque que Inês de Castro se fixou, por exemplo, quando D. Afonso IV a expulsou na sequência da visibilidade dos seus amores com Pedro. O problema não era o Infante ter amantes (todos as devem ter tido) mas geralmente eram de condição maia baixa. Com a morte da Rainha Dona Constança, Pedro mandou regressar Inês, vivendo com ela primeiro no Paço de Moledo e mais tarde num anexo do Convento de Santa Clara, local onde os executores a degolaram. Para esta teoria contribui outro facto. Em Castela da-se um levantamento contra o Rei Pedro “o Cruel” onde estão envolvidos vários fidalgos castelhanos, entre os quais os irmãos de Inês de Castro, os filhos bastardos do rei Afonso XI (que dariam lugar á dinastia de Trâstamara), e o filho de Afonso Sanches, o célebre João Manuel “do Ataúde” (ataúde era um caixão, e as teorias para este epíteto são muitas e pouco convincentes). Através de Inês de Castro, os irmãos Castro (este apelido parece destinado ao plural) tentaram seduzir o Príncipe Português para o seu partido, e este, ingenuamente, sentiu-se tentado a aderir, confiando que lhe entregariam a coroa de Castela de mão-beijada. Bem sizudo foi D. Afonso IV em não querer meter-se num assunto que nunca traria nada de bom para Portugal. Só nos meteria numa guerra sem proveito, como faria o neto de Afonso IV, Dom Fernando. Nesse sentido, Dom Afonso IV, não hesitou. O melhor, do ponto de vista pragmático, era matar o Príncipe. Mas como era seu filho e único sucessor, a única forma era matar Inês de Castro, castigando ao mesmo tempo o seu irmão bastardo, o seu sobrinho (cabecilha da revolta) e o seu pai, Dom Dinis. É errado dizer que foi por o Príncipe querer casar com Inês que o Rei a mandou executar. Várias fontes da época, como Fernão Lopes, Rui de Pina e o próprio Diogo Lopes Pacheco (um dos executores de Inês), referem-no, que o Rei D. Afonso IV questionara o filho se ele casou ou fazia tenção de o fazer, para que se pudesse dar o tratamento devido a Inês de Castro. O Príncipe sempre negou que tinha casado e disse-o que nunca o faria. Apenas 3 anos após subir ao trono é que o afirmou solenemente em Cantanhede e em Coimbra. Mas nem se lembra do dia nem da data, nem sequer o Bispo que supostamente os casou em Bragança – D. Gil. Apenas um seu privado, Estevão Lobato, avançou com uma data, imagine-se, o 1º de Janeiro. Como seria possível, caso se tivessem efectivamente casado, esquecer esta data, e ainda por cima numa data tão facil de memorizar. E porque motivo apenas o afirma 3 anos após ser Rei? A teoria do medo da reacção de D. Afonso IV não convence, porque este já não estava no mundo dos vivos. A questão do beija-mão e da coroação após a morte é mais uma lenda. Como é que se poderia coroar uma mulher a quem tinham arrancado a cabeça com um machado? E colocavam-na num trono sem a cabeça para lhe beijarem a mão? Nenhuma fonte da época o refere, nem sequer Camões. Acredita-se, por acaso, se este episódio fosse conhecido à época de Camões, que este perderia o ensejo para o colocar nos “Lusíadas”, onde dá grande destaque ao episódio? Mais uma lenda criada pelos autores românticos do século XVIII. Para concluir e em súmula, creio que o episódio de Inês de Castro foi uma vingança de D. Afonso IV relativamente ao seu pai e seu irmão bastardo, motivada por um cenário real de perigo para Portugal. Com a morte de Inês de castro D. Afonso IV conseguia atingir 2 objectivos: Vingança de quem o tentou afastar do trono (na sua perspectiva, claro) e paz no Reino. Não esperava talvez a reação do infante, que tentou assenhoriar-se do Porto (não seria o últimoRei com este nome a fazê-lo num contexto de guerra civil) Dom Pedro fixa-se em Canavezes onde selou a paz com o pai, na presença do Arcebispom de Braga. Não cumpriu com as disposições que jurou sobre os evangelhos, pelo menos no tocante à amenistia dos executores de Inês. Quando o Rei. Dom Afonso IV já agonizava os executores, desconfiados das intenções do Infante, fugiram para Castela, pensando que lá estariam em segurança. Enganaram-se. Numa troca de prisioneiros com o seu sobrinho, também Pedro e também cruel, Alvaro Gonçalves e Pero Coelho foram entregues à sua justiça, mandando-lhe arrancar o coração ainda vivos. Um pelas costas e outro pelo peito. Lopes Pacheco, por sorte e pela ajuda de um pastor – assim nos conta Fernão Lopes - conseguiu fugir para Aragão voltando mais tarde ao Reino por amenistia do Rei. Ao revisitar o tema da morte de Inês de Castro estou a entrar em contradição com aquilo que penso que foi a importância deste episódio na nossa História: nenhuma. Pode-se questionar esta teoria com base na reacção violenta do Príncipe, nos túmulos reais - talvez mais belos que tivemos em toda a nossa História - mas em termos daquilo que foi a nossa trajectória como povo, este episódio está claramente inflacionado. Contudo, este drama, em grande parte impulsionado por Camões e pelos literatos românticos, continua a fascinar-nos e eu não fico imune ao seu poder sedutor. Acontece que à medida que o tempo vai passando, vou lendo mais sobre o assunto e reflectindo sobre o emaranhado de factos que originaram este episódio, e creio que neste momento cheguei uma teoria definitiva (para mim, claro) sobre a morte de Inês de Castro.

publicado por Rui Romão às 09:49
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Sexta-feira, 14 de Dezembro de 2012

Cultura - Uma Arma de Poder

Quando era estudante de faculdade aprendi a célebre pirâmide de Maslow. Com todas as limitações que se podem apontar à representação esquemática das necessidades do indivíduo, que iam desde as mais básicas (fisiológicas) até às mais elaboradas (como a autoestima), trata-se de um instrumento útil para avaliar a forma como os indivíduos se projectam na sociedade em que vivem e no seu fim último. Lembrei-me desta pirâmide quando reflectia sobre a função da arte na sociedade. Será um capricho, apenas relevante quando as outras necessidades básicas dos indivíduos estão razoavelmente satisfeitas? Ou será o reflexo do tempo em que se vive, inexorável como o reflexo de um espelho, surgindo com uma função utilitária, sem a qual aquela sociedade não seria a mesma?

Não sei responder à partida. Vejamos como se desenvolveu a arte e o estilo em Portugal. Neste particular a arquitectura é um bom barómetro porque resiste melhor à passagem do tempo. No território que corresponde actualmente a Portugal temos ainda vestígios dos castros pré-romanos. Tratava-se de pequenas fortificações no cume dos outeiros, com uma função de defesa. Foi a primeira forma de sedentarização dos povos peninsulares, sendo esta civilização que os romanos encontraram quando aqui chegaram. A Romanização foi um processo rápido e com bastantes vestígios nomeadamente em pontes (muitas ainda em uso), estradas e templos. Citamos exemplos conhecidos por todos como o Templo de Évora (chamado erroneamente de “Diana”), Conimbriga ou os trechos de estrada romana. Os colonizadores, ao contrário do que se possa pensar, eram pouco numerosos. A sua força criadora estava na sua superioridade civilizacional, que levou à imitação por parte das populações autóctones. A arte romana acaba por ser uma cópia daquela que era realizada na capital do império, e que os romanos beberam na Grécia Antiga, que conquistaram quando as suas cidades-Estado se encontravam já num processo de decadência.

Com a queda de Roma, os novos invasores não deixaram nada que se possa registar. Alanos, Suevos e Vândalos, foram mais assertivos na destruição do que no inverso, principalmente estes últimos que deixaram a sua marca até no léxico português, associado a actos de violência.

Findo este período mais conturbado foi a vez da chegada de uma população superior, que rapidamente conquistou a península – os Visigodos. Era um povo cristão e como tal construíram alguns templos religiosos na península. O único que conheço que ainda hoje se encontra em pé (pelo menos há uns anos muito arruinado) fica na proximidade da Nazaré.

Foi precisamente na Nazaré, segundo reza a lenda, que em 711 embarcou o Rei Rodrigo, último monarca Visigodo, a caminho de uma ilha fantasios- a Atlântida - onde se estabeleceu após a invasão dos berberes norte-africanos. Diz-nos ainda a lenda que ele levava uma imagem de nossa senhora esculpida pelo próprio São José, que deixou na falésia antes de embarcar. Os milagres situam-se no domínio metafísico, pelo que acredita que acredita e não acredita quem não acredita, passe a redundância. Agora a invasão “moura” é um facto documentado. Teve lugar em 711, depois de baterem os cristãos na batalha de Guadalete.

Se há pouco referi que a arquitectura é uma boa forma de analisarmos a cultura artística de cada tempo, este raciocínio não se aplica ao período que mais tarde se definiu como “Reconquista Cristã”. Tal deve-se ao facto de não nos terem ficado muitos monumentos deste período de reconquista. Os povos islãmicos, na sua maioria oriundos de tribos norte-africanas, construíam as suas casas em materiais pouco duráveis como o adobe, não resistindo por esse motivo à passagem dos séculos. Do seu legado arquitectónico releva-se a cerca moura de Lisboa, que pela sua função militar tinha que ser construída num material resistente. Mas se a presença em monumentos é pouco visível, o seu legado na cultura portuguesa é enorme. São centenas as palavras de origem árabe, e a própria matriz cultural portuguesa é muito tributária da sua presença, principalmente a sul onde o povoamento foi mais intenso. Hoje em dia conseguimos perfeitamente identificar este substrato cultural na oposição entre um norte de raíz marcadamente celta/visigótico e um sul de feição bebere.

Os “mouros” conquistaram a península rapidamente, mantendo-se uma pequena bolsa de resistência no norte penínsular, mas propriamente nas Astúrias, onde foram acaudilhados por Pelágio, conseguindo partir para a reconquista, assinalando a primeira vitória na Batalha de Covadonga, 7 anos após a invasão mauritana.

É curioso verificar que os mouros conseguiram em escassos meses conquistar toda a península, ao passo que os cristãos demoraram mais de 700 anos a expulsá-los definitivamente (de 711 a 1492). Acho que sei a explicação, mas é assunto para desenvolver num post futuro.    

É contudo a partir deste pequeno núcleo cristão que se dá o processo de reconquista. Dura desde o século VIII ao século XV, embora no caso do território que actualmente é Portugal se circunscreva ao século XIII, após a reconquista das últimas praças algarvias por parte de Dom Afonso III.

O estilo arquitectónico do lado cristão ao longo deste período colheu o nome de período românico. Este estilo reflecte-se sobretudo em monumentos religiosos, porquanto que era na religião que se situava o causus beli. De um lado cristãos, de outro os seguidores de Maomé. Identifica-se facilmente um templo românico pela solidez das sua estrutura e pelo despojamento em termos de motivos decorativos. Compreende-se o motivo. As igrejas tinham funções espirituais mas também militares, não fossem baluartes onde se podiam refugiar os cristãos em caso de ataque. Acresce o facto de historicamente se construírem templos religiososo em sítio elevados, seja pelo sentimento de maior proximidade aos céus, seja pela vantagem militar que esse posicionamento conferia.

Em Portugal foi um estilo que predominou desde os tempos de Vímara Peres, que fundou um burgo a que actualmente se chama Guimarães, até aos primeiros reis de Portugal. Actualmente não é fácil identificar este estilo em monumentos como o Mosteiro de Alcobaça, obra-prima do românico português, porque intervenções posteriores, ao gosto de cada tempo, o descaracterizaram.

A arte neste período tinha uma função eminentemente pragmática. O despojamento, a solidez da estrutura, reflectia a necessidade real de defesa, em prejuízo do desenvolvimento de obras de arte refinadas.

Esta necessidade altera-se significativamente após o fim da reconquista e esta mudança estrutural traduz-se numa mudança de estilo. Em Portugal a reconquista termina com D. Afonso III, que veio para Portugal depois de o Papa o nomear regente do reino, substituindo o seu irmão, D. Sancho II, que tinha contra si quase todos os portugueses. D. Afonso III, que ficou conhecido pelo “Bolonhês”, por ser Conde de Bolonha, levava uma vida despreocupada na então já cosmopolita e avançada Paris, onde o estilo gótico, à semelhança de toda a Europa Central, já era dominante, chegando a um reino que ainda estava preso a um estilo tosco e pouco artístico como era o românico. Compreende-se esta especificidade ibérica. Na Europa central não existiam mouros para combater, e como tal o espírito guerreiro destes povos era dirigido para a Terra Santa, onde os Turcos eram uma ameaça constante, dando origem ao movimento das “Cruzadas”.

Depois de uma guerra civil, o “Bolonhês” inicia a sua regência em 1246 (o reinado em 1248, após a morte do irmão) dando início à monarquia gótica. Era uma monarquia que já tinha ultrapassado o processo de reconquista e que agora se virava para o desenvolvimento interno. Foi este o desígnio de Dom Dinis, filho de D. Afonso III, que o conseguiu com enorme êxito, traduzindo-se em obras como a construção da universidade, a defesa do português como língua oficial, a fixação de populações, a definição de fronteiras, o desenvolvimento económico, etc.

Este fomento dionisíaco não teve seguimento com os sucessores, de D. Afonso IV até D. Fernando. Foram períodos de instabilidade governativa interna e externa, que tiveram como consequência o fraco investimento em obras. Tudo o que hoje nos remete para o século XIV, até à crise de 1383/85 é, com grande probabilidade, obra de Dom Dinis. D. Afonso IV era um rei muito prudente (até ao nível do seu tesouro), não justificando de todo o epíteto de “O Bravo” que lhe deram. D. Pedro I estava mais preocupado com os seus arrebatamentos, seja do coração, seja de justiça dos povos (maioritariamente em casos menores) do que no fomento do reino. Para D. Fernando, não encontro melhor expressão do que a definição de Camões” um fraco rei faz fraca a forte gente”.

Assim sendo, chegamos à crise de 1383/85 com um enorme deserto em termos artístico. O estilo gótico cultivado por D. Afonso III e D. Dinis, sem continuação pelos sucessores, apenas foi revigorado pela necessidade de afirmação de uma monarquia nova, cujo exemplar mais importante foi o Mosteiro de Santa Maria da Vitória, na Batalha. Na pintura, destacam-se os painéis de São Vicente, que pela sua originalidade dificilmente se podem catalogar. Foi também com a dinastia de Avis que iniciámos a grande aventura dos descobrimentos, cujos louros foram colhidos por D. Manuel. No reinado do “Venturoso” surge o estilo artístico mais polémico da nossa história – o manuelino. Discute-se a sua natureza. Será um estilo próprio? Será um gótico tardio? O que é certo e indiscutível é que se trata de uma alegoria aos descobrimentos portugueses, na sequência da chegada à Índia e do descobrimento do Brasil, cuja originalidade ninguém coloca em questão. São inúmeros os exemplares deste estilo, como sejam o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém, bem como outros edifícios anteriores, cujas sucessivas intervenções obedeceram a este estilo, destacando-se a Janela do Convento de Cristo em Tomar. Mais uma vez, a arte teve uma função muito pragmática. Celebrar a glória portuguesa, cujo senhorio marítimo ninguém contestava, era o objectivo, embora talvez não tivesse existido um plano específico para criar esta especificidade. Porventura, pelo menos é a opinião que perfilho, terá sido mais o espírito do tempo a propiciar o nascimento do manuelino, como uma manifestação espontânea da conquista dos mares, do que um estilo criado no paço com objectivos políticos e diplomáticos. Tratando-se da velha questão do ovo e da galinha, podemos contudo afiançar que cumpriu com aquilo que o tempo exigia: assinalar o feito dos portugueses de quinhentos.

Estava ainda o manuelino em pleno vigor artístico e já a europa entrava no renascimento. Movimento lato, que abrange não só a arte mas também a ciência num intrincado religioso, ainda hoje muito controverso. Este movimento chega a Portugal de uma forma tardia, coincidindo com o reinado de D. João III. Será o monarca mais incoerente na sua obra. Foi por um lado um humanista e um rei de grande sensibilidade artística. Fundou o colégio das artes, para o qual contratou mestres estrangeiros, que não tiveram contudo tempo para deixar a sua marca, porque volvidos poucos anos da sua existência o colégio foi entregue aos jesuítas. O estabelecimento da inquisição e da real mesa censório foram espartilhos que ainda hoje marcam a idiossincrasia portuguesa. Este secretismo disfarçado, cujo exemplo mais claro é o segredo de justiça, deve muito ao espírito inquisitorial que ainda hoje subsiste. Somos expansivos por natureza, ou não fossemos latinos, mas para dizermos alguma coisa mais susceptível, tem que ser a coberto do anonimato. A mensagem chega a toda a gente, como se dita a viva voz, urbi et orbi, mas os intermediários branqueiam o emissor…

O renascimento acabou por ser um período profícuo na arte portuguesa não tanto pela arquitectura mas sobretudo pela pintura. Este ascendente da pintura justifica-se por 2 ordens de factores, uma de índole nacional e outra internacional:

Por um lado, o espírito de contra reforma viu na arte um instrumento poderoso. Como os protestantes aboliram adoração da representação de imagens sagradas, a Igreja de Roma investiu na arte sacra como forma de afirmação e de divulgação da sua mensagem, por oposição aos heréticos secessionistas, seguidores de Lutero.

Em Portugal a profusão de obras explica-se também por ser uma moeda de troca utilizada na nossa feitoria da Flandres. Como entreposto comercial, os nossos mercadores comerciavam as especiarias que vinham da Índia pela Rota do Cabo e o açúcar da Madeira e Brasil, recebendo como pagamento obras de arte, principalmente pintura. A escola flamenga era uma das mais prestigiadas ao nível da arte renascentista, a seguir à Italiana e Francesa, e depressa os flamengos aproveitaram a receptividade dos mercadores portugueses por receberem o pagamento em obras de arte. É disso exemplo a extensa colecção de arte que figura hoje no MNAA ou nos museus da Madeira. Naquele tempo parecia um bom negócio para os flamengos, trocar retratos (por vezes de artistas menores) pelos produtos mais cobiçados e caros da Europa: o açúcar e especiarias. No entanto, a longo-prazo, essa troca revelou-se bastante proveitosa para os portugueses.

O Renascimento caracteriza-se pela redescoberta do Homem na sua essência e especificidade. A valorização do ser humano vai beber inspiração à antiguidade greco-romana, caracterizando-se pela simetria das linhas, por oposição aos caos gótico, sinal das trevas à luz das ideias da época. Colunas jónicas ou dóricas, capiteis, encimados por frontões são a imagem de marca deste estilo, que com o tempo evoluiu para uma linha mais severa e despojada, o chamado maneirismo.

O maneirismo em Portugal corresponde, grosso modo, ao reinado dos 3 Filipes, sendo os exemplares mais conhecidos o Palácio de Vila Viçosa (mandado construir por Teodósio I) e o Mosteiro de São Vicente de Fora, curiosamente ambas as obras ligadas à Casa de Bragança. O Palácio onde residiram e a última morada após a Restauração.

Quando se dá a restauração já a Europa se fartara do simetrismo e da monotonia do maneirismo. Voltava-se à irregularidade, à assimetria  e ao excêntrico. Estávamos no Barroco.

Uma vez mais, este estilo chega tarde a Portugal, por culpa dos 28 anos de guerra com Espanha. Finda a guerra, a paz não trouxe a prosperidade que precisávamos. O Conde de Ericeira lutou com todas as suas forças pela industrialização do país, mas debalde. Parecia que não tínhamos condições para nos governarmos, caminhando inexoravelmente para a ruína, quando começam a surgir as primeiras pepitas de ouro do Brasil. Foi com a avalanche de ouro que se seguiu, que Dom João V empreendeu uma obra diplomática para restaurar o prestígio perdido. Recordemos que a Casa de Bragança continuava a ser malquista nas cortes europeias. Para todos os efeitos, tratava-se de um Duque que, apesar de ter jurado lealdade ao seu Rei e Senhor, se tinha rebelado, traindo o seu juramento. D. João V com os impostos sobre o ouro brasileiro (20%, o que é uma pechincha comparado com o que os 50% que pago actualmente) empreendeu um conjunto de obras, como o Palácio de Mafra o Aqueduto das Águas Livres ou os coches que enviou na Embaixada ao Papa, garantindo-lhe o título de “fidelíssimo” e o Patriarcado para Lisboa.

Os recursos durariam até Pombal, o estilo é que não resistiu à visão daquilo que devia ser o Estado para Sebastião José.

O futuro Marquês de Pombal chega ao poder quando já passava dos 50 anos, assumindo sozinho às redeas do país quando já tinha 56 no Portugal pós 1755. Até então, tinha tido duas missões diplomáticas: Viena e Londres. Ambas foram importantes para a sua visão política. De Viena trouxe o modelo de centralização do poder do Estado e de Londres o modelo económico baseado no comércio.

No zeitgeist da Europa da centúria de 700 ganhava fôlego a teoria do despotismo iluminado (das elites), uma espécie de antecâmara do iluminismo popular que eclodiu violentamente em 1789 com a Revolução Francesa. Pombal interpretou fielmente o espírito da época. Centralizou todo o poder em si, governando em nome do monarca, submetendo todos os outros poderes à coroa, inclusivamente o poder clero. É por este motivo que se pode falar de um estilo pombalino, onde a ordem e simetria imperam, por oposição à assimetria barroca. A Baixa Pombalina reflecte esta visão, onde todos os edifícios têm o mesmo tamanho, obedecendo a um plano de construção pré-determinado, não admitindo excepções. As próprias igrejas tinham que se submeter à vontade do Marquês, não podendo ultrassar em altura os restantes edifícios.

Pode-se discutir se o estilo pombalino é em si mesmo um estilo ou uma variante do neo-classicismo, corrente que melhor interpreta o espírito iluminista. Não temos, contudo, pontos de comparação, porque depois da queda de Pombal, Portugal entra numa acelerada ruína, com reflexo ao nível cultural. De D. Maria I ficou-nos apenas a Basílica da Estrela e a Igreja da Memória, ambos exemplares neo-clássicos. É no reinado de “A Piedosa” que eclode a Revolução Francesa e as guerras napoleónicas, que no caso português culmina com a partida da corte para o Brasil. Segue-se a Guerra Civil e temos que esperar até 1851 para entramos novamente no jogo do progresso. Perdemos mais de meio século em convulsões externas e internas, entrando tarde na revolução industrial, que haveria de marcar todo o século XIX. O desenvolvimento da maquinaria a vapor altera profundamente a sociedade, criando um movimento migratório massivo com destino às grandes cidades industriais e criando uma nova subclasse – o proletariado. Se podemos situar neste período as lutas sociais dos trabalhadores, à mercê da exploração dos capitalistas, não deixa de ser verdade que houve um grande aumento de riqueza, ainda que iniquamente distribuída. Aumentaram também os tempos livres, porque as máquinas produziam muito mais rapidamente do que os homens, e as elites puderam usufruir deste progresso. Esta avalanche de recursos e o tempo livre criado produzem uma ociosidade que explica o nascimento do romantismo. É no remanso deste desafogo económico e espiritual, provocado pela Revolução Industrial, que nasce uma burguesia literata que dá vida ao romantismo. Este movimento é transversal a todas as formas de arte, deste a literatura, passando pela pintura, arquitectura, música e teatro, e caracteriza-se pela exaltação dos sentimentos para ocupar os tempos livres, num registo que contrastasse com a monotonia do dia-a-dia burguês. Na arquitectura aparece o neo-manuelino, o neo-árabe, tudo revivalismos. Exemplos também não faltam: Palácio da Pena, Regaleira, Buçaco, Estação do Rossio, etc. Na literatura destaca-se Garrett, Herculano, Castilho e Camilo. A música foi sempre um calcanhar de aquiles, mas na Europa surgiam as grandes sinfonias de Beethoven. Na pintura temos Malhoa, Columbano e Carlos Reis É este movimento que chega à primeira guerra mundial. Evidentemente que a oposição ao romantismo é muito anterior. Eça, Antero, Batalha Reis no campo da literatura foram acérrimos detractores do romantismo, defendendo que a arte devia estar ao serviço do povo, explorando a realidade efectiva do país em lugar de se deixar anestesiar por fantasias estereis.

Nesta oposição nasce o movimento naturalismo ou realista, que encerra em si mesmo uma crítica aos excessos do capitalismo selvagem do século XIX. Foi este capitalismo desbragado, associado ao drama da guerra de 1914-18, originou o nazismo, o fascismo e o comunismo, qualquer dos três sistemas responsáveis por milhões de mortes.

No século XX entramos num período mais difuso. Surgem os movimentos modernistas, que se sub-compõem em movimentos dificeis de catalogar. É neste movimento que podemos incluir nomes tão diferentes como Picasso (cubistas), Dali (surrealista) ou Fernando Pessoa (futurista), faltando ainda hoje, na minha opinião, um refinamento nos termos.

A especificidade da ditadura portuguesa fez ainda nascer no século XX o movimento neo-realista, associado à contestação do regime de Salazar, e que teve nomes tão notáveis como Alves Redol ou Aquilino Ribeiro.

Este post foi muito mais longo do que inicialmente estava na minha mente, mesmo com assinalável e abusiva síntese, mas serve para reflectir sobre a questão incial. Será a cultura um instrumento ou um reflexo da sociedade. Eu acho que acaba por ser ambos. Os movimentos só nascem quando os tempos estão maduros para os receber. Ao contrário do que muitas vezes se escreve, um estilo não nasce porque o autor x fez a obra y. Até pode ser esse o momento utilizado a posteriori em termos cronológicos, mas ninguém consegue individualmente ou em grupo criar ou impôr um estilo. Se vinga deve-se à função utilitária naquele tempo, caso contrário esfuma-se. Não duvido que os grandes génios são aqueles que conseguem interpretar os tempos em que vivem e traduzir isso no seu trabalho. É por este motivo que grandes vultos como Van Gogh ou Pessoa só tiveram sucesso muito depois da sua morte. Estavam à frente do seu tempo, logo tiveram que esperar (ou a sua obra) pelo momento certo.

Por outro lado, a cultura também é uma arma poderosa. Vejamos hoje o predomínio dos EUA à escala global. Seria possível sem o seu poder cultural?, Nos regimes ditaturiais o controlo da produção cultural e artística é praticamente condição sine qua non para a sua existência. A censura é a melhor prova de que a cultura é uma arma, quiça a mais poderosa, de poder. D. João I, D. João V, Pombal e Salazar foram exímios nesta arte e conseguiram a sua longevidade no poder em grande parte graças à argúcia como a manejaram.

publicado por Rui Romão às 07:49
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Sábado, 1 de Dezembro de 2012

1º Dezembro - O Último?

Há dois meses escrevi um post com o mesmo título mas alusivo ao 5 de Outubro, para assinalar o último ano em que estes feriados são celebrados. Foram suprimidos temporariamente, em conjunto com 2 feriados religiosos, num esforço de aumento da produtividade nacional. Tenho imensas reservas quanto à eficácia da medida por uma questão de base. Entendo que a produtividade não se mede pelo número de horas de trabalho mas pelo valor acrescentado que conseguimos alcançar com a nossa acção. Trabalhar mais horas não significa nem trabalhar mais nem melhor. Contudo, o objectivo deste texto é falar sobre o movimento que deu lugar ao feriado, instaurado curiosamente pela Republica, mas sendo uma efeméride de forte conotação monárquica, por representar a certidão de nascimento da linhagem real da Casa de Bragança.

Escrevo com o objectivo de demonstrar que este feriado vai ser suprimido na altura em que mais precisávamos dele, porque apresenta contornos de uma grande similitude com a situação actual, não só em Portugal mas também na Europa.

Ao contrário do que se possa pensar, a revolução portuguesa foi menos motivada por motivos patrióticos do que se julga. A revolução de 1640 foi sobretudo despoletada pela imensa carga fiscal que o governo de Madrid nos impôs para suportar a participação da Espanha na Guerra dos 30 anos.

Tratou-se de um conflito à escala europeia, que de uma forma simplificada, se pode explicar pela rivalidade entre os Estados governados pelos Habsburg – herdeiros do Sacro Império Romano-Germano - e os estados protestantes. Carlos V., último grande Imperador, abdicou da coroa da Espanha no seu filho Filipe, e legou ao seu irmão Fernando as suas possessões na Europa central. Este predomínio dos Habsburg católicos numa Europa central convertida ao Luteranismo foi o pretexto para o conflito que durou de 1618 a 1648. No entanto, o facto de a França, Estados Católico, se ter posicionado contra os Habsburgo, vem comprovar a tese de que o conflito tinha na sua raiz uma dimensão que ia para além da religiosa.

O que sucedeu foi que a coroa de Espanha vê-se numa situação financeira deplorável, e toma a decisão de aumentar os impostos subitamente. Em Portugal, tradicionalmente, os impostos só podiam ser aumentados por decisão das Cortes. No entanto, os Filipes nunca convocaram Cortes em Portugal porque isso representava um acto de soberania portuguesa que eles queriam ao máximo evitar. Assim se explica a imensa quantidade de monumentos que nos chegaram do chamado período filipino. Como não havia aumento de impostos, existia maior desafogo financeiro, e foi esta situação, na minha opinião, que permitiu aos Habsburg reinarem 60 anos em Portugal.

O aumento unilateral de impostos decretado por Madrid vai provocar uma revolta popular, à semelhança do que sucede hoje em Portugal. A imposição pelos credores internacionais – a chamada Troika – do equilíbrio das contas públicas nacionais, em grande parte com recurso a um aumento brutal da carga fiscal, tem levado a protestos violentos, o que nos aproxima muito do cenário vivido no século XVII. Naquele tempo, a situação foi precisamente a mesma. Em 1629 rebenta no Porto a chamada Revolta das Maçarocas, contra o aumento de impostos sobre o linho. Oito anos depois, em 1637, deu-se a chamada Revolução do Manuelinho de Évora, a maior até ao 1º Dezembro. Nesta última revolta, contra o aumento de impostos como a anterior, a população indigna-se perante o aumento do chamado “Real de Água”. Falo em população porque não existiu nenhum caudilho, sedento de heroísmo, a reclamar para si a glória pelo movimento popular, o que prova que os objectivos eram bem pragmáticos e menos arrebatados por uma paixão patriótica. Escolheram um tonto, o tal Manuelinho, para assinar os editais da revolta, escondendo os verdadeiros instigadores de um movimento que rapidamente alastrou a todo o Alentejo, chegando mesmo a Setúbal, ou seja às portas de Lisboa.

O paralelismo com a situação actual não se fica por aqui. Para além de Lisboa, também a Catalunha se revoltou contra o centralismo de Madrid. Há precisamente uma semana, tiveram lugar na Catalunha eleições antecipadas, provocadas pelo actual presidente do Governo Regional, que pretende convocar um referendo sobre a independência daquela região espanhola, com o argumento de que o Estado central retira por via fiscal os recursos que a região gera…

Naqueles dias em 1640, os fidalgos portugueses são convocados para combater a Revolta da Catalunha. Os nobres, na sua maioria, estavam confortavelmente instalados nos seus palácios de província, naquele tempo da Corte na Aldeia, de que nos fala Rodrigues Lobo. Até aqui, a situação interna espanhola não os tinha afectado directamente. Eles não eram produtores, vivendo sobretudo das mercês dos reis e dos impostos que o povo estava obrigado a pagar. Para esta casta era indiferente que os jornaleiros tivessem que pagar mais impostos ao Rei, porque não lhes afectava o rendimento, desde que lhes pagassem a eles o que lhes era devido. Assim se explica, na minha opinião, que os nobres não se tenham posto à frente do povo nestas revoltas para derrubar a dinastia filipina. No entanto, perante este cenário de ter que ir para uma guerra na Catalunha, onde podiam perder a vida, acharam que seria uma opção melhor fazê-la no seu próprio país.

Neste movimento, ao contrário de 1383-85, o povo não teve nenhuma intervenção. Os revoltosos, ou conjurados, eram 40, foram escolhidos com muito critério. Reuniam-se no palácio de um deles, D. Antão Vaz de Almada, que ficava em frente ao Largo de São Domingos, decidindo na véspera, por ocasião de um jantar, o plano a seguir. No 1º de Dezembro estes fidalgos dirigem-se ao Paço da Ribeira onde controlam os Tudescos e sobem aos aposentos do Secretário de Estado, Miguel de Vasconcelos, matando-o e defenestrando-o para que o povo pudesse assistir ao momento fundador de uma nova dinastia. Ao contrário do que se pensa, Miguel de Vasconcelos acabou por ser mais uma vítima do que um carrasco. Perdeu a vida provavelmente devido à jactância com que tratava as classes superiores, não faltando entre os conspiradores quem tivesse contas a ajustar com ele. O secretário de Estado não passava de um burocrata, que trabalhava para o Rei, que era então também de Portugal, como toda a gente trabalhava. Terá sido mais uma questão de ódio pessoal pela figura talvez demasiado soberba do que propriamente pelas culpas que ele tivesse no cartório.

A Duquesa de Mântua, que exercia a regência em nome de Filipe III de Portugal, foi expulsa apenas passados alguns dias, o que não deixa de ser estranho, tratando-se da representante do Rei em Portugal e vivendo no mesmo palácio onde Miguel de Vasconcelos foi assassinado. Este facto apenas reforça a tese de que o secretário de Estado acabou por ser um bode expiatório que os conspiradores usaram para erguer o novo regime.

Este episódio da morte e defenestração de Miguel de Vasconcelos durou 15 minutos, tendo ficado para a História a frase de um conspirador: “em 15 minutos tirámos um rei e substituímo-lo por outro”. Não podia estar mais enganado. Se referi num parágrafo anterior que o povo não teve participação no dia da revolta, tê-lo-ia e muito nos 28 anos seguintes, quando travámos uma guerra heróica pela nossa independência. Uma guerra que parecia perdida à partida. O próprio Duque de Bragança terá hesitado muito antes de aceitar o trono que lhe ofereciam. Parecia um presente envenenado, e não sei se não terá um fundo de verdade o papel persuasivo de D. Luiza de Gusmão. Provavelmente não terá dito que “mais vale ser rainha por um dia do que duquesa toda a vida”, mas acredito que haja alguma verosimilhança, sabendo de antemão que o marido estava a aceitar um trono que lhe podia custar a cabeça.

Parecia impossível mas conseguimos, superando todas as probabilidades de vitória que nos atribuíam, que eram escassíssimas. Estou convencido que numa situação como aquela em que vivemos hoje, também seremos capazes de dar a volta por cima. Pelo menos é essa a nossa obrigação, para honrar o sangue que os nossos antepassados verteram para que hoje possamos ser livres, falar a nossa língua, manter as nossas tradições e sobretudo amar a nossa pátria.

Viva Portugal!

publicado por Rui Romão às 09:43
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