O termo "Primavera" pode ser caro aos analistas políticos ocidentais, mas não terá certamente o mesmo encanto aos olhos dos povos que viveram durante décadas sob o jugo do Comunismo.
A brutalidade repressiva começou a ganhar contornos mais claros em 1953, onde uma manifestação de operários na RDA foi dispersa com um autêntico fusilamento indiscriminado. É curioso, na oposição, os comunistas glorificam a contestação sindical, mas quando estão no poder lidam muito mal com o protesto.
Depois seguiram-se episódios ilucidativos do modus operandi do Pacto de Varsóvia. Em 1956 em Budapeste e em 1968 em Praga, governos reformadores tentaram conferir mais humanismo ao relacionamento do poder político com o povo. Em ambos os casos a tentativa foi malograda, com a entrada de tanques soviéticos para restabelecerem a "normalidade" da ditadura do proletariado. Foi a chamada doutrina Brejnev, que preconizava a intervenção da forças do Pacto sempre que o regime estivesse em causa. Entenda-se, quando se tentassem empreender reformas conducentes a uma sociedade mais justa e sobretudo mais democrática.
A sociedade sem classes foi um mito, com as diferenças entre a privilegiada Nomenklatura e o povo a sentirem-se em quase todos os domínios, desde logo pela possibilidade de aceder a literatura considerada reaccionária, poder viajar para paises "capitalistas", etc.
A repressão foi uma constante, bem como o estiolamento da liberdade de expressão. Com o recurso à censura, a campos de concentração como o Gulag e a uma polícia política (que comparada com a PIDE, estes últimos mereceriam os altares), a vulgata foi sobrevivendo.
Este decadentismo foi uma constante desde os célebres planos quinquenais de Estaline - com resultados apreciáveis mas com o elevado preço de 60 milhões de mortos - a que não escapou nenhuma economia de leste. O efeito de crise era sistémico e não reformável, numa economia baseada na indústria pesada e onde se verificava um emprego massivo de mão de obra. À medida que se foi tornando obsoleta e sem qualquer competitividade, a propaganda do regime virou-se para a cosmética, como foi o caso da aventura espacial soviética - desenvolvida por Krutchev - e as perfomances da RDA nos Jogos Olímpicos - graças a um sistema de dopagem elaboradíssimo (algumas lançadoras de peso, hoje são homens...).
Krutchev foi afastado por um golpe palaciano executado pela linha dura, embora tenha sido no seu consulado que a confrontação militar com os EUA esteve mais próxima, na sequência da crise dos misseis de Cuba e do já referido episódio dos tanques de Berlim.
Com Brejnev o regime entra numa crise de ideias, onde o único desiderato é a sobrevivência. Acumulam-se os défices, associados a um espansionismo que apenas encontrou terreno de progressão ou pela via militar (Afeganistão), ou por via da descolonização das potências europeias em África, fenómeno ao qual Portugal assistiu em 1975. Assumindo-se como líder do movimento dos não-alinhados, a URSS alcançou uma hegemonia que permitiu a implantação de regimes comunistas - alguns bastante exóticos -em diversos paises africanos na fase pós colonial, entre os quais nas ex-colónias portuguesas, como em Angola (MPLA), Cabo verde e São Tomé (PAIGC) e em Moçambique (Frelimo).
A desintegração da URSS ainda hoje constitui um enigma difícil de compreender, tanto pela sua rapidez, mas, principalmente, pela sua imprevisibilidade. Tudo começou com o frágil regime da Alemanha de leste, com dívidas colossais a bancos da Alemanha Federal, e cuja única fonte de divisas era a "venda" de prisioneiros políticos à vizinha ocidental. Com uma economia em colapso, tornou-se impossível não empreender reformas, que terminaram com o afastamento compulsivo de Honnecker e a subida ao poder de Krenz, um político completamente inábil.
A antecâmara da queda do muro foi o desencadear de uma nova primavera em Budapeste, mas desta vez sem reacção dos tanques de uma URSS dirigida pelo não menos inábil estadista Gorbatchev. Com a abertura das fronteiras com a Áustria, a Hungria passou a ser uma porta de entrada no "mundo" ocidental. O esquema era simples, os "desertores" percorriam os paises de leste - onde tinham livre-trânsito - para chegar ao lado ocidental.
Este êxodo para ocidente teve o seu climax após uma desastrada conferência de imprensa onde o governo de Krenz, de acordo com o Tratado de Helsinquia, reconhecia o direito de livre circulação aos cidadão da Alemanha de Leste. Os efeitos desta declaração fugiram fora do controlo da Nomenklatura Alemã, bem como da temível polícia política - a STASI - e o movimento de entrada em Berlim Ocidental desencadeou uma série de acontecimentos que degeneraram na queda do muro e na realização posterior de eleições livres. Após a eleição de um governo legítimo, encetaram-se negociações para a reunificação que se materializou em 1990.
Após a era Brejnev - que perdeu o poder na urna em 1982 (entenda-se urna funerária) o Comite Central continuou a apostar na gerontocracia da linha do lider expirado. Primeiro com a "eleição" de Andropov, que morreu poucos meses depois, seguindo-se Chernenko que não durou muito mais. Quando se perdia mais tempo em funerais de Estado do que a nomear presidentes, a Nomenklatura escolheu um político mais jovem, de seu nome Mikhail Gorbatchev.
Gorbatchev era um bom analista. Apercebeu-se de que a URSS não podia insistir no mesmo modelo. No fundo o que Lenine tinha feito nos anos 20 e que levou ao NEP. Gorbatchev também tinha o seu "NEP", e que se baseava sobretudo em dois conceitos: Glasnost e Perestroika.
O Glasnost - que literalmente significa transparência - tinha como objectivo estreitar as relações com o povo, através de uma governação mais transparente e participativa.
A Perestrokia significava a restruturação de todo o aperelho de Estado, nomeadamente do ponto de vista económico, conducente a um socialismo com uns laivos de capitalismo, por forma a construir um modelo que permitisse a sobrevivência da URSS.
Não se pode dizer que Gorbatchev tenha sido um grande Estadista. Bem pelo contrário, permitiu, com uma política ambígua e sem um caminho claro, que após a queda do muro se sucedessem as dissensões para lá da muralha de ferro. Desde logo na Polónia, onde o Comunismo sucumbiu com a acção determinada do Solidariedade de Walesa.
Perante o cenário de desintegração, a letargia do líder foi ainda mais evidente, tornando-se claro que o regime, à imagem do líder, tinham chegado ao fim da linha.
Da-se uma tentativa de golpe de Estado em 1991, travado pelo 1º presidente eleito da Rússia, Boris Ieltsin. Gorbatchev demite-se em Dezembro do mesmo ano e com ele morre a URSS, que foi transformada provisoriamente em Comunidade de Estado Independentes até que cada país seguisse o seu caminho. Pelo meio, a Rússia debate-se ainda com diversos problemas de separatismo, como é o caso da Tchechénia.
Com o colapso da URSS, o comunismo foi ferido de morte. Permanecem alguns regimes exóticos em Cuba, Coreia do Norte, Vietname, Laos e China, mas com diversas nuances. A China, que teve a sua malograda tentativa de Primavera em 1989 na Praça de Tianamen, rendeu-se ao capitalismo, embora ainda mantenha uma ténue fachada comunista, o mesmo sucedendo em Laos, sendo que ambos já foram excluídos da definição de Estado Comunista pelo Departamento de Estado norte-americano...
Os partidos comunistas praticamente desapareceram na Europa, em parte absorvidos pelos partidos trabalhistas e socialistas, perdendo a sua influência outrora olhada com receio.
Em Portugal, o PCP continua a definhar, embora registe resultados eleitorais superiores a qualquer outro seu congénere europeu. Continua, ainda assim, a ser uma força viva no mundo sindical e também ao nível do poder local, nomeadamente no Alentejo e Península de Setúbal. Em Portugal existe a particularidade de existir um partido trotskista -seguidores de Leon Trotsky, fundador, em 1938 ,da IVª Internacional, evque se opós a Estaline e que pagou com a vida a ousadia - que disputa o mesmo eleitorado do PCP e até do PS, embora com maior incidência junto dos jovens.
O comunismo não renascerá das cinzas, mesmo que seja tentador pensar nessa possibilidade nas ciclicas crises do capitalismo. E não renascerá por uma razão simples: Como regime é contra-natura. É da natureza humana tratar melhor do que é nosso do que aquilo que é comum. É por isso que o Estado é tão mau gestor de empresas.
Mas o pior nem é o princípio filosófico. O pior é a prática, ou seja a ditadura, a repressão, a censura, a miséria e até a morte.
Para termos uma noção do que seria Portugal se o PCP tivesse saído vencedor no 25 de Novembro de 1975, basta deter-nos na afirmação de Álvaro Cunhal, em pleno período revolucionário, onde, taxativamente, se opunha à realização de eleições...
Ou seja, o objectivo era substituir uma ditadura por outra, embora de sentido contrário...
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