Um dos temas mais romanceados na instrução primária, quando começamos a aprender os símbolos nacionais, é o significado da bandeira nacional. Desde a explicação do verde como esperança e o vermelho como sangue que os portugueses derramaram na empresa dos descobrimentos, até ao significado das quinas como os 30 dinheiros que Judas recebeu para entregar Jesus Cristo, é extensa a lista de disparates que nos ensinam nesta tenra idade.
Declaração de interesses: não gosto das cores da bandeira portuguesa. O vermelho e o verde eram as cores do partido republicano e não concordo que as cores de um partido se tornem as cores do país, como se o partido se tivesse apropriado do Estado. O país está acima dos partidos e como tal não me parece indicado que as cores de um partido sejam adoptadas para representar todos os portugueses, porque dentro do´Estado há espaço para todas as sensibilidades. As cores foram aprovadas pela comissão presidida por João Chagas em 1911, o que significa que a bandeira portuguesa, legalmente, seria a azul e branca (sem a coroa), pois a Constituição da República Portuguesa diz-nos, no artigo 11, ponto 1 que A Bandeira Nacional, símbolo da soberania da República, da independência, unidade e integridade de Portugal, é a adoptada pela República instaurada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910.
Á parte destas considerações, o significado dos restantes elementos não oferece dúvidas. As cinco quinas eram o símbolo de Dom Afonso Henriques, sem que esteja relacionado com os 30 dinheiros ou os cinco reis mouros que venceu em Ourique (lenda muito posterior). A esfera armilar era o símbolo do optimismo de Dom Manuel, enquanto senhor do mundo. Sobre os castelos é que se lê e diz muita coisa. Eu vou expressar a minha opinião, no entanto admito outras, embora lhes reconheça alguma fragilidade.
Existem duas posições que vulgarmente se apresentam:
1: Eram os 7 Castelos fortificados por Dom Afonso Henriques
2: Como D. Afonso III afastou o irmão do trono e não podia usar as suas armas, utilizou as da mãe que era castelhana.
Na primeira teoria não vejo nenhum fundo de verdade, porque o nosso primeiro rei fortificou e conquistou muito mais do que sete castelos e também porque o número de castelos tem variado ao longo dos anos. A segunda teoria tem um fundo de verdade. Efectivamente os castelos entraram na armas portuguesas no reinado do Bolonhês, mas o motivo é que me parece mais discutível. Na minha opinião a introdução dos Castelos não se deveu à guerra civil que opôs a D. Sancho II, mas antes a um facto marcante do seu reinado e da História de Portugal: A conquista definitiva do Algarve. Sucede que a conquista não foi bem uma conquista, porque os sarracenos, pela mão do emir, tinham celebrado uma aliança com o Rei de Castela (Afonso X, o Sábio), pelo que a conquista pelas armas teria forçosamente que passar pelo Reino vizinho. D. Afonso III teve a noção do que isso implicava e após um breve período de guerra, propôs ao Rei de Castela casar-se com uma filha sua, apesar de já ser casado com Dª Matilde, Condessa de Bolonha, para terminar o conflito. O casamento de D. Afonso III e Dª Beatriz de Castela realizou-se, apesar do interdito que o papa lançou sobre o Reino, fruto do qual nasceu D. Dinis e também os Castelos (relativos ao Reino de Castela) que representam a unidade territorial, do Minho ao Algarve, que ainda hoje perdura.
Comemoram-se este ano os 750 anos do nascimento do rei que ficou conhecido na História como “O Lavrador”. Começo por dizer que discordo em absoluto com este cognome, por dois motivos: Por não ter sido D. Dinis o obreiro do pinhal de Leiria (quanto muito ordenou-o e aumentou-o) mas sobretudo porque o seu legado é muito mais importante do que qualquer pinhal que tivesse mandado plantar.
D. Dinis é talvez o Rei mais importante na afirmação da independência portuguesa no espaço peninsular, ao contrário do que sucedeu com os outros reinos que foramao longo dos séculos absorvidos por Castela. Mais do que D. João I ou D. João IV, que pegaram nas armas para combater o perigo castelhano, D. Dinis foi quem construiu os alicerces que cimentaram a nossa identidade, garantia suprema da nossa soberania. Para começar, foi D. Dinis que estabeleceu o português como lingua oficial do Reino, obrigando a que todos os documentos fossem lavrados na nossa lingua por alternativa ao latim. Foi D. Dinis quem criou a primeira universidade portuguesa (em Lisboa e depois transferida para Coimbra) que não chegou a atingir a importância que podia ter tido no nosso país devido a 3 factores: a expulsão dos judeus, a inquisição e a sua administração pelos jesuítas, tudo isto no reinado de D. João III, que, paradoxalmente, foi um entusiástico do movimento renascentista em Portugal.
Bastava o que escrevi até aqui para que D. Dinis já fosse considerado um grande Rei. Mas foi mais do que isto. Foi este monarca que criou a Ordem de Cristo, suceora dos Templário, numa atitude bastante hábil que lhe permitiu contornar a Bula Papal que extinguia os Cavaleiros do Templo. Estes monges Cavaleiros tinham sido perseguidos pelo Rei de França, Filipe IV “o Belo”, provavelmente porque não conseguia pagar as dívidas que tinha contraído ou porque queria apoderar-se dos seu imeno bens. Assim, com o fim da Ordem que o Rei francês conseguiu obter junto do Papa, os seus problemas financeiros ficavam resolvidos. Em Portugal D. Dinis acolheu, como não podia deixar de ser, a ordem papal de extinção dos templários, mas passados alguns anos pediu à Santa Sé autorização para criar uma Ordem de raiz Portuguesa, com os bens e os ex-cavaleiros templários que estavam em Portugal. Esta decisão de D. Dinis tem levado muitos entusiáticos do misticismo templário a propor as mais fantasiosas teorias, como a vinda do Santo Gral para Portugal, ou ainda que os descobrimentos portugueses apenas foram possíveis porque tivemos acesso às cartas que os Templários possuiam.
À parte dessas teorias, é inegável que a Ordem de Cristo foi a grande responsável pelos descobrimentos portugueses, escrevendo a mais gloriosa página da nossa História, nomeadamente a partir do Infante D. Henrique (que era Mestre da Ordem de Cristo) e eis porque as velas das naus e caravelas que cruzavam oceanos, levando a lingua portuguesa aos quatro cantos do mundo, levavam o simbolo da Ordem de Cristo. Ainda hoje a Ordem de Cristo é uma Ordem Honorífica Portuguesa e o seu simbolo permanece nos aviões da Força Aérea Portuguesa.
Claro que nem tudo foram rosas no seu reinado. Teve que enfrentar o filho numa guerra civil que perdeu, sendo obrigado a conceder a governação ao futuro D, Afonso IV, num conflito motivado pela preferência que, alegadamente, dava a um seu filho bastardo (Afonso Sanches) em detrimento do seu primogénito legítimo. Foi este seu filho bastardo que se exilou em Albuquerque (Castela), onde foi tutor de uma menina chamada Inês de Castro. Quem sabe se não nasceu dessa relação de amizade o ódio de D. Afonso IV a Inês e que levou ao triste desfecho que todos conhecemos?
Nestes 750 (1261-1325) anos de D. Dinis, honra seja feita ao município de Odivelas por ser a única entidade, que eu tenha conhecimento, que está a assinalar a efeméride. A mesma localidade onde D. Dinis escolheu para sua morada eterna.
. Os meus links