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Segunda-feira, 11 de Fevereiro de 2013

O Dandy

A ideia de escrever este post surgiu quando cumpria um dos rituais que não dispenso há muitos anos: descer o Chiado. Não existe local mais arrebatador, como uma faculdade única de me transportar para fora da minha vida quotidiana, levando-me para uma espécie de universo paralelo. O fascínio, esse, vai muito para além da sua paisagem física. Diria mesmo que a sua magia reside mais na minha imaginação, degenerada pela literatura romântica - qual Dom Quixote de La Mancha – do que na arquitectura daquela ladeira elegante, ou vaidosa como lhe chamou Ramalho Ortigão.

A visita ao Chiado pode ser feita de duas formas: Descendo a ladeira olhando para as montras, para os transeuntes, bebendo um café na Brasileira ou nos armazéns do Chiado, ou fazer o mesmo percurso mas vendo uma Eça a caminho do Grémio, ou um Garrett a parar na Bertrand, trocando umas palavras de ocasião com Herculano, ou cumprimentando o Ramalho, que descia a rua com o seu habitual aprumo.

Eu prefiro a segunda opção, e como tal imaginei de que forma conseguiria um dia explicar ao meu filho aquela envolvência e assim, caso ele o queira, mergulhar nesse outro Chiado, que tem que ser revelado com auxílio da prosa romântica, com destaque para o inevitável Eça. Depois desta reflexão, achei que não haveria melhor forma de explicar este Chiado romântico do que falar do seu máximo representante – a figura do dandy.

O dandy é um produto da revolução industrial. No século XVIII dá-se uma das maiores transformações operadas na História da Humanidade com o aparecimento da máquina a vapor, que revoluciona completamente o tecido produtivo, cujo reflexo abrange vários domínios, desde o político, passando pelo económico, social e cultural.

No espectro político a expressão mais evidente foi a Revolução Francesa, resultado do fortalecimento de uma burguesia enriquecida, que vem disputar o poder até então monopolizada pela nobreza de sangue.

No campo económico dá-se um crescimento exponencial da produção, explicada pela maior rapidez de fabrico, procedendo-se à substituição da forma tradicional de manufactura por máquinas movidas a vapor, que permitem um aumento substancial da produção.

Socialmente dá-se um êxodo dos campos para as cidades, onde se fixam as novas indústrias. O campo fica despovoado, pelo facto de o salário industrial ser superior ao que se podia vencer na exploração dos campos de cultivo. Constroem-se bairros nas imediações das grandes indústrias, onde se vai aboletando uma horda de trabalhadores, explorados até ao limite da sua sobrevivência física em prole do lucro. Foi esta situação extrema que levou ao aparecimento dos movimentos proletários, que surgem como forma de luta contra a situação paupérrima em que viviam.

Se por um lado os proletários viviam numa situação de miséria, não deixa de ser verdade que a revolução industrial provocou um aumento exponencial da riqueza, na figura do burguês de sobrecasaca que veio criar uma nova sociedade. A prosperidade industrial levou ao aparecimento de outras actividades, com o estabelecimento do Estado Burguês, após o período revolucionário francês. Dá-se a proliferação de jornais, a multiplicação das actividades culturais, a aposta no ensino. No fundo exigências de uma nova sociedade, com muito tempo de ócio e uma riqueza inédita, provocada pela maior produtividade da máquina a vapor.

Foi no tédio em que vivia esta sociedade - o chamado spleen - que devemos enquadrar o aparecimento do romantismo. O burguês precisava de adrenalina, de exaltação de sentimentos, de arrebatamentos, como catarse da sua vida monótona e previsível. Este movimento cultural foi o primeiro que abrangeu todas as formas de expressão humana. Da Pintura, à música, literatura, escultura, teatro foram terrenos férteis para a cultura romântica.

Para além da cultura, o burguês cultivou o gosto pelo vestir bem. A elegância passa a ser obligé. No passeio público (actual Praça dos Restauradores), as senhoras passeavam as suas toilettes, perante maridos orgulhosos, que viam na sua elegância um trofeu para o seu sucesso, objectivo ou não. Os senhores habituaram-se a usar fatos de sobrecasaca, não descurando o aprumo físico. Garrett, o introdutor do romantismo em Portugal, espartilhava-se para mostrar a sua suposta elegância. Ramalho Ortigão apregoava a quem o quisesse ouvir que mandava vir os fatos de Paris. Há quem garanta, contudo, que os mandava fazer ao senhor Keil, pai de Alfredo Keil, compositor de “A Portuguesa”.

No entanto, em Portugal este movimento foi mais tardio por dois motivos. Em primeiro lugar porque a instauração do Liberalismo foi muito problemática, com os ânimos apenas a serenarem depois do Golpe da Regeneração (1851), no Porto, na segunda metade do século XIX, Em segundo lugar, a industrialização portuguesa também foi tímida e tardia. Devemos ao comboio e à política de fomento de Fontes Pereira de Melo o relativo sucesso que foi a industrialização do país, nomeadamente no último quartel do século XIX.

Foi nesta sociedade recém-chegada ao romantismo que nasce o dandy. Paletó e sobrecasaca são adereços indispensáveis. O dandy é um senhor elegante, culto, que se veste bem, que tem hábitos sociais de prestígio, como ir á opera (o Teatro São Carlos) ou participar em tertúlias literárias (no Grémio Literário). O desporto, também é uma exigência. A figura do sportsman que, na boa tradição cavalheiresca britânica, pratica ténis e hipismo (no Hipódromo de Belém), não dispensando as apostas, um desporte chic a valer, como dizia Dâmaso Salsede. O jogo, onde se manifesta um profundo desprezo pelo dinheiro (no Casino Lisbonense), acompanhado por senhores distintos que fumam charuto (da casa Havanesa).

Eis o roteiro de um dandy, cujos marcos se encontram, com a excepção do hipódromo, no Chiado. Aqui se encontravam todas as “instituições” de que necessitava para desempenhar o seu papel.

Para o dandy o Chiado era o seu habitat natural. Ali era o verdadeiro centro do país. Como dizia João da Ega, o país está todo entre a Arcada e São bento. Ali politicava-se, conspirava-se, falavam das suas conquistas, dos ministérios, das cantoras do São Carlos. Todos estes ingredientes estão nos Maias, cujas personagens tenho citado. Diz-se que a obra-prima de Eça de Queirós é uma crítica à sociedade do seu tempo, nomeadamente a um país conservador, rural, provinciano (curiosamente Eça viria a ser acusado por Fernando Pessoa de ser, ele próprio, um provinciano), com um ensino retrógrado e uma influência excessiva da Igreja Católica. Encarna estes pecados na figura do Eusebiozinho, aquela figura frágil e sorumbática que era a vítima de Carlos da Maia na sua meninice pelos campos de Santa Olávia. Este mesmo produto de uma educação católica e fradesca, ministrada pelas beatas de província, que vem a produzir um ser moralmente ignóbil, sem brilho, sem garra, um autêntico tropeço. A própria moral católica não foi muito bem apreendida, ou não o tivesse surpreendido em Sintra com uma espanholas e o famoso Palma Cavalão, por um Carlos da Maia que procurava Maria Eduarda.

No entanto, outros personagens como Carlos da Maia e João da Ega, que não foram subjugados a esta moral católica e paralisante, conseguem ser retratados de uma forma mais positiva. Carlos da Maia, educado à boa maneira britânica pelo velho Afonso da Maia, não resiste ao “lodo do Chiado”. Apesar da educação primorosa não passa de um diletante romântico, sem qualquer objectivo de vida, que insiste numa relação incestuosa mesmo depois de o saber. João da Ega, cheio de planos revanchistas em relação do banqueiro Cohen, que o expulsou de casa, vestido de Mefistófeles (diabo), quando descobriu que era amante de sua mulher, não fugiu da inutilidade em que mergulhou a sua vida.

Nos Maias, o único personagem que é retratado de uma forma irrepreensível é Craft, que é um inglês culto, elegante, ou seja o verdadeiro dandy.  Carlos da Maia e João da Ega apesar da educação e da influência literária não chegam a esse patamar. Porquê? Penso que essa é que é a verdadeira moral da obra de Eça. Desmascarar os burgueses elegantes, ou seja os dandys, reduzindo-os à sua caricatura. Se exteriormente era fácil comportarem-se como tal, em termos de valores a nossa sociedade ainda não tinha atingido esse patamar de desenvolvimento humano. Podiam-se vestir bem e ter hábitos elegantes, mas permaneciam com a degeneração de costumes de um Eusebiozinho, ou sem um propósito de vida digna de um burguês de Londres ou Paris. No fundo eram uma caricatura, uma máscara, que escondia uma imagem que era muito diferente da que projectavam. Eram tão rudes como um Dâmaso, tão frágeis como um Eusebiozinho, tão medíocres como um Cruges. No fundo, só tinham a máscara, ou a toilette. Não eram esse produto original da Revolução Industrial e da cultura romântica que foi uma autêntica instituição nessa Europa culta, que foi a figura do dandy.  

  

publicado por Rui Romão às 08:27
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Sábado, 31 de Março de 2012

A Caminho da República

A primeira república, nos 16 anos da sua vigência, debateu-se com um problema comum a todos os movimentos revolucionários. Por mais paradoxal que possa parecer, o cimento que une as várias facções dentro de um grupo é, quase sempre, o regime que combatem. Foi assim no 5 de Outubro, mas também no 28 de Maio ou no 25 de Abril. E é normal que assim seja. Só se pode construir algo de novo quando se derruba o poder que está instituído, pelo que é compreensível que a convergência se faça nesse plano, esquecendo as divergências quanto ao projecto político que se pretende implantar. O movimento republicano em Portugal não foi diferente. A Ideia de República começa a surgir em Portugal com a Revolução de 1820, levando à Constituição de 1822, que retirava praticamente o poder ao Rei. Durou pouco tempo esta constituição, sendo mais tarde substituída pela Carta Constitucional, outorgada por D. Pedro IV, que era muito mais moderada e atribuía muito mais poder ao Rei. No entanto o gérmen da revolução republicana ficou enraizado, principalmente nas hostes dos vintistas, responsáveis pela Revolução de Setembro, que mais tarde engrossariam as fileiras do partido de esquerda do rotativismo monárquico: o Partido Progressista.

Contudo, nem o Partido Progressistas, nem o Regenerador (moderado) conseguiram cativar todos aqueles que não se reviam no sistema político nascido da Revolução Liberal e assim começou a nascer a ideia de República. Não foi um processo rápido, muito por culpa da política de fomento de Fontes Pereira de Melo, que transformou completamente a face do país. No entanto, depois de Fontes, não surgiu nenhum Estadista à sua altura, e o regime cristalizou num parlamentarismo bacoco, que não ia muito além da luta de poder, sem um único projecto político no horizonte. O Conde de Abranhos, personagem de Eça de Queiroz, é uma caricatura sublime da figura-tipo dos políticos da segunda metade do século XIX. Nem as campanhas dos africanistas nos sertões africanos, que empolgaram verdadeiramente os portugueses, conseguiram obnubilar a ausência de ideias. Foi neste marasmo que os republicanos conseguiram encontrar terreno fértil para crescer. A sua implementação foi significativa sobretudo nos bairros operários, com destaque para Alcântara, primeiro baluarte industrial de Lisboa, e junto de uma burguesia citadina, constituída por funcionário públicos, professores, advogados, jornalistas e intelectuais (ou aspirantes ao estatuto).

Este movimento não teve a força que se podia supor. Socorro-me novamente de Eça, que pôs, na sua obra póstuma, “A Capital”, a sua personagem principal, Artur Corvelo, numa reunião de Republicanos, para percebermos a insipiência do movimento na década de 70 do século XIX. Contudo, existiram dois momentos marcantes, que alteraram completamente a face do republicanismo em Portugal num par de anos. O primeiro foi o IV centenário da morte de Camões, cujas celebrações foram completamente dominadas pelos republicanos (o regime não caiu no mesmo erro, dois anos depois, no centenário da morte de Sebastião José Carvalho e Mello) e o segundo foi o ultimato britânico, após a ocupação do território reivindicado pela Velha Albion, para aquele megalómano projecto de ligar o Cabo ao Cairo por caminho-de-ferro.

Logo em 1891, reinava D. Carlos há pouco mais de 1 ano, rebenta a revolução do 31 de Janeiro no Porto, que não conseguiu derrubar o multisecular regime monárquico em Portugal. Mas os republicanos fortaleceram-se e daí até ao regicídio de 1 de Fevereiro de 1908, numa intensa campanha de terror, devidamente coadjuvada pela actividade parlamentar do sempre exaltado Afonso Costa, foi apenas uma questão de tempo.

Morto o Rei e o Príncipe, estava aberto o caminho para os republicanos conseguirem nas armas aquilo que nunca lograram nas urnas. Em 1910, Portugal era uma democracia, com as imperfeições e virtudes das demais congéneres europeias. Havia caciquismo como no Reino Unido ou em Espanha, o colégio eleitoral era restrito (no tempo da Iª República foi ainda mais) mas existia liberdade total, inclusivamente na imprensa, num formato que hoje seria completamente inaceitável, pela facilidade com que se caluniavam os políticos e a Família Real sem qualquer espécie de fundamento ou prova. A base de apoio dos republicanos estava sobretudo na pequena burguesia urbana, muito concentrada em Lisboa, ao ponto de terem conseguido ganhar as eleições na Câmara de Lisboa em 1908 (por esse motivo a instauração da República foi proclamada na varanda do Paço do Município). Existiram também dissidências e traições no seio dos partidos do rotativismo, nomeadamente no partido mais à esquerda, o Progressista, sendo o caso mais conhecido o de José Maria Alpoim, que fundou a Dissidência Progressista, e cujo envolvimento no regicídio ainda não foi completamente esclarecido.

Instaurado o novo regime, o antigo Partido Republicano dissolveu-se em 3 partidos: O Democrático, Evolucionista e Unionista. Não tinham uma grande clivagem ideológica. A maior diferença era ao nível do perfil de liderança. Entre os Democráticos pontificava o radicalismo de Afonso Costa. Este político tinha, enquanto ministro da Justiça do Iº Governo provisório, cometido diversas atrocidades, movendo uma perseguição feroz à Igreja. Teve sempre uma milícia (a Formiga Branca), pronta a combater nas ruas por aquilo que não conseguia alcançar pela via política, e cuja maior façanha foi o derrube de um governo, de Nunes da Costa, por parte de dois rufias: o Chico Fadista e o Ai Oh Linda!

Contra este radicalismo ergueu-se o Partido de António José de Almeida, o Evolucionista. Liderado por uma pessoa cordata, séria, arreigada a valores morais inabaláveis, tentou situar-se mais ao centro no espectro político, para procurar consensos no meio daquela constante agitação política, social, económica e militar. Debalde.

Surgiu ainda um terceiro partido, mas que nunca teve a relevância dos anteriores: o Evolucionista. Liderado por Brito Camacho, era um partido mais conservador, mas também por esse facto apresentava um programa político mais pragmático, mais orientado para o progresso e menos para o debate ideológico.

O resultado de tudo isto não foi brilhante. A República prometeu um país diferentes, a andar para a frente, que significasse uma ruptura com o passado monárquico, mas chegámos a 1926 muito pior do que em 1910, perdendo quase 2 décadas em atentados, no derrube de governos, enquanto o povo morria à fome e via os sonhos esfumarem-se. A culpa não foi dos políticos republicanos, até porque a maioria eram pessoas íntegras (não incluo Afonso Costa neste rol). O problema foi terem prometido o que nunca conseguiram cumprir, devido a um postulado básico que não souberam interpretar: pensar que todos os males estavam associados ao regime monárquico, o que estava longe de ser verdade. O regime parlamentar manteve-se com a República, mas as lutas de poder eram muito mais violentas, porque o sentimento de impunidade era total, e os políticos digladiavam-se pela procura de um espaço vital, que lhes conferisse protagonismo no novo regime. É sempre assim, senão vejamos que os actuais quatro grandes partidos portugueses também definiram o seu peso eleitoral entre 1974 e 1976. Em 1910, pensava-se que apenas bastava expulsar o Rei para ter um país melhor. Erro crasso. Não são os reis que fazem um povo. É precisamente o contrário.

publicado por Rui Romão às 08:33
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Quarta-feira, 11 de Janeiro de 2012

Longe da Vista, Perto do Coração

Vivemos uma fase particularmente complicada da nossa História. As dificuldades são imensas e não existe qualquer luz ao fundo do túnel. Falta esperança, faltam ideias, faltam causas que nos mobilizem. Cumprir défices não apaixona ninguém. É por isso um tempo propício à reflexão. Pensar porque motivo chegámos aqui e, mais importante ainda, propor algo de novo que nos levante a moral, que nos faça sonhar, que nos catapulte para fora deste abismo. O queixume tornou-se quase uma religião, mas faltam as soluções fora do quadro mental tão em moda nestes dias. Parece que  a única solução para todos os nossos problemas será empobrecermos!

Foi com esta conjuntura em pano de fundo, que no meio de uma reflexão pessoal me ocorreu algo que até aqui nunca me tinha apercebido: os mais lúcidos pensadores, as mentes mais brilhantes que o nosso país gerou, viveram todos, sem excepção, em períodos particularmente difíceis e curiosamente (ou não) passaram largas temporadas no estrangeiro.

Seguindo uma sequência cronológica, lembro-me de Camões, que para além da magnífica obra lírica que nos legou, escreveu o mais comovente documento de exaltação da glória do povo português - Os Lusíadas - e que viveu numa época decadente, com uma inquisição castradora, a carreira das indías ameaçada por holandeses e a independência presa por arames nas mãos de uma criança perturbada (D. Sebastião). Camões andou pela India, por Macau, foi naufrago e regressou à sua pátria, onde lhe concederam uma tença, irregularmente paga, pela publicação do seu monumental épico.

O padre António Vieira, o Imperador da Língua Portuguesa, foi muito novo para o Brasil onde se distinguiu como orador e como defensor dos direitos dos índios, provou estar tão à vontade nas selvas da américa, como nas cortes europeias. Foi escolhido para se deslocar à corte de D. João IV para lhe prestar obediência e terá impressionado tanto o "Restaurador" que este o convidou para usar a sua enorme capacidade oratória na defensa da sua causa nos centros de poder do velho continente. Viveu num período de incerteza em que todo o erário régio era destinado a uma guerra que haveria de durar muito para além da sua vida. A liberdade de pensamento valeu-lhe a inquisição no encalço, principalmente depois da morte do Rei, seu protector. É do padre António Vieira a frase que melhor explica os feitos que este pequeno país à beira-mar plantado logrou alcançar "um palmo de terra para nascer, o mundo inteiro para morrer". Os seus sermões, que se dedicou a passá-los por escrito no fim da vida, são das mais belas páginas jamais escritas em português. 

Eça de Queirós sobraçou a vida diplomática depois de uma curta passagem pelo jornalismo (em Évora) e pelo funcionalismo público (em Leiria), o que o  levou a cidades tão distintas como Havana, Bristol, Newcastle ou Paris, onde passou a maior parte da sua idade adulta. Aí escreveu as suas obras-primas, colocando a nu as fragilidades da sociedade do seu tempo, estiolada pelo anacronismo religioso, pelo caciquismo político e pelo raquitismo mental e cultural.

Contemporâneo de Eça, Fernando Pessoa talvez se tenha cruzado com o autor de "Os Maias" no Chiado da sua infância. Nascido em 1888, precisamente o ano em que Eça publicou a sua obra-prima e que corresponde também ao período mais activo e vibrante dos "Vencidos da Vida", foi para a África do Sul com apenas 7 anos de idade, acompanhando a mãe e o padrasto que tinha sido destacado para a então colónia britânica para exercer um cargo diplomático, regressando apenas em idade adulta (1905) para prosseguir estudos superiores (que nunca concluiu). A glória de Pessoa, como a maioria dos nomes que mencionei (à excepção de Eça), foi póstuma, mas foi o grito mais alto de exaltação do passado português, transposto para o século XX, quando Portugal vivia as páginas mais negras da sua História, mergulhado na anarquia republicana. Trouxe ideias, que era aquilo que então, como hoje, mais necessitávamos. Avançou com a ideia do V Império, que seria um império de poetas, onde Portugal voltaria às suas glórias pretéridas e em que surgiria um novo Camões -que mal consegue disfarçar que seria ele próprio- para as transpor para a mais bela e alta forma de manifestação cultural - a poesia.  

Talvez não tenha sido por acaso que todos eles tenham estado fora da sua pátria. Quando estamos muito perto, não conseguimos ter uma noção de perspectiva. Mas quando estamos muito longe também não conhecemos a realidade em pormenor. Creio que foi essa a grande fonte da sua lucidez, associada ao seu reconhecido génio. Quando existe talento, lucidez, crítica e uma postura construtiva, nós, portugueses, somos capazes de tudo. Faltam-nos causas mobilizadoras, mas que inspiradores podiam ser estes exemplos! 

publicado por Rui Romão às 08:40
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