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A ideia de escrever este texto surgiu ontem, quando passei pela Avenida Barbosa do Bocage, uma das chamadas “Avenidas Novas” de Lisboa, o que me levou a reflectir sobre o que podia ter sido o século XX português se o desfecho de um atentado que ali teve lugar no dia 4 de Julho de 1937 tivesse sido diferente.
O local do crime ainda hoje está à vista de todos. Um palacete, hoje praticamente engolido pelos prédios que foram crescendo à sua ilharga, e que era propriedade de Josué Trocado, professor de música no Liceu Passos Manuel. Josué Trocado tinha uma capela na sua residência e nesse dia de manhã, um Domingo solarengo, o então jovem sacerdote Abel Varzim, preparava-se para celebrar a eucaristia para a família do professor, na presença de um convidado muito especial, o seu amigo António de Oliveira Salazar.
Quando o veículo oficial do estadista, um Buick, estacionou à porta do nº 96, deflagrou um engenho explosivo de grande potência que sacudiu autenticamente toda a avenida e artérias vizinhas. Ironia das ironias: a salvação de Salazar foi a grande dimensão das bombas, que acabaram por perder “eficácia” pelo impacto ser amortecido pelos colectores onde os bombistas as tinham colocado.
Salazar reagiu com frieza. Imperturbável, deslocou-se até à casa do seu anfitrião, onde fez questão de assistir à missa.
Como seria a História de Portugal se o ditador tivesse sucumbido? Teríamos regressado à balbúrdia da primeira República? Teria surgido um caudilho, à maneira de um Sidónio Pais? Perguntas que não têm resposta.
O que não duvido é que hoje, em plena democracia, o nome de António Oliveira Salazar estaria na toponímia de muitas ruas neste país, tamanha era a sua popularidade. Depois dos 16 anos sangrentos da República idealizada por Afonso Costa, o país estava exangue. Não resistia a mais revoluções nem contra-revoluções, onde se banalizavam atentados perante o descrédito a que éramos votados pela comunidade internacional.
A aprovação do rumo que Salazar estava a imprimir ao país era praticamente unanime, se exceptuarmos uma minoria de anarco-sindicalistas e dos comprometidos com a primeira república.
Ou muito me engano, ou Salazar concorreria com os célebres Almirante Reis e Miguel Bombarda nas ruas deste país.
A frase que dá título a este texto foi retirada do “Leal Conselheiro”, obra do Rei D. Duarte. Lealdade na Idade média não tem a mesma interpretação que lhe damos hoje. Não tem o significado estrito de um vínculo pessoal, mas de um conjunto de valores relacionados com a ideia de Justiça. Nesta obra, o monarca exara um tratado de ética e moral que devia ser seguido na corte, exigindo aos seus súbditos a vinculação aos princípios que plasmou na sua obra. Este livro, escrito nos últimos anos de vida, parece uma premonição dos problemas com que o Reino se iria debater após a sua morte. Debalde, pois não só os princípios como o próprio testamento do monarca não foram respeitados pelo seu irmão – O Infante D. Pedro - que ficou na regência, afastando a Rainha (que tinha sido designada pelo Rei Defunto) seguindo-se uma Guerra Civil que terminou com a morte do Infante em Alfarrobeira e com o poder a cair de mão-beijada no regaço dos fidalgos que manietavam completamente o jovem e débil monarca D. Afonso V. No entanto, D. Duarte merece bem o título de Rei mais culto da Idade Média Portuguesa, título que disputa com D. Dinis. Neste post vou abordar 3 feitos de lealdade que não se enquadram neste registo amplo definido por El Rei D. Duarte. Vou falar de feitos meio-quixotescos, matéria bruta para ser trabalhada pelo escopo dos escritores românticos, e que, por isso mesmo, ganharam bastante protagonismo no século XIX. Por ordem cronológica, começo pela chamada façanha de Egas Moniz, o famoso aio de Dom Afonso Henriques. Diz a tradição que em 1127 (ou 1129, consoante os textos) estava o nosso primeiro rei cercado no Castelo de Guimarães pelo seu primo D. Afonso VII, quando Egas Moniz se dirige à tenda onde estava sediado o monarca Leones, que se intitulava Imperador, dando a sua palavra de honra de que Dom Afonso Henriques se declarava seu vassalo e que iria pessoalmente à corte do seu primo para selar essa mesma vassalagem. O Leonês achou satisfatória a resposta do aio de D. Afonso Henriques e levantou o cerco. Sucede que Dom Afonso Henriques não cumpriu a palavra dada, e Egas Moniz, face a este acto de rebeldia, deslocou-se a Toledo na companhia da mulher e dos filhos (ainda crianças) com uma corda ao pescoço, como penitente por ter faltado à palavra dada, podo a sua vida e da sua família nas mãos de Afonso VII. Esta história é muito comovente, mas a sua veracidade não é sustentada por nenhum documento, motivo pelo qual sobejem dúvidas quanto à sua veracidade. O segundo caso é também provavelmente lendário. Na guerra civil que opôs D. Sancho II ao Conde de Bolonha (futuro Afonso III), todas as principais Cidade e Vilas do Reino foram tomadas pelos partidários do Bolonhês. Todas menos Coimbra, e talvez por esse motivo terá nascido a lenda de que o Alcaide local, Martim de Freitas, se recusou a entregar as chaves da Cidade aos revoltosos por ter jurado lealdade ao “Capelo”, dirigindo-se pessoalmente a Toledo, cidade onde se exilou D. Sancho II, para comprovar que este tinha entrado no sono eterno. Reza a lenda que colocou as chaves da Cidade no féretro, e que depois a retirou para dar ao seu irmão e sucessor, por considerar que tinha cumprido a sua palavra e tinha sido um fiel súbdito até ao último minuto. O terceiro caso que vou referir é o único do qual existe certeza absoluta de como e quando se passou, acabando, imagine-se, por mudar o nome de uma então vila. Este acontecimento teve lugar em 1847 numa altura em que o país estava em plena Guerra Civil da Patuleia. Os revoltosos tinham como órgão de liderança a Junta Revolucionária do Porto, liderada por José Passos (irmão de Passos Manuel) e cuja chefia militar estava nas mãos do Conde das Antas. O Conde apoderou-se rapidamente do norte do país, não tivesse sido no Minho que nascera o foco contestatário com a “Maria da Fonte”. Tomou a então vila de Viana da Foz do Lima, mas o governador da guarnição militar, quem sabe se um romântico inveterado, inspirado em Martim de Freitas desloca-se por vapor até Lisboa e entrega as chaves da Cidade a Dª Maria II. Tratava-se de um acto estéril, porque o Conde das Antas tomou a então vila, mas a Rainha, também ela com tendência para ceder aos impulsos do coração, achou o gesto tão nobre que não só elevou a vila a cidade como lhe deu um nome mais glorioso – Viana do Castelo (apesar de lá não existir, nem ontem nem hoje, qualquer castelo).
Costumo referir, em jeito de blague, que a data “25 de Abril” foi bastante importante em três anos diferentes: A mais importante de todas, foi em 2012, segue-se a de 1851 e, finalmente, a de1974, a mais conhecida.
Se exceptuarmos o primeiro caso, de significado estritamente pessoal, mantenho a ordem de importância das restantes mesmo num registo mais sério, apesar de poder causar alguns sobressaltos nos mais saudosos do período revolucionário português de 1974-1976.
A estupefação com que se pode receber esta ordem de importância, potencialmente catalizadora de ápodos pouco simpáticos (de fascista para cima) radica no parco conhecimento que temos da História do século XIX em Portugal e do papel fulcral que este século teve para a nossa vida colectiva. O regime liberal que vivemos é tributário de um processo de formação política, social e económica cuja génese radica na centúria de 1800. Todos os vícios e defeitos que reconhecemos ao sistema são identificáveis até em aspectos tão particulares como a política dos empregos. Quem estava no poder tinha a obrigação de arranjar empregos para os amigos. Leia-se o Conde de Abranhos, recebido pela sua “corte” com despeito quando recusou ser ministro (não pelos motivos mais nobres, mas tão-somente por tacticismo político).
No dia 25 de Abril de 1851 foi bem-sucedido um golpe militar no Porto capitaneado pelo Duque de Saldanha e que abriu um novo capítulo na História de Portugal. O pronunciamento pôs termos ao domínio de uma facção do liberalismo português, os cartistas radicais, arregimentados em torno da (polémica) figura de Costa Cabral. A eclosão de um golpe de Estado que afastava uma falange em benefício da outra (os Setembristas) não seria uma novidade e nem sequer aproveitaria à pacificação do sistema político.
A rivalidade entre cartistas (partidários da Carta Constitucional outorgada por D. Pedro IV) e Vintistas - mais tarde apelidados por Setembristas – defensores da Constituição de 1822, muito mais radical (praticamente republicana) e com forte inspiração na constituição espanhola de Cádiz, marcou o período pós-guerra civil e ameaçava eternizar-se ao longo de todo o século XIX até aparecer à frente dos destinos do país aquele a quem chamavam o Pasteleiro-Mor. Pode-se considerar este epíteto bastante ofensivo. Política de pastelaria era o termo utilizado para aqueles que estavam sempre prontos para unir facções desavindas em proveito próprio. No entanto, foi este o rótulo que se colou à pele de Rodrigo da Fonseca Magalhães, embora não faltem outros ainda menos simpáticos como “a raposa”, “leproso político”, etc.
Não obstante, creio que a Rodrigo da Fonseca se pode aplicar a máxima de Wiston Churchill ”nunca tantos devem tanto a tão poucos”, neste caso a este Homem.
Rodrigo da Fonseca nunca teve partido. Era um político que pairava acima da mesquinhez dos interesses particulares das facções que compunham o tabuleiro político e por esse motivo sentia um profundo desprezo por esse submundo de interesses que gravitava em torno do poder.
Esteve por 3 vezes no Governo. Uma efémera passagem nos anos de 1834/35. Já com Costa Cabral, chegou a fazer parte do seu ministério na década seguinte, saindo em ruptura com o líder e a sua política (e também com a forma como a executava) com a qual não se identificava.
A verdadeira marca de água de Rodrigo de Fonseca foi impressa após o tal golpe de 25 de Abril de 1851, quando foi chamado pelo Paço para formar Governo. A Rainha fê-lo a contragosto, nunca escondendo a animosidade que sentia em relação ao Estadista. O próprio Saldanha, executor do golpe, entregou o Governo a Rodrigo porque não sabia o que fazer com ele depois da apoteose com que foi recebido em Lisboa. Nem Saldanha nem Dª Maria II conseguiam formar um governo que fosse a síntese das facções que se continuavam a digladiar: Cartistas e Setembristas – não mencionando a falange miguelista que continuava activa.
Ou seja, Rodrigo foi uma espécie de tábua de salvação, último recurso de duas personalidades que não o tinham em grande conta.
No entanto, Rodrigo conseguiu operar esse verdadeiro milagre, que foi dar estabilidade ao sistema. Começou por não fazer a habitual “limpeza” nos ministérios e funcionalismo público para colocar no seu lugar os apaniguados. Fê-lo com muita parcimónia por forma a não hostilizar nenhuma das facções.
Conseguiu organizar eleições logo em 1852, que foram consideradas as mais justas de sempre. Tal não significa que não tenham existido os habituais condicionamentos, por forma a evitar uma câmara demasiado radicalizada, mas conseguiu manter a serenidade necessária no sistema.
Como não estava em nenhum dos lados da barricada, pôde levar a cabo uma política mais pragmática e menos ideológica, conseguindo com essa postura concitar uma parte significativa do partido Setembrista, onde avultava a figura do grande orador José Estevão, que chegou a comparar a chegada dos caminhos de ferro à dobragem do Cabo da Boa Esperança!
Com esta passagem do Partidos Setembrista para a situação, ou seja para a Regeneração, houve uma fractura que garantiu a estabilidade política e que abriria mais tarde caminho ao rotativismo entre a Regeneração (mais tarde chamado Partido Regenerador) e os Progressistas (nascidos dos cacos do que ficou do partido Setembrista, mais tarde designado por Partido Setembrista Dissidente e que depois viria a ser o Partido Histórico (génese dos Progressistas).
Foi desta forma que se formou um regime constitucional que durou 60 anos (até à República) e que corresponde a um dos períodos de maior progresso na nossa história, muito pela mão de um ministro de Rodrigo, muito pragmático como ele e também com pouca paciência para politiquices, que foi José Maria Fontes Pereira de Melo, pai do chamado Fontismo. Tudo isto devemos a Rodrigo. Valha-nos a rua com o seu nome, parca homenagem para alguém que tanto fez pelo nosso país
Comparar estas 6 décadas de progresso contínuo saídas do 25 de Abril de 1851 (apesar da crise do rotativismo no final do século) com o actual regime, a agonizar 39 anos depois do mesmo dia de 1974, que tornou um pais com oito séculos de História num Estado semi-soberano, em regime de protectorado Internacional, é risível.
Viva o 25 de Abril… de 1851
No dia em que escrevo este post Mario Soares está “vivinho da silva” e com saúde, e espero que a mantenha por bons e largos anos. Quase a atingir o limiar respeitável dos 90 anos, continua com uma vitalidade política invejável, que nos últimos tempos tem girado em torno da ideia peregrina de unir “as esquerdas” para derrubar o governo que, segundo o próprio, é ilegítimo.
Declaração de interesses: reconheço o papel fundamental que Soares teve no Portugal contemporâneo, nos anos quentes do Prec, onde pôs a sua coragem e a sua enorme astúcia política ao serviço da defesa de um regime democrático e pluripartidário, afastando-nos dos modelos de partidos único que o Partido Comunista e os seus derivados – os tais partidos pequeno-burgueses de fachada socialista de que nos falava Cunhal - tentavam impor ao país. No entanto, não valorizo em demasia o papel de Soares na fase dos governos constitucionais onde foi por 3 vezes primeiro-ministro (um péssimo primeiro ministro, por sinal) nem dos 10 anos em que foi inquilino do palácio de Belém, cuja eleição representa a minha primeira memória da política, tinha então 8 anos.Costuma colocar na lapela, como título supremo, o ter sido o pai da adesão à então CEE, embora o seu europeísmo seja mais tardio do que o que por vezes tente passar. Posto isto, vou falar do Mário Soares actual que quer unir os partidos de esquerda para derrubar o actual governo de centro-direita. Diz Soares que ele é ilegítimo, porque não cumpriu promessas, sacrificando o país com impostos atrás de impostos. Diz ainda que o Governo já perdeu a maioria do apoio na sociedade portuguesa e, como tal, deve ser substituído, exortando o actual Chefe do Estado a fazê-lo pela via da dissolução do Parlamento.
Para começar, se fossemos a seguir igual critério, teríamos governos de duração muito semelhante aos da primeira república, onde a média ia, salvo erro, nos 4 meses de duração.
Vamos ao discurso. Concorde-se ou não, podia ser coerente com o percurso e as ideias políticas de Soares, mas desconfio que não seja o caso. O mesmo Mário Soares que é um defensor acérrimo da primeira República. Ele consegue ver virtudes onde qualquer pessoa isenta só consegue ver uma calamidade. Conhecedor como é da matéria saberá que os problemas da primeira república são muito parecidos com os da actual. Pequeno parenteses, para o antigo Chefe do Estado, não estamos na terceira mas sim na segunda república, uma vez que o período designado por Estado Novo não seria uma República mas uma ditadura militar. Argumento original, mas que não tem qualquer sustentação constitucional. Existiu uma república, plasmada na Constituição de 1932, onde se lavrou que Portugal era uma República, sendo a mesma reconhecida por todas as chancelarias com as quais tínhamos relações diplomáticas.
Contagens à parte, na primera república, o problema da dívida externa e do défice das contas públicas era ainda de maior monta do que o actual, no entanto Afonso Costa, o ídolo do Dr. Soares, resolveu-o rapidamente. Fê-lo com alguns instrumentos que hoje certamente reprovaria: aumento brutal de impostos, redução do colégio eleitoral face à monarquia para garantir as maiorias parlamentares, ostracização da população rural, perseguição à igreja, censura à imprensa (completamente livre na monarquia) e criação de uma milícia de caceiteiros - a formiga-branca - que se dedicava a intimidar qualquer movimento insurrecional que surgisse no país.
É este mesmo Soares que aprova a conduta de Afonso Costa que diz que este governo é ilegítimo? Um governo eleito “sem chapeladas”, dispondo de uma maioria parlamentar, garantindo a liberdade de imprensa, de manifestação e de greve.
Para justificar o disparate da tomada de posição de Soares não era preciso ir tão longe, bastava ver os murais, alguns dos quais ainda hoje subsistem, onde se podia ler de Soares o que Moisés não disse do toucinho. Não creio que, na altura, ele considerasse que ocupava ilegitimamente o cargo. Mas agora acha. Parafraseando o próprio: “só os burros é que não mudam”!
O regime democrático e parlamentar que hoje vivemos, não obstante as suas imperfeições, não tem a sua génese no 25 de Abril de 1974, apesar de ser essa a tese que continua a ser difundida urbi et orbi, mas sim na revolução de1820, desencadeada no Porto.
Tinha haviado uma primeira tentativa em 1817, que culminou com o enforcamento de Gomes Freire de Andrade no forte de S. Julião na Barra – apesar de ser general e de, por esse motivo, ter o direito de morrer fusilado, com a honra que o seu estatuto lhe conferia - cuja implicação na conjura nunca foi completamente esclarecida. Não foi o único sentenciado, com os restantes conspiradores a não terem melhor sorte, com as forcas a serem instaladas no Campo de Sant’Ana, rebaptizado de campo Mártires da Mátria, em homenagem aos que ai perderam a vida.
Depois desta primeira tentativa, que tinha por objectivo acabar com a situação aviltante de estarmos, após a Guerra Peninsular, numa situação de protectorado do Reino Unido, três anos depois a revolta triunfa.
Em 1820, aproveitando uma viagem ao Rio de Janeiro do representante máximo da coroa britânica, o General Beresford, para conseguir a formalização de mais poderes junto de D. João VI, um grupo de burguese portuenses, constituído sobretudo por grandes comerciantee e advogados, consegue a sublevação de vários regimentos militares no norte, alastrando o movimento rapidamente a Lisboa.
Apesar da revolta ter sido materializada por militares, a sua posição foi sempre subsidiária face aos verdadeiros líderes, onde pontificavam as figuras de Manuel Fernandes Tomás, Ferreira borges e Silva de Carvalho, homens que viriam a ter um papel decisivo nos primeiros passos do constitucionalismo português.
Se o objectivo expresso foi a libertação da dependência da Inglaterra, este desiderato seria apenas um primeiro impedimento para concretizar o seu projecto político, que vem a plasmar a mudança mais radical jamais operada na nossa história. O detentor do poder, até então unanimemente reconhecido na figura do monarca, passa para as mãos do povo, que, por vontade própria, elege os seus representantes para uma assembleia constituinte encarregue de redigir uma constituição que a todos vincula, começando pelo Rei e pelas altas esferas do clero. Parece um exercício teórico mas na realidade é uma mudança muito profunda no paradigma até então vigente.
Neste processo cometeram-se muitos erros, como sempre sucede nos processos revolucionários, com uma tendência para o extremismo. Foi assim também no 25 de Abril de 1974, com o radicalismo de esquerda.
Voltando à revolução de 1820. Os revoltosos tinham 3 grandes objectivos a orientar a sua acção:
-Conseguir o regresso do Rei (que tinha partido em 1807 para o Brasil, na eminência da invasão das tropas de Junot)
-A elaboração de uma constituição democrática
-O regresso do Brasil à condição de colónia.
Este programa político encerra em si contradições à primeira vista difícies de explicar. O Brasil, onde a corte se tinha instalado, tinha ascendido à condição de Reino, tornando-se Portugal oficialmente o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, numa altura em que a Europa já estava pacificada. Esta condição foi precidida pela abertura dos portos brasileiros às “nações amigas” – entenda-se Inglaterra – sem os quais a Corte nunca teria conseguido o seu plano de tranferência de soberania para o continente americano. Os britânicos eram senhores dos mares, condição que Napoleão nunca conseguiu sequer beliscar – o “bloqueio continental” foi uma consequência da Batalha de Trafalgar, onde os Ingleses bateram as forças navais francesas, e que representou um ponto de inflexão na estratégia de Napoleão, que se traduziu na desistência da tentativa de hegemonia marítima. Os negócios dos britânicos nos portos brasileiros trouxeram grandes prejuízos aos grandes comerciantes portugueses, que detinham até então esse monopólio, a maioia dos quais portuenses, e apoiantes da revolução de 1820, e que viram no movimento revolucionário uma saída para esta situação lesiva dos seus interesses.
Não deixa de impressionar, como é que um regime que se diz liberal pretende algo que vai ao arrepio dos principios básicos do liberalismo. A minha tese é que as motivações dos conspiradores tinham um carácter genuinamente político apenas em parte, sendo, como sempre sucede, contaminados por interesses particulares daqueles que foram os grandes sustentáculos materiais para a concretização do seu plano político.
Cometeram-se outros erros a começar no texto constitucional aprovado em 1822, muito inspirado na Constituição de Cádiz, e cujo carácter radical a votou ao insucesso, sendo fonte de instabilidade, numa primeira fase com os absolutistas (conduzindo a uma guerra civil) e numa segunda com os liberais moderados, arregimentados na Carta Constitucional outorgada por D. Pedro IV.
Não obstante os erros cometidos em 1820, foi este o ponto de partida para o regime constitucional português que entrou numa linha de estabilidade após 1851, com o governo regenerador de Rodrigo da Fonseca Magalhães, e que conheceu o seu estertor na crise do rotativismo entre Regeneradores e Progressistas, que marcou o final da Monarquia.
A chamada reconquista cristã, que teve no nosso primeiro Rei o seu mais conhecido protagonista, foi um processo que teve lugar pouco depois da invasão islâmica de 711, que num espaço de meses ocupa a quase totalidade do território da península (à excepção de uma pequena parcela montanhosa nas Astúrias) e que apenas teve o seu epílogo em 1492, ano em que Colombo chega às Antilhas, com a queda de Granada.
O ponto de partida deste processo moroso costuma situar-se na Batalha de Covadonga, onde Pelágio I, designado líder da facção de Visigodos que se refugia nas Astúrias, à frente de um pequeno contingente consegue vencer os islâmicos numa batalha.
Não deixa de ser curioso que a invasão islâmica se tenha processado em meses, e que a reconquista tenha demorado quase 800 anos. Para termos uma ordem de grandeza, 800 anos é praticamente a idade de Portugal, que é o país mais antigo da Europa! A que se deve esta lentidão?
A resposta não é directa, mas os factores estão bem identificados. A própria invasão foi motivada por uma dissensão entre o Rei Agila e o chamado “usurpador” Rei Rodrigo, último Rei visigótico da península. O Rei Agila, sendo destronado, pediu auxílio às tribos berberes do Norte de África, que por uma questão de simplificação costumamos designar por árabes, mas que seriam na sua maioria constituída por berberes. O líder da invasão foi Tariq Ziad, que efectuou a invasão por Gibraltar (nome em sua homenagem Gebal Tarik, i.e. Porto de Tarik, que deu Gibraltar) e que depois de derrotar o Rei Rodrigo na batalha de Guadalete, progrediu rapidamente para Norte. A existência de um foco de resistência nas Astúrias nunca foi motivo de grande preocupação, pelo que foi tolerado.
A rápida progressão islâmica para norte, aparentemente sem resistência, deve-se à complacência das povoações autóctones. Por um lado, estes nativos, descendentes das civilizações castrejas, não estavam autorizados pelos senhores Visigodos a possuir armas. Estes receavam uma revolta, pelo que apenas eles possuíam armas. Como eram em pequeno número, foram facilmente batidos em retirada pela chusma islâmica proveniente do norte de África.
Por outro lado, apesar de hoje estar envolto de algum romantismo o processo de reconquista-glorificando os feitos dos descendentes dos visigodos que foram conquistando palmos de terra para a cristandade - o que se verificou foi precisamente o contrário. A conquista islâmica foi antes uma libertação, muito mais do que propriamente uma submissão. Os conquistadores eram muito mais tolerantes do que os Visigodos. Tanto cristãos como judeus sefarditas puderam manter a sua religião e os seus costumes, tendo apenas que pagar um imposto. Evidentemente, ao longo destes oito séculos houve momentos em que essa tolerância foi maior e noutros em que foi muito menor, não esquecendo que também existiram perseguições, principalmente aos judeus.
A reconquista cristã beneficiou muito da divisão, a partir do século XI, do antigo califado em pequenos reinos, que costumamos designar por taifas. Estas divisões nem sempre foram marcadas pela animosidade. Era comum estabelecerem-se alianças entre os cristãos e as taifas mouras, que se traduziam no pagamento de um tributo pelos príncipes berberes em troca de tréguas. Este regime de alianças vigorou até tarde. Quando o nosso rei D. Afonso III conquistou as últimas praças algarvias teve que negociar com Afonso X, o Sábio, que era aliado do príncipe berbere. A situação resolveu-se com o casamento do Rei de Portugal com uma filha sua, mãe do Rei D. Dinis, tendo esta aliança a particularidade de configurar um caso de bigamia, porque o Rei era casado com a Condessa de Bolonha, que ainda era viva.
Este regime de tréguas apenas foi com a divisão do Império de Fernando Magno na figura dos seus 3 filhos, Garcia, Sancho e Afonso, que viria a culminar com a hegemonia deste último, pai da Condessa Dona Teresa, coroado imperador como Afonso VI.
Foi com o Imperador que a reconquista assumiu um caracter mais vigoroso, não sendo alheio ao contributo que obteve nobres estrangeiros, que o auxiliaram nas batalhas com as taifas islâmicas. Foi o caso de Dom Raimundo, que casou com a sua filha (legítima) Dª Urraca, e a quem deu o condado da Galiza, e D. Henrique, que casou com Dª Teresa, outra filha sua (esta nascida fora do matrimónio), mãe de D. Afonso Henriques, a quem deu o Condado Portucalense.
Esta política acabou por não surtir o efeito desejado, não fossem as suas pretensões hegemónicas esbarrar com os desejos autonomistas de famílias poderosas que não se queriam pôr debaixo do manto imperial. Este fenómeno foi particularmente intenso na região entre Douro e Minho, autêntico berço da independência portuguesa, que viria a escolher como seu líder um príncipe, neto do imperador, mas já nascido num ambiente fortemente marcado pelo desejo de independência.
Esse percurso foi difícil. Ao problema militar (conquista de território) somou-se a questão do reconhecimento da autonomia face a Leão e Castela, naquilo que foi uma tarefa ciclópica mas concretizada ao longo do reinado do fundador da nacionalidade.
A reconquista na península apenas termina com a queda de Granada em 1492, testa-de-ponte da fé islâmica na península, que se aguentou durante tantos séculos pela facilidade de abastecimento que dispunha através de Gibraltar, á vista do continente africano.
A reconquista cristã não foi, nem nunca será, completa. Ficou a herança cultural, muito mais forte do que por vezes supomos.
Dom Pedro V, que era um homem brilhante mas muito dado a períodos de melancolia e de desânimo, dizia, enquanto príncipe, que não acreditava chegar a Rei. O seu argumento era válido: nunca um primogénito dos Bragança tinha chegado a Rei. Começou logo com o fundador da dinastia, cujo varão, Dom Teodósio, morreu de tuberculose aos 18 anos de idade, deixando o reino numa enorme consternação. Este Dom Teodósio destacou-se por ser um príncipe muito culto mas com uma grande dose de rebeldia, como prova o episódio em que se deslocou, sem autorização do monarca, para a frente de batalha nas campanhas da Restauração. Ficou para a História também por ter esbofeteado o Inquisidor-Mor por discordar de uma condenação sua. Morreu numa profunda agonia, mas de uma forma serena, em 1653, com a única preocupação de não agravar o sofrimento dos pais, principalmente de sua mãe. A sua morte acabou por ser uma catástrofe, porque volvidos três anos espirou o Rei sem um herdeiro à altura, prolongando-se a regência de Dª Luísa de Gusmão.
A subida ao trono de Dom Afonso VI, que era um deficiente profundo, em 1663, depois de afastar a sua mãe da regência, manietado pelo hábil Luís Vasconcelos de Sousa, Conde de Castelo Melhor, foi um drama nacional, com um epílogo a condizer. Na política de alianças que a diplomacia portuguesa se empenhou para legitimar a nova dinastia, conseguiu-se casar o Rei com uma princesa francesa, vagamente parente de Luis XIV, Rei de França. O empenho foi tanto, que se esqueceram de informar Dª Maria Francisca de Sabóia que o Rei era hemiplégico e impotente. A rainha não esteve para os ajustes e entrou em conflito com o Conde de Castelo Melhor e o seu secretário de Estado, António de Sousa Macedo, que dominavam completamente D. Afonso VI. Não suportando mais a sua situação, dá entrada no Convento da Esperança, escrevendo aos cónegos da Sé uma carta onde pedia a anulação do seu casamento por não ter sido consumado. Este episódio desencadeia um golpe palaciano que leva o futuro D. Pedro II para a regência, ao afastamento de Castelo Melhor e ao exílio do Rei nos Açores. D. Pedro seria Rei apenas em 1683, casando-se com a ex-cunhada, embora este casamento não tenha tido descendência varonil.
Do segundo casamento de D. Pedro II, com Maria Sofia de Neuburgo, após a morte de Dª Maria Francisca, nasceria finalmente um varão, que receberia o nome de João, em homenagem ao avô. Não viveria mais do que um par de semanas, mantendo a tradição brigantina de morte prematura dos herdeiros. Nasceria um novo varão, que recebeu o mesmo nome do irmão mais velho, mas que vingou, sendo em 1707 aclamado como D. João V, ficando para a História como o “magnânimo”, por ter sido o grande beneficiário da descoberta das areias auríferas na colónia brasileira.
Dom João V casou-se com uma princesa austríaca, Dª Mariana da Áustria, da qual viria a ter seis filhos, quase tantos como os bastardos nascidos da sua relação com a Madre Paula do Convento de Odivelas.
Apesar da extensa prole, o primeiro filho (por sinal uma menina) nasceu somente três anos após o matrimónio. Esta infanta, a quem deram o nome de Maria Bárbara, viria a ser Rainha de Espanha, e está intimamente ligada à construção do convento de Mafra. Segundo a tradição, a construção daquele magnífico monumento está relacionada com uma promessa de D. João V, pelo nascimento de um herdeiro. O primeiro varão nasceria no ano seguinte, i.e. em 1712, e receberia o nome de Pedro, mais uma vez em homenagem ao avô. Uma vez mais, este herdeiro morreu na infância, recaindo a coroa sobre outro filho de D. João V, que viria a ser D. José I. Curiosamente, outro filho do “magnânimo” receberia o nome de Pedro, e viria a ser D. Pedro III pelo casamento com a sua sobrinha, a futura Dona Maria I.
D. José não teve varões, recaindo a coroa na sua filha mais velha, Dª Maria I. No entanto, parece que o poderoso ministro de D. José, Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro conde de Oeiras e Marquês de Pombal, nunca foi muito apologista desta sucessão, tentando influir junto do Rei para que a coroa fosse herdada pelo filho varão da Princesa do Brasil, D. José. O nome era, uma vez mais, uma homenagem ao avô e, para não variar, este rapaz não chegaria a Rei, apesar de ter casado (com a sua tia) matrimónio do qual não houve descendência. Sucede-lhe o Príncipe D. João, futuro D. João VI, que seria regente do reino, pela incapacidade psíquica que se foi manifestando na sua mãe.
A biografia de D. João VI é bem conhecida, ou não fosse o Rei que, confrontado com a invasão francesa, se exilou no Brasil para manter a soberania portuguesa (ou fugiu, segundo os relatos mais acintosos). Os filhos varões, D. Pedro e D. Miguel, não o são mesmo, ou não fossem os responsáveis pela guerra civil portuguesa, cenário do qual não existia memória desde o século XIII – conflito entre D. Sancho e o futuro D. Afonso III. No entanto D. Pedro, que viria a ser o primeiro imperador do Brasil e Rei de Portugal, não era o primogénito. Esse estatuto era de D. Francisco António, primeiro varão nascido do casamento de D. João com D. Carlota Joaquina, a mais malquista Rainha de Portugal, mas que morreu com apenas 6 anos de idade.
Dom Pedro teve um filho legítimo varão, que viria a ser D. Pedro II, Imperador do Brasil, mas abdicou da coroa portuguesa na sua filha mais velha, Dª Maria da Glória, futura Dº Maria II e mãe de D. Pedro V, o tal que, com este histórico, não acreditava que chegaria a Rei.
No entanto chegou, na sequência da morte de sua mãe em 1853, quando contava apenas 34 anos, a dar á luz o 11º filho. Após uma regência de 2 anos do seu pai, D. Fernando de Saxe Coburgo Gotha, o (re) construtor do Palácio da Pena, Dom Pedro chega a Rei. Casou-se com uma princesa alemã, Dª Estefânia, que ficou no coração do povo, mas que morreu passados poucos meses em Portugal, sucumbindo a uma engina diftérica, provocada pela intensidade da exposição solar, a que não estaria habituada na sua Alemanha natal.
O Rei morreria pouco depois, em 1861, nunca refeito do desgosto pela morte da sua consorte (terá sido o único Rei de Portugal a amar a Raínha), sucedendo-lhe o irmão, D. Luis I.
Dom Luis, que fou cognominado de “O Popular” teve dois filhos e ambos vingaram, mas helás, não receberia o nome do avô, mas do bisavô (e do lado materno) o popular (em Portugal) Carlos Alberto, Rei da Sardenha, e que morreu no Porto, local onde se exilou. Dom Carlos reinou de 1889 até 1908, ano em que foi assassinado no Terreiro do Paço. Não foi a única vítima desse execrando atentado. Com ele morreu o príncipe, o também promissor D. Luís Filipe, também ele primogénito, também ele recebendo o nome do avô Bragança (que era também o nome do Conde de Paris, seu avô materno), e também ele não chegaria a reinar.
Dos príncipes que referi muitos deles chegaram a adultos e foram vistos como esperanças na regeneração do Reino. No entanto, parece que caía sempre um anátema nas esperanças do país, mal que já vinha desde os tempos do príncipe Dom Afonso (filho de D. João II) e de Dom Miguel da Paz (filho de D. Manuel). No entanto, diga
-se em abono da verdade, que devemos sempre relativizar e distinguir as expectativas daquilo que são os resultados. Quem sabe se alguns desses príncipes não teriam o nome na lama se tivessem assumido as rédeas do poder? Quem sabe se essa aura não era mais relativa ao chamado “estado de graça” que ocorre sempre nos primeiros tempos da governação (ontem como hoje)? Quem sabe se Dom Pedro V, que era um Rei pouco dado à pose de monarca constitucional e apagado (como foi o seu irmão), não teria tido o mesmo destino do seu sobrinho Dom Carlos? Também o penúltimo Rei de Portugal foi visto como a esperança da nação. Era o Príncipe da ideia nova, que concitou em seu torno vultos de monta no nosso país como foi o caso de Oliveira Martins. Também ele acabou menos popular do que começou, apesar de ter sido um grande Rei.
A mulher à qual dedico este texto é uma das “portuguesas” mais célebres de sempre. No que respeita a rainhas, só “perderá” para a Rainha Santa Isabel, na memória colectiva do povo português. Chamei-lhe portuguesa, mas no título escrevi que seria andaluza. Não se trata de uma incongruência. Em primeiro lugar porque as rainhas de Portugal adquiriam automaticamente a nacionalidade portuguesa e também porque esta espanhola de nascimento foi portuguesíssima na sua acção, sempre determinada, para garantir a independência da sua pátria de adopção, precisamente face à sua de nascimento. Falo de Dª Luísa de Gusmão, rainha consorte, mulher de D. João IV e regente de Portugal num período muito difícil da guerra de Restauração.
Dª Luísa era oriunda de uma família da mais alta nobreza espanhola. Em termos comparativos, a família Gusmão, titular do ducado de Medina Sidónia, estava para Espanha como os Bragança estavam para Portugal. Citando a máxima brigantina “Depois de Vós, Nós”, ou seja, consideravam-se os principais fidalgos do reino depois da própria família real. Foi no seio desta família poderosa que a jovem Luísa cresceu e viveu até se casar com o então Duque de Bragança, D. João II, futuro D. João IV como Rei de Portugal.
Foi precisamente o episódio da Restauração que lhe conferiu um lugar de destaque na História de Portugal. A seguir ao célebre “enterrem-se os mortos e cuidem-se dos vivos” atribuído a Pombal, a frase que a rainha supostamente proferiu na, também, suposta hesitação do duque em assumir os destinos de Portugal – “mais vale viver reinando que morrer servindo” tornou-se na segunda frase mais citada da nossa História. Na mesma forma que Pombal nunca proferiu a dita frase, provavelmente a rainha também não terá sido tão contundente, principalmente se tivermos em conta a incerteza e o risco que a empresa envolvia. No entanto, nestas frases, mais do que saber se foram ou não ditas, perduram no tempo porque as suas acções foram consequentes. Se Pombal conseguiu reerguer Lisboa das cinzas (literalmente). Dª Luísa foi um forte alicerce da nossa independência, mesmo sabendo que a sua conduta a privava para sempre de contactar com a sua família que permanecia na Andaluzia. O seu irmão, D. Gaspar, que a acompanhou a Portugal para celebrar o casamento com D. João, e que sucedeu a seu pai como Duque de Medina Sidónia, pagou bem caro o arrojo. Na sequência da revolta da Catalunha, ponto de partida para a revolução portuguesa, também D. Gaspar teve o sonho de uma Andaluzia independente. O sonho independentista resultou na perda do ducado.
Voltando a Portugal, Dª Luísa mudou-se da pacata Vila Viçosa para Lisboa em 1641, no ano da revolta de seu irmão, e teve que se adaptar a uma nova realidade. Depois de sessenta anos sem corte, Lisboa perdera o seu carácter cosmopolita. Vivíamos no tempo da “Corte na Aldeia”, citando Rodrigues Lobo, do qual o Duque de Bragança, arredado até aí no Alentejo profundo, constituía um fiel retrato. Não deve ter sido fácil a adaptação, mas a rainha rapidamente empreendeu uma obra de restauração do antigo protocolo régio, por forma a dignificar a nova dinastia. Foi uma mãe protectora e presente na educação dos seus filhos, embora me veja forçado a aceitar a tese de que o forte investimento na formação do príncipe herdeiro, Dom Teodósio, não se alargou aos seus irmãos mais novos, os futuros Afonso VI e Pedro II. Nos filhos sobreviventes, destaca-se ainda Dona Catarina, futura rainha de Inglaterra pelo casamento com o também restaurado trono britânico, pela mão de Carlos II Stuart, e Dona Joana, cujos relatos nos indicam que a sua condição psíquica não andaria muito longe da atribuída ao futuro D. Afonso VI.
D Luisa foi uma mulher firme, e com um sentido de dever fortíssimo como comprova o episódio em que negou o pedido de clemência à Duquesa de Vila Real, para que o Rei poupasse a vida ao marido, envolvido na revolta de 1641 (que se destinava a matar o Rei). A Rainha recusou qualquer clemência e foi firme a pedir a pena de morte para os traidores, contrastando, segundo fontes da época, com a maior benevolência do Rei.
Não sabemos muito sobre a vida palaciana da Rainha, nem como enfrentou os dissabores próprios das rainhas (e não só) confrontadas com a corte de amantes dos reis, mas nunca deu mostras de vacilar. Nem quando o infortúnio lhe bateu à porta, em 1653, ano em que perdeu o seu filho predilecto, o promissor D. Teodósio, Príncipe Herdeiro, e a sua filha Joana. Três anos mais tarde, o próprio Rei despediu-se deste mundo. Foi neste momento difícil que, por disposição testamentária do seu marido, assumiu a regência, tendo a responsabilidade de liderar os destinos de um país em guerra com a sua própria pátria de baptismo. Fê-lo com superioridade, embora tivesse que contar com a animosidade dos partidos que se formaram. O principal ponto de discórdia era precisamente a sucessão no trono. Com a morte do preparadíssimo D. Teodósio, a coroa portuguesa estava destinada ao hemiplégico Príncipe D. Afonso. Foi por esse motivo que a sua regência se prolongou. O dilema sobre a capacidade do príncipe não deve ter saído da sua cabeça um único dia desde a morte de D. Teodósio. O problema de D. Afonso, diga-se em abono da verdade, não seria apenas físico. Segundo fontes coevas, os sinais de indisciplina e desbragamento manifestados no filho mais velho eram extensíveis ao futuro D. Pedro II. Este facto reforça a minha opinião de que a educação dos infantes foi negligenciada, porque a luz que emanava de Dom Teodósio, não levaria a supor que nenhuma responsabilidade de maior cairia sobre os infantes.
A historiografia de oitocentos (e também a actual) questiona se não terá Dª Luísa beneficiado o filho mais novo, pelo facto de lhe ter montado casa, por sinal um palácio que podia ombrear em prestígio e séquito com o próprio palácio real, e pelo facto de ter prolongado a regência até ao limite.
Eu acho que não. O que a rainha tentou através do golpe palaciano de 1662 foi afastar os prevaricadores que se aproveitavam da debilidade do futuro Rei para retirar daí proveitos próprios. Foi o afastamento dos irmãos Conti, favoritos do Rei, que foram enviados nas galés para o Ultramar, que concitou a ira régia. Estes Conti, eram mercadores italianos que se divertiam com o Rei nas saídas nocturnas onde provocavam desacatos e desordens nada condicentes com a dignidade régia. Com a saída de cena dos Conti, Dª Luisa demonstra que não quis tirar a coroa a seu filho para dar ao filho mais novo, mas apenas continuar o seu trabalho para o preparar para reinar.
Não foi esse o entendimento de alguns nobres, que não ficaram satisfeitos com o golpe palaciano da Rainha, talvez por verem na debilidade do Rei uma oportunidade para eles próprios assumirem o poder. Foi o caso de D. Luis de Vasconcelos e Sousa, Conde de Castelo Melhor, que na sequência deste golpe preparou um contra-golpe, que viria a ser bem-sucedido. Levou o Rei para Alcântara e obrigou a regente a entregar-lhe o poder. A Raínha tentou demover o filho, como prova a troca epistolar que ainda hoje se conserva, mas o rei (ou quem o manietava) foi inflexível, naquilo que ficou conhecido como a Aclamação de Alcântara de 1663. Dª Luísa acabou por entregar-lhe o poder voluntariamente, embora fosse sempre vista com desconfiança pelos apaniguados do Rei.
Sozinha, sem a filha Catarina que partira em 1662 para Inglaterra, a Raínha manteve-se no Paço, onde não lhe terão faltado vexames provocados pelo séquito do Rei, que viam na presença da ex-regente uma ameaça à sua influência. A Rainha acabou por mudar-se para o Convento dos Grilos, onde veio a falecer no anonimato em 1666, com a provecta idade de 53 anos.
Devemos muito a esta Rainha.
Há uns anos escrevi um post sobre as origens do Natal, e na altura comecei por explicar as origens pagãs desta celebração. Também a Páscoa se perde na memória dos tempos, muito antes das religiões judaica e cristã lhes conferirem uma espiritualidade que até então não tinha.
O Natal e a Pascoa estão associados a dois fenómenos astronómicos, desconhecidos dos povos da antiguidade, aos quais atribuíam um significado especial, uma espécie de dádiva de esperança. O solstício de Inverno, celebrado na data aproximada do Natal, era o momento em que os dias deixavam de minguar, evitando a noite permanente, as trevas. Por seu turno, a Páscoa coincide com o equinócio da Primavera, i.e, quando os dias são iguais às noites. Ou seja, é o momento do renascimento e da fertilidade.
A estes fenómenos astronómicos, as religiões souberam atribuir significado embora, como explicarei, as raízes pagãs continuem a ser visíveis nos símbolos que ainda hoje utilizamos para esta celebração.
A primeira religião a celebrar a Páscoa foi a Judaica. O próprio Jesus Cristo dirigiu-se a Jerusalém no ano de 33 d.c. para celebrar a Páscoa Judaica, na qual a última ceia – que era uma ceia pascal – é a imagem mais conhecida.
A Pascoa Judaica celebra a passagem do povo judeu que estava cativo no Egipto dos faraós até à Terra Santa. Os judeus tinham emigrado livremente de Canã, actual Palestina, para o Egipto à procura de terrenos férteis que os livrassem da fome. Contudo, com o passar dos anos, viram-se confinados à condição de escravos. Foi então que o próprio Deus aparece sob a forma de uma sarça-ardente a Moisés, o primeiro messias do Pentateuco, e lhe ordena que liberte o Povo Escolhido (e não eleito como por vezes se escreve) e os leve até à terra prometida. O Faraó negou a Moisés essa libertação, mas teve que ceder perante as pragas que se abateram sobre o povo egípcio. Moisés guiou o seu povo, através do deserto, até Jerusalém, mas não o fez pelo caminho mais curto. Bem pelo contrário, num percurso que poderia fazer numa semana, demorou 40 anos. Porquê? Moisés explicou ao povo que o seguia que era para evitar os perigos, mas a verdade é que ele tinha perfeita noção que um povo submetido durante tanto tempo à escravatura não estava preparado para ser livre. Os 40 anos, era o tempo de morrerem os mais velhos, aqueles que tinham a memória da escravatura, confiando nos filhos destes para construir uma sociedade nova. Não terão tido certamente a longevidade de Moisés, que segundo as sagradas escrituras morreu com a provecta idade de 120 anos. Foi durante este percurso que Moisés, subindo ao Monte Sinai, escreveu a Torah, ditada pelo próprio Deus.
Esta era a Páscoa que Jesus Cristo celebrou na sua Palestina. Foi com esse intuito que entrou em Jerusalém num Domingo, sendo celebrado com ramos de Oliveira, anunciado como o novo messias. Nessa semana os ecos da boa-nova geraram um grande desconforto junto das entidades judaicas (à época sob dominação romana) e que levaram à sua condenação e crucificação no Monte Calvário, depois da traição de Judas Iscariotes e da contemplação de Pôncio Pilatos.
Parece incongruente, celebrar a festa da vida com a morte de Jesus, no entanto o que se evoca não é a morte física mas a sua ressurreição ao terceiro dia, e ao nascimento de uma nova vida, já sem a sua vinculação terrena.
É a Paixão de Cristo que os cristãos celebram, mas curiosamente o símbolo pascal mais conhecido não é o crucifixo, mas antes as amêndoas, os ovos e os coelhos de chocolate. A explicação é simples. A simbologia religiosa não conseguiu anular completamente o primitivo significado pagão, associado à vida e á fertilidade. Os coelhos e os ovos representam precisamente essa fertilidade, essa esperança no valor da vida, e que se exprime na primavera.
Feliz Páscoa
Não tivesse como rotina, principalmente às sextas-feiras, ir a Campo de Ourique buscar o meu filho à escola e, provavelmente, nunca me teria surgido a ideia de escrever este texto, apesar da plena consciência da reflexão que aqui aduzirei. Habitualmente passo pela Rua Coelho da Rocha, onde está sediada a Fundação Fernando Pessoa, última morada do escritor no reino dos vivos. Um pouco mais à frente, a umas escassas centenas de metros, fica a Igreja do Santo Condestável, a última morada de Nuno Alvares (no reino dos mortos).
Numa associação rápida realizei algo que até então me tinha passado em claro. A Casa Fernando Pessoa, criada para homenagear o grande poeta, apenas existe porque no século XIV existiu um herói que, contra a opinião dominante, ousou acreditar que era possível manter Portugal como um país livre e independente. Acreditou que conseguíamos, com a nossa força e tenacidade, vencer o arrogante castelhano que nos queria submeter. Foi este herói que abriu caminho para a Dinastia de Avis, obreira da expansão portuguesa, que nos elevou à condição de potência planetária, percursora da globalização. Foi sob o manto e a coroa de monarcas de Avis que explorámos a Costa de África e chegámos à Índia. Não satisfeitos, descobrimos e colonizámos o Brasil. Ninguém conseguiu exprimir esta obra de forma tão bela como Camões:
De África tem marítimos assentos
É na ásia mais que todas soberana
Na quarta parte nova os campos ara
E, se mais mundo houvera, lá chegara
Camões não sabia que existia Oceânia, mas também nesse continente deixámos um legado histórico. Hoje não oferece dúvidas que foram os portugueses, talvez Cristóvão de Mendonça, os primeiros ocidentais a pisar solo Australiano.
Fernando Pesssoa, tal como Camões, deve a sua glória (em ambos os casos póstuma) à singularidade de conseguirem criar uma obra em português, para falantes de português e com um poder político constituído por portugueses. Fossemos nós apenas uma região espanhola, mesmo que conservássemos uma língua própria, sempre subalterna face à língua franca que seria inevitavelmente o castelhano (como sucede nas regiões espanholas, como por exemplo na Catalunha), e nunca Camões e Fernando Pessoa teriam expressão. O primeiro porque a sua obra, profundamente nacionalista e encomiástica face à nação portuguesa, não teria fonte de inspiração se perdêssemos em Aljubarrota e não tivéssemos expansão. Não existiriam na galeria dos heróis homens como Afonso de Albuquerque, Duarte Pacheco ou Vasco da Gama – para não falar do próprio Nuno Alvares.
O segundo provavelmente não deixaria de ser um grande poeta mas em língua inglesa, não estivesse o seu inegável talento já plasmado nos seus poemas de juventude, escritos na língua de Shakespeare, idioma que dominava completamente devido à sua estadia na África do Sul.
Seria injusto evocar apenas a obra épica no legado dos nossos dois maiores poetas. Na lírica camoniana a Canção X, profundamente autobiográfica, seria uma obra-prima em qualquer língua, embora o seu interesse seja concitado principalmente pela tentativa de compreender melhor o poeta, cuja passagem pelo mundo foi bastante parca em documentos.
Pessoa deixou-nos uma arca com milhares de páginas, cujo alcance ainda demorará muitas décadas a apurar. Bastaria evocar o verso de Ricardo Reis, que adoptei como autêntico lema de vida - “Para ser grande, sê inteiro” – para exemplificar o alcance da sua obra.
Não é só Pessoa e Camões que devem a sua obra a homens da gesta de Nuno Alvares. Somos todos nós, que temos esta dívida pelo herói dos heróis portugueses. É a importância deste legado que não me cansarei de evocar ao longo da vida.
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