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Terça-feira, 25 de Março de 2008

Alfredo da Silva - Do Banco Lusitano à República



No post anterior considerei Alfredo da Silva o primeiro empresário português, no sentido moderno do termo. Não lhe chamo industrial por a sua vida empresarial ir muito para além da indústria, embora esta fosse a sua maior paixão. Paradoxalmente, pouco se conhece e menos conhecem a vida deste empreendedor que parece esquecido no imaginário dos portugueses. Avanço dois motivos:

-Por se considerar que a política de condicionamento industrial salazarista lhe retirou grande parte do mérito que lhe seria devido.

-Por ser uma figura longínqua no tempo, face aos "jovens" que lhe sucederam.

O primeiro motivo é desmentido pela sua biografia, pois ele criou o seu império muito antes da subida à chefia do governo de Oliveira Salazar. O segundo motivo talvez explique em parte a omissão, no entanto esta regra não se aplicou ao seu contemporâneo Alves dos Reis, famoso burlão que Alfredo da Silva desmascarou através das páginas do "Século".

Alfredo da Silva é oriundo de uma família pequeno-burguesa, com estabelecimentos comerciais na baixa pombalina. Muito cedo ficou orfão de pai, passando o seu tio paterno, Alexandre, a constituir a sua maior referência. No entanto, o jovem Alfredo desde cedo mostrou que iria quebrar essa regra de família. Tinha ambições que não cabiam nas “gaiolas” pombalinas e o facto de ter herdado algumas participações em empresas, constituiu a sua oportunidade de se emancipar. Ainda estudante, começou a participar nas assembleias gerais de accionistas das empresas onde detinha acções. O seu estilo desafiador, contestatário, polémico e por vezes de uma grande agressividade, veio contrastar com a solenidade habitual nestas reuniões, grangeando-lhe alguns ódios de estimação. Na sua primeira intervenção, após “arrasar” com os administradores do banco, ameaçou à bengalada quem o impedia de usar da palavra, tendo sido expulso da sala. Com esta postura, este jovem arrivista foi visto com grande desconfiança pelas elites estabelecidas. Não obstante, foi concitando apoios até chegar a director do banco. Para além do banco, Alfredo da Silva também desempenhou cargos de relevância na Carris, onde teve por missão estudar as formas alternativas à tracção animal . Seria Alfredo da Silva o director da Carris quando, em 1901, são introduzidos os eléctricos. Embora pereçam experiências diferentes, foi através da participação nestas duas empresas que a sua vida empresarial haveria de tomar forma. O Banco Lusitano abriu-lhe as portas da CAF – Companhia Aliança Fabril. A Carris, através de Henry Burnay , haveria de lhe abrir as portas do seu grande projecto – a CUF.

A CAF era uma empresa química situada no baluarte de Alcântara, com créditos malparados junto do Banco Lusitano. Depressa essa dívida se converteu numa participação no capital da empresa até ao seu controle, sob a égide de Alfredo da Silva. A empresa expandiu-se, através da construção de uma nova fábrica na Av. 24 de Julho (fábrica Sol), mas Alfredo da Silva sonhava com uma fusão com a arqui-rival CUF, de Henry Burnay, cuja fábrica também se situava em Alcântara. Burnay, que o conhecia na condição de accionista na Carris, mostrou receptividade à ideia de fusão, que se haveria de concretizar em 1898.

Depressa Alcântara começou a ser insuficiente para o volume de produção previsto com a entrada na indústria dos adubos, aproveitando os incentivo concedidos pelo ministério progressista de José Luciano de Castro – a chamada “Lei da Fome”. A aposta recaiu na construção de uma unidade de média dimensão em Alferrarede e a construção de um colosso industrial que haveria de mudar a face de uma pequena vila piscatória na margem direita do Tejo: o Barreiro.

Antes da inauguração do complexo do Barreiro, Alfredo da Silva teve a primeira das três participações políticas da sua vida. Foi em 1906 quando apoiou o “dissidente” João Franco no seu novo partido: o Regenerador Liberal.

Foi também o primeiro momento em que o industrial viu a sua vida em perigo. O episódio ocorreu na inauguração da sede do Partido Regenerador Liberal no “republicaníssimo” bairro de Alcântara. O Rei D. Carlos costumava contar, em jeito de blague, que “era o único monárquico na freguesia de Alcântara (o Rei residia no Palácio das Necessidades). A inauguração da sede foi ensombrada pelo protesto “organizado” e violento, que obrigou Alfredo da Silva a usar da sua arma para evitar o linchamento de João Franco e de si próprio. A segunda participação política foi durante o sidonismo e a terceira junto da câmara corporativa de Salazar (que o ajudou a salvar a Casa Totta da falência).

A actividade como político foi sempre subsidiária da sua condição de empresário.A sua participação política teve sempre por base o lobbyng, e na sua convicção da importância da participação das corporações industriais nas decisões estruturantes para o país. Foi esta mensagem que ele “bebeu” em João franco, que se propunha renovar um sistema partidário que ia apodrecendo no rotativismo entre regeneradores e progressistas. Na demagogia proto-fascista de Sidónio viu uma salvação para o descalabro da 1ªRepública. Em Salazar viu um regime com que sempre sonhou: proteccionista, defensor da ordem e facilitador da vida dos empresário (os benquistos evidentemente).

Quando chegou a República, o Barreiro funcionava em pleno. Alferrarede também se tinha mostrado uma boa aposta. Foi a primavera da sua vida empresarial.

publicado por Rui Romão às 12:26
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Segunda-feira, 10 de Março de 2008

Portugal e o Capitalismo

 

A fragilidade estrutural do nosso tecido económico não é novidade para ninguém. A nossa revolução industrial começou tarde, vivemos num estado de não-Estado (passo o pleonasmo) entre  1910 e 1926, tivemos o condicionamento industrial até 1974 , seguiram-se as nacionalizações revolucionárias, ou seja pior era impossível. Bem vistas as coisas, entramos na economia de mercado em finais da década de 80 (!) com as reprivatizações cavaquistas, quando os países mais avançados entraram no início do século XIX.

É certo que existem os chamados "milagres económicos", dos quais foram percursores japoneses e alemães, nações renascidas das cinzas da guerra, na década de 80 começou-se a falar nos Tigres Asiáticos, e no final de 90 nos BRIC.

No entanto estes exemplos são meros epifenómenos, condicionados por condições específicas que não são fáceis de reproduzir.

A questão da fraca iniciativa empresarial no nosso país explica-se por todos estes factores conjunturais, mas creio que não explicam tudo. A análise mais célebre no domínio socio-psicológico da mentalidade capitalista "Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo", do eminente sociólogo Max Weber, explica a assimetria empreendedora pela religião, apresenta como óbice ao desenvolvimento do capitalismo a religião católica, expressa no conhecido adágio popular "mais depressa passa um camelo pelo buraco de uma agulha do que um rico no reino dos ceus". Antero de Quental, um dos pais do socialismo português, identificou a religião católica e o sistema monárquico como a causa da "decadência" dos paises ibéricos.

Ambos os argumentos caem por terra ao analisarmos a monárquica (ou pelo menos juancarlista) e católica Espanha, com taxas de desenvolvimento que a colocará porventura, numa década, nas 5 primeiras economias do mundo.

Numa análise à la légere, no século XX tivemos apenas 3 capitalistas dignos desse nome: Alfredo da Silva, António Champallimaud e Belmiro de Azevedo. Hesito em considerar Américo Amorim neste lote, contudo se tivesse que escolher um 4º nome seria sem duvida sobre si que recairia a minha escolha.

De todos estes nomes, o que mais me fascina é sem dúvida o primeiro. Alfredo da Silva é muito justamente considerado o primeiro empresário português. A sua obra foi reconhecida ao ponto de merecer a honra de figurar na toponimia e estatuária do Barreiro. Não deixa de ser paradoxal que, no século passado, a cidade com maior concentração operária do país tenha rendido homenagem ao expoente máximo do capitalismo. Farei, no próximo post, uma breve análise à sua biografia.

publicado por Rui Romão às 17:00
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A História da Nossa Terra

A história dos países não se resume a grandes façanhas, como sejam revoltas, batalhas, conquistas,etc. A estrutura social não se transforma apenas com efemérides, com lugar garantido nas cronologias dos manuais de História. Para além desta "macro-história" existe uma história mais paroquial, mais próxima do cidadão comum, que contribui na mesma proporção destes factos marcantes para a evolução estrutural das sociedades. Neste sentido, entendo a História como um emaranhado de acontecimentos, alguns  factuais, narrados e escritos, outros que apenas figuram na crença, no mito, no mais puro imaterialismo. Uns marcantes, como a crise de 1383-1385 ou as revoltas liberais, outros mais ou menos votados ao anonimato, como a história local. No fundo, como uma mão invisível, transformam diariamente a nossa mundiviência, e isso repercute-se na forma como nos relacionamos com o meio, numa vertente mais lata, englobando a vertente social, política, económica e cultural.

Os grandes acontecimentos históricos do país estão à distância de qualquer manual de história, e estes são aos milhares. Monografias, cronologias, obras gerais, é profusa a oferta neste domínio. Contudo, existe um grande calcanhar de Aquiles na historiografia portuguesa, que se prende com a história local. Se porventura fosse feito um inquérito aos munícipes, quantos conheceriam a história da sua terra? Duvido que infelizmente não seriam a maioria.

Pessoalmente, tenho tido um percurso oposto ao que era comum até há um par de anos. Regra geral, nascia-se numa aldeia, partia-se depois para a vila ou capital de distrito mais próxima e depois uma grande cidade como Lisboa seria a última paragem.

Pelo contrário eu nasci e vivi a minha infância no centro de Lisboa. Na varanda da Avenida 24 de Julho, onde outrora se localizava o Aterro da Boavista, local amplamente divulgado nas obras-primas queirosianas, nasci para o mundo. Aos 10 anos a minha família mudou-se para o Dafundo, local não menos citado por Eça de Queiros, e, recentemente, fui residir para a Aldeia da Quinta do Anjo, no concelho de Palmela. Inverti a lógica Aldeia-Vila-Cidade para Cidade-Vila-Aldeia, embora um dia, provavelmente, regressarei a Lisboa, aquela que será sempre a minha terra. 

Confesso que a minha "diáspora" colocou desafios crescentes à minha capacidade de comprender o espírito da terra, mais do que uma história cronologicamente memorizada.

Quanto a Lisboa, a informação é abundante. O Dafundo já tem um leque muito mais restrito de informação, mas também igualmente cativante na prosa de Eça de Queirós. Talvez por esse facto, e pela sua mestria no retrato social, seja o meu autor de eleição e a charneira entre as minhas primeiras residências.

No caso da Quinta do Anjo, tomei conhecimento há pouco de uma obra da autoria de um "Montanhão", assim se designam os naturais da Quinta do Anjo, de seu nome Fortuna Matos, que no entanto não obedece, na minha humilde opinião, aos critérios de clareza que se impunham.

Contudo vou continuar esta minha pesquisa pela procura do meu Stº Graal, prometendo em tempo oportuno, escrever um texto exclusivamente dedicado à história da Quinta do Anjo.

Será o meu pequeno contributo para a história local, tão maltratada que está em Portugal

  

publicado por Rui Romão às 13:12
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