. Viva o 25 de Abril...de 1...
. Mário Soares e a III (ou ...
. O Longo Processo de Recon...
. A Maldição dos Primogénit...
. Uma Andaluza à Frente dos...
. A Páscoa
Escrevo este post no Castelo de Palmela. Confesso que tinha em mente escrever sobre um de dois temas: ou sobre a escravatura ou sobre os portugueses no oriente. No entanto, perante este cenário magnífico, decidi que estes assuntos ficariam para outra oportunidade.
Olho para este monumento, forjado num outeiro acidentado com uma vista deslumbrante até Lisboa, e a minha pulsão é falar do cerco de Lisboa de 1384 e dos sinais de encorajamento que daqui foram emitidos pelo então fronteiro-mor do Alentejo, D. Nuno Álvares Pereira.
Apetece-me falar da Ordem de Santiago, cuja cabeça se situou aqui até à abolição das ordens religiosas. Por curiosidade, ainda hoje o chefe de Estado, como grão-mestre das ordens honoríficas portuguesas, ostenta a banda das três ordens no seu traje de gala. Erroneamente, pensa-se que a ligação ao verde e vermelho provém da bandeira da república. No entanto, ela já foi usada pelos reis de Portugal, conhecendo-se retratos ou fotografias de vários deles, começando por D. Maria I e acabando em D. Manuel II.
Quanto ao seu significado, a lista vermelha representa a Ordem de Cristo, a verde a de Aviz e a púrpura a de Santiago.
Voltando ao castelo, à sua ilharga situava-se o antigo convento, actualmente trasformado numa pousada histórica, integrando num conjunto museológico bem organizado, abrangendo um período histórico anterior ao cristianismo, com vários núcleos arqueológicos.
Foi neste castelo que nasceu e cresceu o conhecido africanista Hermenegildo Capelo. Seu pai era governador do castelo e desde cedo, porventura por influência do legado da ordem de Santiago, interessou-se pelas possessões ultramarinas portuguesas, fazendo parte da geração de portugueses que começaram a olhar para África como o novo Brasil. Foi o espirito da época que forjou o estilo arquitectónico neo-manuelino (cujos símbolos máximos foram a Estação do Rossio e o Palácio do Buçaco), a criação da Sociedade de Geografia (os "protegidos" nas palavras de João da Ega) e a exploração do interior do continente africano, porque até então os portugueses apenas conheciam a costa. Para este novo impulso colonizador muito contribui a ordem internacional que se desenhava, com as potências europeias que não tinham até então constituido um império a cobiçar as colónias alheias, como seria o caso da Alemanha, Itália, ou mesmo da Bélgica.
Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens cruzaram África de Angola à contra-costa, numa viagem que serviu de inspiração ao esboço do célebre mapa côr de rosa e do consequente ultimato inglês, que haveria de marcar o início do reinado de D. Carlos.
Estando no Castelo de Palmela, não podia deixar de mencionar um acontecimento menos agradável da nossa História e cujo protagonista foi alguém que tanto admiro, como é possível constatar no post anterior. Refiro-me a D. João II. Na sua luta sem quartel pela restauração do poder da coroa, desbaratado por seu pai, o pusilânime D. Afonso V, o Príncipe Perfeito lutou contra o poder desmesurados que a fidalguia detinha, acumulado graças à generosidade de seu pai. Atribui-se a D. João II a frase "o meu pai só me deixou as estradas do reino para governar", que se não for verídica pode-lo-ia ter sido porque sintetiza na perfeição a política do "Africano".
Reforçar o poder real implicava retira-lo à alta nobreza, e esta, como seria de esperar, reagiu prontamente.
D. João II teve suspeitas, aparentemente fundamentadas, de uma conspiração que tinha sido urdida para o asassinar e passou ao contra-ataque. O episódio mais conhecido foi a morte à machadada do Duque de Bragança, D. Fernando II, na Praça do Giraldo, em Évora. Mas o "tiro de partida" deste confronto teve lugar aqui em Palmela, onde se encontrava D. Diogo, Duque de Viseu, cunhado e primo direito do monarca. D. João II estava em Setúbal e mandou chamar D. Diogo. Na presença do Rei, foi acusado de participar na conjura, que este negou até ao fim, mas não terá sido suficiente eloquente, porquanto o Rei fez justiça pelas suas próprias mãos, matando-o à punhalada.
Não podemos rescrever a história. Ela é o que é, com as suas glórias e as suas misérias, mas existe sempre espaço para esse lugar desconhecido que é a mente e a motivação que leva os homens a determinadas acções. É por isso que é tão difícil julgar de que lado estava a razão.
Em 1998 celebraram-se os 500 anos da chegada da armada de Vasco da Gama à Índia. Acontecimento ímpar na História da humanidade, teve direito a uma magnífica exposição a que nenhum português ficou indiferente. No entanto, por paradoxal que seja, no meio do turbilhão que foi a Expo 98 pouco se falou desta epopeia e das suas implicações para a civilização que hoje conhecemos. Infelizmente, perdeu-se uma oportunidade ímpar para se dar a conhecer a missão civilizadora dos portugueses, que substitua de vez os tristes clichés que aprendemos na escola e sobre os quais não se discute, como se fossem vacas sagradas.
São esses dogmas que em vez de nos enriquecerem nos empobrecem, impedindo que vejamos para além das consequências materiais dos descobrimentos.
Comecemos pelo papel do Infante D. Henrique. Pessoalmente, considero que a sua figura está muito sobrevalorizada na historiografia actual, chegando ao ponto de se inventar uma escola (a famosa Escola de Sagres) que na realidade nunca existiu. O seu papel na exploração da costa africana só se verificou quando estas começaram a ser lucrativas, o que apenas sucede com a colonização da Madeira (e não descoberta como incorrectamente vem nos manuais) e o tráfico de escravos das costas africanas para trabalhar nas plantações de cana-de-açucar. Até então, o Infante dedicava-se à "gestão" da sua frota de corso, que equivale a dizer à pirataria de Estado. Não foi o único, o seu irmão, o Infante D. Pedro, cujo papel na exploração da costa africana é no mínimo tão importante como a do Infante de Sagres, também tinha a sua frota particular que se movimentava no Mediterrâneo.
Com isto não desvalorizo o papel das descobertas henriquinas, mas terão que ser relativizadas. Quando o Infante morreu, em 1460, o limite da exploração da costa africana estava na Serra Leoa (viagem de Pero de Sintra), ou seja ainda não tinha sido explorada metade da costa africana pelo lado do Atlântico.
O verdadeiro impulso foi dado pelo Príncipe Perfeito, homem superior, muito à frente do seu tempo, e cujo vigor foi decisivo para atingirmos o marco da passagem do antigo Cabo das Tormentas, baptizado da Boa Esperança por D. João II, com a viagem de Bartolomeu Dias de 1484.
A própria descoberta do Brasil, não a oficial mas a efectiva, ter-se-á realizado no reinado de D. João II. Provavelmente sob o comando de Duarte Pacheco Pereira, o "Aquiles Lusitano" nas palavras de Camões e um dos portugueses mais esquecidos e injustiçados pelos ventos da história, chegámos à costa do novo mundo. Esta descoberta não foi porventura oficializada porque faltava assinar o tratado que consagrasse à luz do direito internacional este novo território como possessão portuguesa. Este acordo apenas foi conseguido através do tratado de Tordesilhas, que substitui o tratado de Alcáçovas, e no qual ficou acordada uma latitude que colocava o Brasil na esfera portuguesa.
No entanto, mesmo não sabendo deste antecedente, seria plausível que a armada de Pedro Álvares Cabral percorresse aquela rota para chegar à Índia (mesmo sabendo que a navegação era feita longe da costa por questões de segurança e para aproveitar os ventos alíseos) e que depois de tamanha "descoberta" seguisse em direcção à Índia via rota do cabo, como se nada de significativo tivesse ocorrido? É óbvio que se tratou de uma viagem de soberania porque a descoberta estava feita, sendo apenas necessário chegar primeiro do que os Espanhois para que o Tratado de Tordesilhas não fosse obnubilado pelo poder normativo dos factos.
Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e sobretudo D. Manuel tiveram o seu mérito, mas sobretudo um legado imenso. Como disse Isaac Newton, "If I have seen further it is by standing on the shoulders of giants". D. Manuel teve a ventura de suceder a este Homem e de colher os louros que lhe eram devidos em vida.
No entanto, na minha opinião, existe quem mereça mais do que D. João II a coroa de glória por esse marco indelével da civilização. Refiro-me ao Povo português, que foi quem suportando privações que vão para além da capacidade humana, deu novos mundos ao mundo, aventurou-se por caminhos que jamais alguém ousara, não vacilando perante os enormes obstáculos que teve de vencer. É este heroi colectivo que Fernão Lopes não se cansou de exaltar e a quem eu presto a minha homenagem e o meu orgulho confesso por descender de tão notável gente.
Foi este povo que deu sentido à célebre frase do padre António Vieira " um palmo de terra para nascer, um mundo inteiro para morrer".
Bem hajam
. Os meus links