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Não existirão muitos países no mundo que possam ombrear com o nosso ao nível do historial de erudição dos seus chefes de Estado. Desde D. Sancho I até ao último monarca que viveu em terras lusas, contabilizam-se poetas, pintores, cientistas, bibliógrafos, etc.
Começando por D. Sancho I, com a sua célebre cantiga de amigo, onde o poeta "põe" na boca de sua amada, a conhecida "Ribeirinha", que o esperava na Guarda, os seguintes versos:
Ai eu coitada!
Como vivo em gran cuidado
Por meu amigo
que ei alongado!
Muito me tarda
O meu amigo na Guarda!
Ai eu coitada
Como vivo en gran desejo
por meu amigo
que tarda e non vejo
Muito me tarda
O meu amigo na Guarda!
Foi o género mais popular no século XIII e XIV ganhando terreno à poesia trovadoresca trazida pelas ordens religiosas e que estava em voga para lá dos Pirineus.
D. Sancho I teve em D. Dinis um digno sucessor. O "lavrador" para além das cantigas de amigo, escreveu alguns poemas escárnio em mal dizer, o que não deixa de se estranhar num monarca.
O Conde D. Pedro, filho bastardo de D. Dinis, é por muitos considerado o primeiro historiador português. Para além da "Crónica Geral de Espanha" e do "Livro de Linhagens", D. Pedro deixou-nos uma compilação de cantigas dos trovadores galaico-portugueses, que ainda hoje constitui um registo fundamental para se estudar a poesia medieval.
Depois de D. Dinis, o trono voltou a ser ocupado por um homem de cultura com a entronização de D. Duarte, primogénito de D. João I e seu sucessor. A razão para este hiato poderá estar relacionada com o clima de tensão com Castela, nomeadamente nos reinados de D. Afonso IV e D. Fernando "o tal Rei fraco que faz fraca a forte gente" nas palavras de Camões. Tivemos a peste de 1348, a escassez alimentar motivada por maus anos agrícolas a que se junta a crónica crise frumentária. Depois veio a crise de 1383-85 e só com a normalização das relações com Castela é que os nosso monarcas poderam dedicar-se à cultura. D. Duarte, o monarca da "ínclita geração" como chamou Camões à descendência de D. João I e D. Filipa de Lancaster, foi um homem de cultura, um poeta, e sobretudo um homem com a preocupação de pôr a cultura ao serviço do bem-comum. As obras que nos lega revelam o sentido prático e a importância que dava à cultura como pólo gerador de desenvolvimento. No "Leal Conselheiro" o monarca apresenta um conjunto de conselhos práticos no domínio da filosofia, moral e religião. Na "Arte de Montar em Toda a Cela " aborda o tema da cavalaria, tão caro à nobreza guerreira da época.
Não se pode dizer que o infante D. Pedro, o tal das sete partidas do mundo, nos tenha deixado um legado cultural significativo, mas pelo seu percurso pode ser muito justamente considerado o primeiro homem moderno português. A viagem que realizou pelas principais cortes europeias fê-lo olhar mais longe e adquirir um conjunto de experiências de que tentou fazer uso no reino, mas que terminou, de uma forma inglória, em Alfarrobeira.
Depois de D. Pedro todas as energias foram canalizadas para a empresa dos descobrimentos, da qual havia de nascer o movimento arquitectónico manuelino que teve no Mosteiro de Santa Maria de Belém a sua obra-prima.
Segue-se a decadência e a perda de independência que Camões sentiu de perto. Se nada mais de positivo se pode retirar do declínio do poderio português verificado a partir do reinado de D. João III, resta-nos o consolo de ter sido este estado de coisas que certamente motivou Camões a escrever "Os Lusíadas".
Com a Casa de Bragança o trono volta a ser ocupado por um homem de cultura. D. João IV era um fidalgo que toda a vida dedicou às artes, nomeadamente à música. Vivendo pacatamente em "Vila Viçosa" nunca se interessou pela actividade governativa, pelo que a chegada dos "conspiradores" a Vila Viçosa, pedindo-lhe para ser Rei, deverá ter sido vivida sem grande entusiasmo.
A Casa de Bragança fica indelevelmente marcada à magnimidade de D. João V, só possível com a chegada dos quintos do ouro do Brasil, e que nos deixou obras como o Convento de Mafra ou o aqueduto das Águas Livres. No domínio do mobiliário de destaque para o estilo Barroco tardio ou Rococó das qual se preservam alguns exemplares. Nos Coches, de destacar o coche dos Oceanos e o "D. João V", reunidos em Belém, entre outros exemplares, por iniciativa de uma grande raínha do século XIX / XX, D. Amélia de Bragança.
Depois de D. João V sucede-lhe D. José. É o reinado do terramoto e do terror pombalino, do qual se guarda o desenho da baixa lisboeta bem ao estilo do despotismo iluminado ou esclarecido que dominava as principais cortes europeias da época. Fica-nos também a expulsão dos jesuítas e o abrandamento da inquisição, essa mordaça que estrangulou o reino durante séculos.
Com o reinado de D. Maria I e a célebre "viradeira" temos como legado a Basílica de Estrela, a última grande obra da monarquia portuguesa. Seguem-se as invasões francesas, a fuga da família real para o Brasil, a revolução liberal, guerra civíl, a luta entre Setembristas e Cartistas e, bem vistas as coisas, o país apenas pôde "respirar" cultura a partir do golpe da Regeneração de 1851 e do subsequente fomento fontista.
Atribui-se a D. Pedro IV a frase " eu e o mano Miguel vamos ser os últimos iletrados da família". Não sei se esta afirmação chegou a ser proferida, no entanto ela cumprir-se-ia até hoje.
D. Maria II esteve longe de ser uma mulher culta, mas teve a sorte de se casar com um príncipe Alemão que ainda hoje é recordado como o Rei-Artista (ou o "Rei Com Sorte" nos ditos populares). Homem de uma extrema sensibilidade, fez de uma pequena ermida o monumental Palácio da Pena (o qual legou à sua segunda mulher). Apoiou jovens com talento mas que não tinham recursos para estudar (entre os quais um jovem de trato rude chamado Alexandre Herculano), e sobretudo transmitiu uma cultura vastíssima aos seus filhos, dos quais dois seriam Reis de Portugal.
D. Pedro V era considerado, aos 18 anos, o monarca mais culto da Europa (fazia a raínha Vitória corar de vergonha perante a imbecilidade do futuro Eduardo VII). D. Luis I era um amante de Shakespeare e de música clássica, não tendo poupado esforços na educação do príncipe herdeiro, o futuro Rei D. Carlos.
O penúltimo monarca brigantino foi talvez um dos mais polifacetados homens nascidos em Portugal. Foi ornitólogo, desenvolvendo um trabalho de investigação completíssimo nessa matéria. Era um cientista, levando a cabo diversas campanhas oceanográficas na costa portuguesa, sendo ainda hoje citado em qualquer trabalho científico sobre fauna marinha portuguesa. Era um pintor, pintando aguarelas exímias principalmente durantes as estadias em Cascais e Vila Viçosa. Um desportista, tendo desenvolvido o Tenis, o Futebol e o automobilismo em Portugal. Como mecenas, concedeu uma bolsa a Carlos Reis o maior pintor naturalista depois de José Malhoa. Este gesto foi retribuído com um magnífico quadro, actualmente no Paço Ducal de Vila Viçosa, em que o pintor representa o monarca a passar revista às suas tropas.
O filho segundo de D. Carlos e seu sucessor ao trono, D. Manuel II, foi o único monarca português que se dedicou quase exclusivamente à cultura. Com um curto reinado, exilou-se nos arredores de Londres onde com a ajuda da sua secretária particular, Margery Withers, levou a cabo um trabalho de investigação sobre livros antigos portugueses. Morreu inesperadamente em 1932, deixando por terminar o segundo tomo da obra, concluída por Margery. Hoje o seu trabalho está disponível na biblioteca do Paço Ducal de Vila Viçosa.
No seu Ex Libris lê-se a antiga divisa brigantina "Depois de Vós, Nós". Não era a antiga jactância dos seus antepassados, mas um gesto de humildade face à grande figura que foi o seu homónimo, o grande D. Manuel I.
Nestes tempo conturbados, onde a palavra crise ressoa a cada canto, talvez nos seja útil relembrar os nossos antepassados e o seu legado, e lembrar-nos do papel que tiveram na difusão cultural. Embora a cultura seja sempre um acto egocêntrico, que parte da vontade individual, acaba por manifestar-se no tecido social e faz parte deste cimento que nos une e nos engrandece.
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