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Vivemos no mundo da imagem. Porventura, a aparência física nunca foi tão importante para o sucesso individual, seja no plano sentimental, profissional ou até, imagine-se, político. Numa era em que as relações pessoais são cada vez mais superficiais (costumo chamar-lhe "relações de epiderme") há menos espaço para assumirmos a nossa individualidade e mostrarmos o nosso verdadeiro "eu". O tempo é limitado porque ninguém tem paciência para ouvir, para compreender, para ir "mais fundo", para nos conhecer. Ficamos com a "fotografia", sem conteúdo nem substância. Falta a alma onde sobra o "cliché" que cada um pretende projectar, sem que haja tempo para exegeses.
É neste emaranhado de relações fugazes, onde sucumbem casamentos, grupos de pares, projectos profissionais, etc., que emerge o culto da imagem como elemento funcional de afirmação pessoal.
O culto do corpo, a luta contra o envelhecimento, as cirurgias estéticas que prometem corrigir as nossas imperfeições, não são mais do que armas (legítimas) de sobrevivência nesta sociedade. Não confundamos com a máxima grega "Mente Sã em Corpo São". Não precisa de ser saudável, basta parecê-lo. Nem a velha máxima da "Mulher de César" (não basta sê-lo é preciso parecê-lo) resiste a este século XXI.
Mas afinal, o que é isto da beleza? Objectivamente não existe nada que intrinsecamente possa ser considerado belo, nem tão-pouco o seu oposto. Como não existe um modelo de beleza ideal (apesar de os criadores de moda o tentarem forjar), logo, objectivamente, não existe beleza. Subjectivamente sim. A beleza, numa perspectiva subjectiva, é necessariamente individual e traduz-se no bem-estar interior. Estou belo quando me sinto bem com a minha aparência, com o meu corpo, com a imagem que projecto. Da mesma forma que a apreciação da beleza alheia passa pelo crivo das nossas preferências. Por exemplo, tal como o Jose António Saraiva, eu também não aprecio mulheres esqueléticas, mas é em torno delas que gira o mundo da moda.
Na literatura, são variadíssimos os exemplos de beleza. As "ninfitas" de Nabokov, do seu polémico romance "Lolita", estão, volvidos cinquenta anos, nos moldes do ideal de beleza actual. Neste livro é feito o elogio físico de uma adolescente de 12 anos. Magra, esguia, pálida e infantil, representa o ideal de mulher que vigora na alta costura.
Este ideal de beleza Nabokoviano é diferente daquele que é introduzido por Balzac no século XIX, na sua obra "Mulher de Trinta Anos". Aqui, ao invés de uma pré-adolescente, o elogio é feito a uma mulher madura. O retrato de Balzac é talvez mais físico do que psicológico, representando uma mulher que já passou pelos seus ritos de passagem - como sejam o casamento e a maternidade - e que se encontra num momento de reflexão (com laivos de egoismo) onde recupera o seu ser, os seus sonhos, a sua individualidade. Do século XIX aos nossos dias - e perdoem-me o lugar-comum - mas a Julie d' Aiglemont não tem trinta, mas quarenta anos. São mulheres instruídas, que se casaram, tiveram filhos, têm sucesso profissional e encontram-se, nesse espaço de reflexão, voltadas para si próprias Preservando uma beleza física que lhes alimenta a auto-estima, perseguem sonhos idealizados, carregando já alguns espinhos da sua experiencia de vida. Numa ambição mais espiritual que material, mais emocional que racional, mais onírica que etérea, mais desalinhada que convencional. Embora as próprias não o saibam, penso que conheço pelo menos duas balzaquianas.
Se Balzac nos transmite um retrato físico, Flaubert, transmite-nos a face emocional. Emma Bovary, figura central do também polémico "Madame Bovary", desilude-se com o seu marido ao aperceber-se da sua pequenez de espírito. Chares Bovary é a figura do "loser", que não pode proporcionar o turbilhão de emoções que Emma procura noutros homens e que a leva à ruína. Não foi "ao fundo" sozinha, acabando por arrastar o marido e a sua própria filha.
"Emma Bovary c'est moi", eis como Flaubert se defendeu perante os juizes que o julgavam por ofensas à moral e bons costumes. A desgraça de Emma Bovary é mais parecida com a desgraça feminina das personagens queirosianas, como Luisa - em "O primo Basílio" - ou Maria Eduarda - em "Os Maias". Nestas personagens os autores não as poupam às consequencias dos seus actos. São juzes implacáveis, não no plano moral mas social. O problema, na livre interpretação à intenção dos autores, não é alijado para Luisa ou Maria Eduarda, mas para a sociedade que as julga.
É a beleza física que as leva à desgraça. Não encontro melhor paralelismo com a actual obsessão pela beleza eterna. Neste caso, o julgamento social não será menos abonatório. Não será tão imediáto, mas será progressivo como as fogueiras de São Domigos (parafraseando Saramago). O ostracismo a que são votados os mais velhos é um problema que nos implica a todos.
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