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Quarta-feira, 28 de Dezembro de 2011

O "Arreda"

 

Há uns dias atrás fiz uma visita ao Mosteiro de São Dinis, mais conhecido simplesmente como de "Odivelas". Foi uma visita guiada, que tem lugar no 1º e 3º fim-de-semana de cada mês, e cuja iniciativa se deve a um protocolo entre a Câmara Municipal e o Ministério da Defesa, que está actualmente na posse do edifício. Foi uma visita muito interessante onde pude ver pela primeira vez o túmulo de Dom Dinis, ver um orgão feito pelo pai de Machado de Castro (que era mestre organista) e ainda o que resta da parte primitiva do mosteiro que resistiu ao terramoto de 1755. No entanto, o que mais me surpreendeu, foi logo na entrada do mosteiro ver o busto do Infante Dom Afonso Henriques, fundador do Instituto de Odivelas corria o ano da morte de Eça (1900).

A supresa deve-se ao facto de eu desconhecer por completo que tinha sido o infante o fundador do dito instituto e também porque não conheço outra representação do filho cadete de D. Luis e Dª Maria Pia, sendo talvez das figuras do início do século XX mais desconhecidas da História portuguesa.

D. Afonso Henriques ficou conhecido como o "arreda" porque foi umas das primeiras pessoas em Portugal a ter automóvel, numa altura em que os caminhos (não se podiam chamar estradas) não estavam preparados para receber estes novos veículos. Em vias desenhadas para carros de bois e cavalos, sobressaia o automóvel do Infante que, como devem calcular, não teria muita facilidade de passagem para a velocidade, na altura, supersónica que podia chegar aos 40 kms. hora. Assim, para facilitar a sua mobilidade, D. Afonso Henriques utilizava a sua voz como sinal de passagem, gritando constantemente "arreda!", para conseguir desempedir a via.

De resto este infante gozou sempre de uma grande popularidade, pela fama de tonto que cultivou ao longo da sua vida. Era também comandante dos Bombeiros Voluntários da Ajuda, e não raras vezes era visto em acções de socorro. Contudo, esta vida pitoresca terminou subitamente em 1908 com o regicídio. O Infante era uma das personalidades que esperava a família real no cais do Terreiro do Paço no dia 1 de Fevereiro, ao lado do seu sobrinho D. Manuel (que mal sabia que estava a escassos minutos de se tornar Rei), acompanhando a comitiva no seu automóvel nessa curta viagem que terminou tragicamente na esquina da Rua do Arsenal. Nessa viagem Dom Carlos e D. Luis Filipe foram barbaramente assassinados e não fosse a fortuna (ou má pontaria)de o tiro que acertou em D. Manuel apenas lhe tivesse atingido num braço e o "Arreda" teria deixado nesse dia de ser o bem-disposto infante para ser aclamado D. Afonso VII, Rei de Portugal e dos Algarves D'Áquem e D'Álem Mar em África. Nesse dia Dom Afonso mostrou a sua fibra, tendo sido dos primeiros a apear-se do seu automóvel para acudir à família real que se fazia transportar num landau aberto. Quem sabe se pela sua experiência como bombeiro, mostrou ser um Homem de uma grande coragem e sangue frio.

Jurado herdeiro presuntivo do trono, o Duque do Porto (de que era titular) foi forçado a partir na Ericeira para o exílio no dia 5 de Outubro de 1910. Acompanhou a mãe, Dª Maria Pia (que morreria poucos meses depois), e fixou residência em Itália. Teria continuado a ter uma vida pacata não fosse ter casado com uma cidadã americana de nome Nevada Stoods, que era conhecida como uma espécie de caçadora de fortunas e que pretendia certamente tirar algum benefício desse matrimónio. O Rei Dom Manuel II não deu o seu aval ao casamento (terão mesmo cortado relações) e o infante acabou por casar morganaticamente em Madrid no ano de 1917. É conhecido o embaraço do embaixador português na capital espanhola quanto à forma de tratamento de um membro da família real no exílio. Optou por trata-lo por "Sua Alteza" sem mencionar o "Real". 

Morreu em 1920 e foi o primeiro Bragança a regressar do exílio para o panteão de São Vicente de Fora. A Americana, que numa foto conhecida parecia mais interessada na pose do que em carpir a mágoa pelo desaparecimento do marido, reivindicou metade do recheio do palácio da Ajuda. A sua herança, felizmente, foi bastante mais modesta.      

publicado por Rui Romão às 08:42
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Sábado, 24 de Dezembro de 2011

Os Castelos da Bandeira

Um dos temas mais romanceados na instrução primária, quando começamos a aprender os símbolos nacionais, é o significado da bandeira nacional. Desde a explicação do verde como esperança e o vermelho como sangue que os portugueses derramaram na empresa dos descobrimentos, até ao significado das quinas como os 30 dinheiros que Judas recebeu para entregar Jesus Cristo, é extensa a lista de disparates que nos ensinam nesta tenra idade.

Declaração de interesses: não gosto das cores da bandeira portuguesa. O vermelho e o verde eram as cores do partido republicano e não concordo que as cores de um partido se tornem as cores do país, como se o partido se tivesse apropriado do Estado. O país está acima dos partidos e como tal não me parece indicado que as cores de um partido sejam adoptadas para representar todos os portugueses, porque dentro do´Estado há espaço para todas as sensibilidades. As cores foram aprovadas pela comissão presidida por João Chagas em 1911, o que significa que a bandeira portuguesa, legalmente, seria a azul e branca (sem a coroa), pois a Constituição da República Portuguesa diz-nos, no artigo 11, ponto 1 que A Bandeira Nacional, símbolo da soberania da República, da independência, unidade e integridade de Portugal, é a adoptada pela República instaurada pela Revolução de 5 de Outubro de 1910.

Á parte destas considerações, o significado dos restantes elementos não oferece dúvidas. As cinco quinas eram o símbolo de Dom Afonso Henriques, sem que esteja relacionado com os 30 dinheiros ou os cinco reis mouros que venceu em Ourique (lenda muito posterior). A esfera armilar era o símbolo do optimismo de Dom Manuel, enquanto senhor do mundo. Sobre os castelos é que se lê e diz muita coisa. Eu vou expressar a minha opinião, no entanto admito outras, embora lhes reconheça alguma fragilidade.

Existem duas posições que vulgarmente se apresentam:

1: Eram os 7 Castelos fortificados por Dom Afonso Henriques

2: Como D. Afonso III afastou o irmão do trono e não podia usar as suas armas, utilizou as da mãe que era castelhana.

 

Na primeira teoria não vejo nenhum fundo de verdade, porque o nosso primeiro rei fortificou e conquistou muito mais do que sete castelos e também porque  o número de castelos tem variado ao longo dos anos.  A segunda teoria tem um fundo de verdade. Efectivamente os castelos entraram na armas portuguesas no reinado do Bolonhês, mas o motivo é que me parece mais discutível. Na minha opinião a introdução dos Castelos não se deveu à guerra civil que opôs a D. Sancho II, mas antes a um facto marcante do seu reinado e da História de Portugal: A conquista definitiva do Algarve. Sucede que a conquista não foi bem uma conquista, porque os sarracenos, pela mão do emir, tinham celebrado uma aliança com o Rei de Castela (Afonso X, o Sábio), pelo que a conquista pelas armas teria forçosamente que passar pelo Reino vizinho. D. Afonso III teve a noção do que isso implicava e após um breve período de guerra, propôs ao Rei de Castela casar-se com uma filha sua, apesar de já ser casado com Dª Matilde, Condessa de Bolonha, para terminar o conflito. O casamento de D. Afonso III e Dª Beatriz de Castela realizou-se, apesar do interdito que o papa lançou sobre o Reino, fruto do qual nasceu D. Dinis e também os Castelos (relativos ao Reino de Castela) que representam a unidade territorial, do Minho ao Algarve, que ainda hoje perdura.

publicado por Rui Romão às 08:08
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Segunda-feira, 19 de Dezembro de 2011

No Beco do Chão Salgado - O Triste Fim da Descendência de D. João II

Aqui foram arrasadas e salgadas as casas de José Mascarenhas, exautorado das honras de Duque de Aveiro e outras, condemnado por sentença proferida na suprema juncta de inconfidência em 12 de Janeiro de 1759. Justiçado como um dos chefes do bárbaro e execrando desacato que na noite de 3 de Setembro de 1758 se havia cometido contra a real e sagrada pessoa de D. José I. Neste terreno infâme se não poderá edificar em tempo algum.

  

Este texto está inscrito na face sul da coluna do Beco do Chão Salgado. O facto de se encontrar num beco esconso, rodeado por casas onde, entre outras, se situa a famosa Confeitaria de Belém é a prova de que o propósito do monumento não foi cumprido. A legenda desta coluna dispensa grandes explicações. No local encontrava-se um dos palácios do Duque de Aveiro, que foi demolido na sequência do processo de tentativa de regicídio em que o titular e proprietário foi um dos sentenciados. A execução até nem ficou longe dali, num patíbulo construído para o efeito. Este foi o culminar do que ficou conhecido como o processo dos Távoras, onde foram implicados e sentenciados os Marqueses de Távora e seus filhos e o Duque de Aveiro, com uma violência que impressionou os coevos, pela brutalidade com que foi aplicada a sentença. 

O início da história conta-se em poucas linhas. No dia 3 de Setembro de 1758 o Rei Dom José regressava à real barraca da Ajuda (depois do terramoto nunca mais o Rei quis viver em paços de alvenaria), e foi atingido a tiro na Calçada  do Galvão, sendo o local assinalado pela Igreja da Memória, mandada contruir pouco tempo depois. O Rei sobreviveu ao atentado e Sebastião José (que hoje repousa na dita Igreja da Memória) não perdeu o ensejo para conduzir um processo que, dizem os juristas, é bastante frágil.

Não me alongarei sobre o processo em si até porque não sou jurista (embora também não seja historiador e escreva sobre História) mas não é dificl imaginar que este processo tenha tido uma motivação fortemente política. O futuro Marquês de Pombal tinha uma concepção política que bebera na Austria onde desempenhou uma missão diplomática ainda no reinado de D. João V e que pode ser simplificada na expressão feliz de Despotismo Iluminado. Ou seja, entrava-se na Idade Moderna, privilegiava-se o saber e a divulgação do conhecimento livre de preconceitos religiosos, mas baseado no controlo do processo pela real figura. Por este motivo Pombal perseguiu (e expulsou) os jesuítas, que eram os grandes mestres do ensino em Portugal, e a alta nobreza  - grandes opositores desta política de fortalecimento do poder real nas mãos do homem de confiança de D. José. Pombal também aprendeu que a terceira classe era o Povo e nesta ânsia de tudo controlar puniu severamente um desacato provocado nas tabernas portuenses, provocado pela proibição da venda de vinho a copo. 

Regressando ao monumento de Belém, a primeira ideia que me vem à memória é aquele velho ditado "pau que nasce torto tarde ou nunca se endireita". Para ser uma fiel representação do que foi a História da Casa de Aveiro, a coluna devia ter uma certa inclinação para cumprir com este adágio. Foi uma casa que começou mal e acabou ainda pior.

A origem do Ducado vem da descendência bastarda do Príncipe Perfeito, D. João II. Ele tinha apenas um filho legítimo, D. Afonso, que morreu numa queda de cavalo em  Santarém. Com a morte do seu único herdeiro, D. João II tentou que lhe sucedesse um outo filho, mas este bastardo, que era D. Jorge, que viria a ser mestre da Ordem de Santiago. Não conseguiu tal intento, ao qual se opôs a rainha e irmã do seu sucessor - o Venturoso D. Manuel. Este facto foi suficiente para ostracizar o infante da corte no reinado mais glorioso da História portuguesa.

O primeiro Duque de Aveiro foi um filho de D. Jorge e  teve ainda um destino mais cruel. A sua desventura foi contada por Camilo Castelo Branco no seu romance "O Marquês de Torres Novas" (título de que também era titular). O drama do primeiro duque resultou do facto de o Infante D. Fernando (filho de D. Manuel) pretender casar com Dª Guiomar Coutinho, herdeira da casa de Loulé e Marialva e, pela grande fortuna, muito cobiçada. Sucedeu que o então Marquês de Torres Novas afirmou que já se tinha casado com a senhora e como tal ela não podia desposar o infante. Essa sua pretetensão levou-o até ao cárcere do Castelo de São Jorge, onde ficou quase uma década. O título de Duque de Aveiro foi-lhe concedido depois deste episódio, por D. João III, quem sabe se para desagravar os tormentos que lhe infligiram.

O 2º Duque, D. Jorge, morreu na batalha de Alcácer Quibir, ao lado de D. Sebastião. Menos glorioso foi o legado do 4º Duque, Dom Raimundo, que foi condenado em estátua por traição à pátria, por passar-se para o lado espanhol na Guerra da Restauração, depois da regente Dª Luisa de Gusmão lhe confiado altas responsabilidades na Guerra da Restauração.     

Por fim, o 8º e último duque morreu no patíbulo de Belém, depois de lhe terem sido quebrados os ossos de braços e pernas, numa cena de violência que apenas tem comparação com a célebre execução dos carrascos de Inês de Castro por parte de D. Pedro.

Hoje resta o monumento a assinalar este pedaço de História.  

publicado por Rui Romão às 08:23
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Terça-feira, 13 de Dezembro de 2011

A Ascensão e Queda do 3º Conde de Castelo Melhor

 

O Conde de Castelo Melhor faz parte deste grupo exclusivo de homens de confiança dos monarcas pós-restauração. Os tempos já não se compadeciam com a acumulação nas mãos do rei de todos os poderes do Estado, pelo que a governação foi sendo entregue a pessoas da sua confiança. Podemos falar do  Conde de Castelo Melhor (D. Afonso VI), do Conde da Ericeira (D. Pedro II) ou de Pombal (D. José I), não esquecendo os homens que instalaram o regime liberal em Portugal e que estiveram sempre muito próximos da coroa, como é o caso do Duque de Palmela, o Duque de Terceira ou o Duque de Saldanha (este último teve o seu canto do cisne na Saldanhada de 1870). Outros houve no período liberal que reservaram sempre uma distância "higiénica" para com o poder moderador, principalmente porque pertenciam à ala mais radical que esteve na base da constituição de 1822 (os chamados vintistas) como era o caso de Rodrigo da Fonseca, Silva Carvalho ou Manuel Fernandes Tomás.

No entanto, ao contrário dos nomes que citei, o 3º Conde de Castelo Melhor teve uma ascensão política que não dá azo a grandes elogios nem a sua obra se pode comparar aos homens que se seguiram, nomeadamente à do Conde da Ericeira e, evidentemente, à de Pombal porque estes tinham um plano para o país. Ericeira é considerado o "Colbert" Português por defender que a chave para o progresso era investir na produção interna para atenuar a nossa dependência face ao exterior. Pombal tinha um plano ainda mais lato, que não se restringia apenas ao campo económico, naquilo que ele entendia que deveria ser a construção de uma nova sociedade portuguesa.

Castelo Melhor  foi um homem astuto soube ver uma oportunidade para assumir os destinos do pais junto do diminuido D. Afonso VI. Este monarca era um deficiente profundo, cuja doença nunca foi muito tida em conta porque o sucessor era o seu irmão mais velho D. Teodósio. No entanto o príncipe faleceu precocemente e quando morre D. João IV em 1656 é D. Afonso o legítimo herdeiro. D. Luisa de Gusmão assume a regência, seja porque o herdeiro contava apenas 13 anos e também porque era manifesta a sua incapacidade para assumir a coroa.

D. Afonso VI era muito diminuido e facilmente seduzível por gente de condição mais baixa que se colocava nas imediações do palácio para captar a sua atenção. Eram bandos de marginais que procuravam tirar benefícios da situação do rei. O mais conhecido desses marginais foi um tal de António Conti, genovês que o Rei chegou a instalar no próprio paço e lhe concedeu muitas mercês, gerando um grande escândalo. D. Luisa de Gusmão não podia tolerar uma situação dessas e deu ordens para o governo punir os prevaricadores que acompanhavam o filho nas saídas nocturnas, onde provocavam grandes desacatos. O Rei não gostou que a António Conti tenha sido aplicada a pena de degredo para o Brasil e instigado pelo 3º Conde de Castelo Melhor afasta a mãe da regência e assume os destinos do reino, num despotismo iluminado avant la lettre pela mão do Conde. No entanto a actuação de Castelo Melhor acabou por ser bastante positiva, tendo sido sob o seu governo que conseguimos importantes vitórias militares que nos garantiram a independência que conservamos ainda hoje, embora não se possa dizer que tivesse uma ideia para o futuro de Portugal. Contudo, é preciso perceber que todas as energias do país eram canalizadas para a guerra e nestas circunstâncias esta prioridade sobrepunha-se a todas as outras, com a curiosidade de ele ter sido apeado do governo em 1667, ou seja apenas um ano antes da Paz com Espanha que foi, em grande medida, obra sua. Foi responsável pelo casamento de D. Afonso VI com Maria Francisca de Saboia, sendo a sua preocupação a aliança francesa, mas foi precisamente este facto que motivou a sua queda. Provavelmente ninguém deu conhecimento à raínha do atraso mental do Rei  e esta sentindo-se defraudada na ambição de ser raínha, interviu activamente na conjura que viria a afastá-lo do poder. Não existem provas de adultério entre Maria Francisca de Saboia e o futuro D. Pedro II, mas certamente que comungavam do interesse comum: afastar Castelo Melhor, que era, de facto, quem reinava em Portugal.  As relações entre a Rainha e Castelo Melhor foram sempre tensas e foi numa resposta mais desagradável de um próximo do Conde - António de Sousa Macedo - que se despoletou uma crise que viria a dar origem à queda de Castelo Melhor. A Rainha terá exigido o afastamento do Conde mas o Rei resistiu até ao limite, sendo contudo impossível manter o Conde no cargo. Mais tarde voltou a chamar para o governo António Sousa Macedo (o seu antigo secretário de Estado) e perante este facto  o futuro D. Pedro II, para zelar os interesses da Rainha, cercou o paço e exigiu a sua exoneração. Até à queda do próprio Afonso VI foi um passo, com o célebre episódio da entrada da Rainha no Convento da Esperança e a exposição epistolar do pedido de anulação do casamento por o mesmo não ter sido consumado.

Com a regência de D. Pedro II (que apenas assumiu a coroa após a morte do irmão que ocorreu em 1683) firmámos a paz com Espanha e a partir desta altura entra em cena o Conde da Ericeira, de certa forma sucessor de Castelo Melhor. Se este último foi o homem que garantiu a independência, o Conde da Ericeira era o homem certo para garantir o progresso. Era o homem certo mas no reino errado, e a sua governação resume-se numa enorme frustração que o conduziram à morte. O Conde morreu sem réstia de esperança de tornar este país algum dia próspero. Tivesse vivido mais um par de anos e saberia que se tinha equivocado, porque começavam a aparecer no Brasil umas pepitas de ouro que haveriam de marcar o opulento reinado de D. João V. Infelizmente não aproveitámos este ouro para desenvolver verdadeiramente o país, tal como não o conseguimos fazer recentemente com os fundos comunitários. Parece ser o nosso fado.      

publicado por Rui Romão às 13:31
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Sexta-feira, 9 de Dezembro de 2011

Tempo Histórico Vs. Tempo Cronológico - O Mito do Progresso Permanente

Que o século XX europeu foi uma sucessão de calamidades, poucos discordarão. Os conflitos sangrentos dos quais se destacam as guerras mundiais (que em bom rigor foram duas guerras civis europeias que se alastraram a outros teatros de operações) deixam para as notas de rodapé os progressos notáveis que se registaram nos mais varíadíssimos domínios, nomedamente científicos, culturais e políticos, e cujo impacto na qualidade de vida dos povos é inegável. No entanto, em jeito de síntese, eu destacaria o fenómeno do aceleramento do tempo histórico, numa evolução que marca definitivamente o desfasamento para o tempo cronológico. A prova de que essa diferença existe - e é mais acentuada do que nunca - é que os anos continuam a ter 365/366 dias mas as mudanças ocorrem a uma velocidade cada vez maior. Se olharmos para o progresso científico nesta primeira década do século XXI, não conseguimos encontrar paralelo noutra década da nossa história. Quem diria que estamos a começar a falar do fim dos jornais em papel como os conhecemos desde Gutemberg, ou do acesso à informação em tempo real em qualquer lado (num telemóvel ou noutro ecrã) o que até aqui implicava uma deslocação a uma biblioteca (que na melhor das hipóteses, continha 0,00000001% do conhecimento que existe hoje em dia na web)  ou na possibilidade de estabelecermos milhares de conexões com outras pessoas através das redes sociais à distância de um click. Para não falar nas mudanças estruturais nos restantes domínios, cuja enunciação seria sempre fastiosa e incompleta. 

 No entanto este optimismo é frequente e cruelmente interrompido por diversas calamidades, como doenças para as quais ainda não existe cura ou catástrofes naturais, que se encarregam de nos lembrar que somos "só" humanos e que não conseguimos controlar tudo. 

Podemos questionar até onde irá este progresso mas será ainda mais útil questionar com que velocidade é que se vai processar. Hoje ninguém diria o que, supostamente, o director de patentes dos EUA disse em 1899 quando afirmou que tudo o que podia ser inventado já o tinha sido, até porque já ninguém arrisca uma previsão a 20 anos. Isto porque temos provas de que o progresso tem também retrocesso. Acreditámos que o progresso económico seria constante e isso exprime-se, por exemplo, no jargão dos economistas que falam por vezes num crescimento...negativo! Jurou-se a pés juntos quea revolução das luzes iria ser o epílogo das religiões (Afonso Costa chegou a dizer que acabaria com a religião católica em duas gerações) e o fanatismo religioso está hoje mais pujante do que nunca. Ou seja, está longe de ser provada a tese de que o destino da humanidade é crescer permanentemente.

Não acredito neste axioma do crescimento constante mas também não perfilho nenhuma visão apocaliptica do fim da humanidade. Acho que  foge completamente à latitude da nossa capacidade preditiva,  e dificilmente conseguimos entrar numa discussão a este nível sem cair na especulação demagógica, cheia de conjecturas mais ou menos alucinadas. Recordo-me sempre de Albert Einstein que disse que não sabia como seria a 3ª Guerra Mundial (conflito hipotético entre EUA e URSS) mas que a 4ª seria com paus e pedras...

Eu, na condição de humano que conhece apenas uma ínfima parte do conhecimento gerado pela humanidade,  não tenho certezas. Formulo hipóteses que sei, à priori, terão poucas hipóteses de se confirmar. Certezas, só no campo dos afectos, e é por esse motivo que, neste dia tão especial, aqui publico este poema de Fernando Pessoa (Pai; D. Afonso Henriques in "A Mensagem"), e dedico a quem, pelo exemplo e modelo, devo aquilo que sou hoje.

 

Pai, foste cavaleiro

Hoje a vigília é nossa

Dá-nos o exemplo inteiro

E a tua inteira força!

 

Dá, contra a hora em que, errada,

Novos infieis vençam

A benção como espada,

A espada como benção!

 

 

publicado por Rui Romão às 17:42
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Quarta-feira, 7 de Dezembro de 2011

A Política Diplomática de D. Afonso IV

D. Afonso IV ficou conhecido na História com o cognome de "O Bravo". Refira-se que a expressão naquela altura não tinha o sentido que tem hoje. Não se tratava de um estado de fúria ou de exaltação mas de uma postura de valentia, de que este monarca não terá pedido meças a ninguém. No entanto, na política diplomática a sua postura foi sempre de um enorme pragmatismo, não raras vezes sacrificando o acessório para garantir o essencial. Foi assim na política com Castela, apesar da desconfiança quase doentia que o atormentou ao longo de todo o seu reinado relativamente ao reino vizinho. Começou por casar a sua filha D. Maria com o Rei Afonso XI  para garantir a estabilidade política numa península ibérica onde ainda se fazia sentir a presença moura - apenas  eliminada mais de um século depois com a queda de Granada em 1492.

Não obstante, o "Bravo" não hesitou em iniciar uma guerra com o genro, atendendo às queixas da Raínha que se sentia humilhada face à presença na corte da favorita do Rei - Dª Luisa de Gusmão - de cujo enlace nasceu a casa de Trastâmara, que reinou vários anos em Espanha. Essa guerra acabou sem que nada se alterasse no status quo quer na zona de influência de cada reino quer nos vexames que o castelhano infligia à filha do monarca português, mas houve uma clarificação de posições que ficaram plasmadas no Tratado de Sevilha. D. Afonso IV parece que nasceu destinado a conflitos militares com familiares, pois para além do seu genro, digladiou-se internamente com seu pai (na juventude) devido ao favoritismo que este dava ao seu filho bastardo, e com o seu filho (na velhice) devido ao episódio da morte de Inês de Castro.

No entanto, estes conflitos não obstaram a que se esquecesse do acessório (as rivalidades) em nome do interesse comum. Foi assim na Batalha do Salado, unindo-se a Castela para derrotar os mouros num confronto decisivo para cimentar a hegemonia cristã na península. Ou no assassínio de Inês de Castro, provavelmente como forma de impedir que o seu filho e sucessor se envolvesse na guerra civil que opunha os nobres castelhanos a Pedro "o Cruel", que era neto de Afonso IV e primo direito de Pedro de Portugal. O conflito terminou com a morte de Pedro "o Cruel" às mãos do seu meio-irmão Henrique de Trâstamara, filho de Afonso XI e da sua favorita Luisa de Gusmão (a mesma cuja influência na corte motivou a guerra que Afonso IV moveu ao genro). Foi talvez uma jogada pragmática, mas de uma crueldade que não pode ser esquecida, mas era este o modus operandi de "O Bravo". Foi também a primeira possibilidade de termos uma península ibérica unida sob a coroa de um monarca português. Tivemos mais duas hipóteses ao longo da nossa história, mas quis o destino que o infante D. Afonso (filho de D. João II) e Miguel da Paz (filho de D. Manuel) não vivessem o tempo suficiente para alcançar esse desiderato.    

publicado por Rui Romão às 19:04
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Domingo, 4 de Dezembro de 2011

Leonor Teles - A Rainha Maldita

As rainha em Portugal gozaram sempre de um enorme prestígio, em alguns casos inclusivamente superior ao dos próprios reis. Existem excepções a esta regra: certamente ninguém diz maravilhas de Dª Mécia Lopes (mulher de D. Sancho II), que se deixou raptar para servir os interesses do cunhado na guerra civil que o opunha ao seu próprio marido. Também não poderemos ter um discurso encomiástico relativamente a Dª Maria Francisca de Saboia, também ela dividida entre o legítimo (e tonto) D. Afonso VI e o cunhado de D.Pedro II, acabando por desposar os dois. De Carlota Joaquina são conhecidas as sua tendências levianas, curiosamente o mesmo rótulo que foi colocado a Leonor Teles, a que eu chamo a rainha maldita e a que Herculano, com grande exagero, chamou a Lucrécia Bórgia Portuguesa.

Maldita porquê? Para respondermos a esta questão temos que fazer uma viagem até ao triste reinado de D. Fernando. Um rei pusilânime, inábil, sem qualquer capacidade parar dirigir um estado. Este D. Fernando foi o único que Camões criticou veementemente nos Lusíadas, no célebre verso "que um fraco rei, faz fraca a forte gente".

Leonor Teles foi a primeira rainha portuguesa. Até então os monarcas portugueses, como era costume na época, casavam com princesas estrangeiras para celebrar alianças políticas. A D.Fernando cabia-lhe idêntico destino, não fosse ter decidio casar a "furto", com uma mulher, que ainda por cima já era casada e o marido estava vivo. Essa mulher era Leonor Teles, e como nos conta Fernão Lopes, D. Fernando teve que fugir literalmente de Lisboa para fugir à ira do povo, que se amotinou face à decisão do monarca de desposar mulher já casada.

Este casamento desencadeou ainda consequência políticas, porque D. Fernando esteve de casamento aprazado com Leonor de Aragão, por ocasião da aliança com o reino de Aragão e o emir de Granada contra Henrique Trâstamara, e depois com Leonor de Castela, filha de Henrique Trâstamara, na sequência do insucesso desta mesma guerra. O casamento com Leonor Teles veio fazer de letra-morta esta aliança e originou mais uma guerra com Castela, dado que os castelhanos, com toda a legitimidade, se sentiram enganados.

Mas afinal quem foi Leonor Teles? Era de uma grande fidalguia, ambiciosa e de um enorme tacto político. A perspectiva de se tornar rainha não deverá ter sido dispiciente na decisão que tomou de casar com D. Fernando, apesar de já ser casada e de ter um filho. Só a sua habilidade justifica que tenha  conseguido movido influências na Santa Sé para conseguir a anulação do seu casamento, a pretexto de uma suposta consaguinidade. No drama que envolveu a sua irmã - Dª Maria Teles, assassinada pelo infante D. João -  a sua intervenção foi sempre polémica. Diz-se que foi ela que terá dito ao infante que a irmão lhe era infiel, quem sabe se movida por ciúmes (o infante poderia ser rei) ou pelo desejo de casa-lo com a  sua filha Beatriz. Na crónica de Dom Fernando, Fernão Lopes não o declara explicitamente mas reproduz as palavras de Maria Teles, quando confrontada com a fúria do seu marido, diz que este ia mal aconselhado...

Sem me alongar em questões de carácter, eu creio que teremos que ter sempre algumas reservas sobre as críticas e acusações que se fazem à raínha. Digo-o por vários motivos, sendo o principal o facto de a História ser sempre escrita pelos vencedores. E esses, felizmente, foram os portugueses em Aljubarrota comandados pelo Mestre. Por esse motivo, sendo Fernão Lopes, cronista do Rei, que era bastardo e como tal teve que ver a sua legitimidade confirmada pelas cortes de Coimbra, nas quais contou com outro importante aliado, de quem nem sempre se fala mas cujo papel foi determinante: O Dr. João das Regras, e como tal a dignidade da raínha não podia ser enaltecida.

O objectivo do jurista era provar com argumentos de lei que todos os pretendentes eram bastardos, tal como o Mestre de Avis, que o era indiscutivelmente. Assim, excluía a sucessão por via dos filhos de Inês de Castro, alegando que esta nunca casou com D. Pedro, apesar de ter havido um bispo que jurou, sobre os evangelhos, exactamente o contrário. A exclusão de Dona Beatriz, que era filha legítima de Rei e Rainha era mais complicada. Daí que teve que se basear na suposta leviandade da rainha, que dava azo à dúvida quanto à paternidade da pequena infanta. A urdidura concebida pelo "velho leão" Álvaro Pais, na morte do Conde Andeiro pelo Mestre, foi uma jogada habilidosa que teve o seu epílogo em Aljubarrota, no que foi um autêntico xeque mate num jogo onde apenas a perícia política e diplomática do Mestre e dos seus apoiantes permitiu desfecho, à partida, tão improvável. Na minha opinião foi este facto que tornou a rainha tão odiada. A necessidade de denegrir a sua imagem para justificar a possível bastardia de Dª Beatriz, como peça de um jogo onde Leonor Teles tinha que ser sacrificada. Este argumento foi mais tarde recuperado pelos liberais a propósito da Rainha Carlota Joaquina, com o objectivo de retirar legitimidade ao infante D. Miguel, o que não deixa de ser um argumento curioso, tendo em conta que o casal teve muitos filhos e não consigo compreender o motivo porque apenas aquele seria ilegítimo.

Leonor Teles de Menezes foi, sem dúvida, uma rainha maldita. Injustiçada, talvez!

 

  

 

 

publicado por Rui Romão às 09:33
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