. Viva o 25 de Abril...de 1...
. Mário Soares e a III (ou ...
. O Longo Processo de Recon...
. A Maldição dos Primogénit...
. Uma Andaluza à Frente dos...
. A Páscoa
As das rainhas a que me refiro no título são nem mais nem menos do que a última e a penúltima rainha de Portugal. Uma Italiana, outra francesa, mas ambas deixaram uma marca indelével na sociedade portuguesa da segunda metade do Século XIX e no início do século XX. No entanto, não podiam ser mais diferentes.
Dona Maria Pia era uma rainha perdulária, que não se coibia a gastos exacerbados na toilette, de pose senhorial, muito segura de si, mas com um temperamento impulsivo, que chegava a parecer mais uma cezarina do que uma rainha consorte. São históricas as palavras que dirigiu ao velho Duque de Saldanha, quando este cercou o Paço da Ajuda para intimar o Rei a demitir o ministério do seu arqui-rival Duque de Loulé, num golpe que ficou conhecido como a “Saldanhada”. Quando o velho lobo do Liberalismo foi apresentar, como era costume, os cumprimentos à Rainha, esta disse-lhe que se fosse ela o Rei, tê-lo-ia mandado fuzilar…
A prodigalidade da rainha foi sempre sustentada pela “boa vontade” de alguns argentários que então já prosperavam com o fomento do fontismo, com destaque para o Conde de Burnay, fundador, entre muitas outras empresas, da CUF, e cujo título se fica a dever aos sucessivos empréstimos que fazia à Rainha, nomeadamente para pagar os vestidos que usava uma única vez e depois doava ao Teatro São Carlos, para fazer parte do guarda-roupa dos espectáculos. Seria injusto não mencionar também a obra de caridade de Dona Maria Pia, na fundação de creches e no auxílio às vítimas de catástrofes.
Dona Amélia de Orleães, Princesa de França, Rainha de Portugal, bem podia ser caracterizada como o oposto da sua antecessora, não fosse ter sido também uma autêntica matriarca da caridade. Do seu legado fica a fundação das cozinhas económicas, o Instituto de Socorros a náufragos, o dispensário de Alcântara, entre outras obras de cariz cultural, como por exemplo a fundação do Museu dos Coches, que é ainda hoje, por larga margem, o mais visitado museu português.
A História de Dona Amélia não foi feliz. Casou-se em 1886 com D. Carlos, então Duque de Bragança, mas desse casamento só guarda más memórias. O Rei era conhecido pela fama de mulherengo, o que encheu de amargura o coração desta rainha que era, por influência literária, uma romântica, e que via os seus sonhos de um casamento feliz esbarrarem na frieza de um marido que via no consórcio um acto meramente político. Também D. Maria Pia sabia das aventuras do seu marido, D. Luís, reagindo com alguma virulência, mas que aparentemente não a mergulhavam na melancolia.
Este drama de Dª Amélia foi só o primeiro, e quem sabe o menos dramático enfrentou na sua vida. Assim que casou, a cidade de Paris quis homenageá-la, oferecendo-lhe uma réplica de prata de uma caravela portuguesa. Essa onda de entusiasmo que se fez sentir em França, levou ao exílio do seu pai, D. Luís Filipe, Conde de Paris, então pretendente ao trono pela linha da casa de Orleães.
Um ano depois, em 1887, deu à luz uma menina, Dona Mariana, que não resistiu muito tempo fora do ventre materno. Tinha então já um menino, D. Luís Filipe, nascido nesse mesmo ano, e D. Manuel, que viria a ser o último rei de Portugal, e que nasceu em Novembro de 1889, quando o seu pai era Rei há cerca de 1 mês.
De todos os dramas que viveu, o maior foi sem dúvida o que teve lugar no dia 1 de Fevereiro de 1908, quando o seu marido e o filho primogénito são assassinados em pleno Terreiro do Paço, sendo épica a sua atitude ao enfrentar os criminosos com um ramo de flores que lhe tinham dado quando desembarcou no Cais das Colunas. Esse drama marcou-a para sempre, embora lhe tenha dado a oportunidade, que talvez gostasse de ter noutras circunstâncias, para ser praticamente uma regente e ter o protagonismo político que o seu marido sempre lhe negou. Em Fevereiro de 1908 D. Manuel II era um jovem de 18 anos que se preparava para entrar para o curso de oficiais de Marinha, pelo que não tinha qualquer noção do trabalho que o esperava. Nessa situação difícil, a rainha mostrou a sua coragem e assumiu praticamente a condução dos destinos do país, o que lhe grangeou ódios de estimação, já antigos no seio dos republicanos.
Em 1910 veio o exílio, que ela conhecia tão bem, não fosse ela filha de um pretendente ao trono, que teve que sair de França porque a filha seria um dia rainha.
Mas porque motivo D. Maria Pia, perdulária, esbanjadora, de feitio sanguíneo, que terá dito um dia “que quem quer rainhas paga-as”, era imensamente popular até pelos republicanos (só ultrapassada pelo seu filho, Infante D. Afonso, que tinha fama de tonto) ao passo que a discreta Dª Amélia, que nunca manifestou qualquer sinal exterior de riqueza ou ostentação e que se dedicou à caridade toda a vida, era vilipendiada e odiada, principalmente pelas forças mais progressistas. A exacerbação era tanta que Eça de Queiroz foi imensamente criticado por ter escrito umas linhas elogiosas para com a Rainha…
É este o mote que justifica o título do post. Na minha opinião, a resposta está, nem mais nem menos, na História europeia do século XIX, nomeadamente na fase pós revolução francesa. Esquisito? Talvez. Mas vejamos a ascendência de ambas as soberanas, porque creio que foram estas famílias, com um papel relevantíssimo na França e na Itália pós napoleónica, que se encontra a chave para esse enigma neste nosso burgo lusitano.
Comecemos por Dª Maria Pia. Filha de Vítor Emanuel II, Rei da Sardenha e do Piemonte, foi o primeiro Rei de Itália. A Península Italiana no século XIX era um conjunto de Estados relativamente Independentes sem qualquer unidade política, dos quais se destacavam a Sardenha (a norte), os Estados Pontifícios (ao centro), e o Reino das Duas Sicilias (a sul), para além dos pequenos ducados. Digo que alguns apenas eram relativamente independentes, porque desde há muito que a influência austríaca, por força da política de consórcios, se fazia sentir. Foi precisamente por ai que se trilhou o caminho da Independência, começando por combater os Austríacos que ainda dominavam largas parcelas do território a norte, como Veneza e a Lombardia. Nos primórdios, essa guerra não correu bem, levando ao exílio do Rei Carlos Alberto, avô da Rainha Dª Maria Pia, que veio morrer no Porto, depois da derrota na batalha de Novara.
O seu filho, Vítor Emanuel II, aliando-se à França de Napoleão III (de que falaremos mais adiante), e apoiado por um grande valido, Cavour, haveria de retormar esta guerra saindo desta feita trinfante. A Sul, era outro heroi da independência que haveria de conquistar o Reino das Duas Sicilias, o famoso Garibaldi, dando um passo decisivo para a unidade Italiana. Mas para se completar este ramalhete faltavam os Estados Pontifícios, que era uma imensa parcela de território no centro de Itália, que estavam na posse da Santa Sé. E é aqui que, na minha opinião, reside a popularidade da Rainha Maria Pia. O exército de Victor Emanuel II invadiu militarmente estes territórios que se encontravam na soberania de Roma em 1870, levando o papa Pio IX, confinado ao Vaticano, a declarar-se prisioneiro. Este momento foi uma autêntica certidão de nascimento do Estado de Itália, e foi visto pelas forças progressistas como a vitória do mundo secular sobre o clero, atingindo o seu máximo representante. Por isso Vitor Emanuel II, que era um monarca, sempre teve neste Portugal Liberal onde já se trilhavam os caminhos da República, uma imensa aura de prestígio que foi transferida para a sua filha, aquela menina que chegaria com apenas 14 anos a Portugal no dia 5 de Outubro de 1862 e que por cá ficaria precisamente 48 anos.
No caso de Dª Amélia, a história muda completamente de figura. A última raínha era filha do Conde de Paris, Luís Filipe de Orleães, pretendente do trono de França e neto do Rei seu homónimo, que reinou em França entre 1830 e 1848. A casa de Orleães era um ramo menor da Dinastia Borbon, que assumiu o trono após o desastrado reinado de Carlos X.
Após a decapitação de Luís XVI e do processo revolucionário liderado por Robespierre, que permitiu a ascensão de Napoleão Bonaparte, a França que se apresentou no Congresso de Viena de 1814/1815, após o fugaz regresso de Napoleão da Ilha de Santa Helena, restaurou a monarquia dos Borbons na figura de um irmão do rei decapitado, que reinou com o nome de Luís XVIII. Era um rei liberal, que percebeu que, apesar da restauração, os tempos tinham mudado e os poderes do Rei seriam necessariamente mais limitados. Foi um reinado relativamente pacífico, que não teve continuidade com o seu irmão e sucessor, Carlos X, que se comportou como um autêntico Rei Absoluto. Numa França ainda a fervilhar, houve um levantamento popular em 1830 e este este Rei foi obrigado a abdicar do trono. Abdicou num seu filho, mas que não foi reconhecido, passando a coroa para a casa de Orleães, na figura de Luís Filipe, Conde de Paris. Este monarca era de uma grande lucidez política, que se traduziu em algo que parece à primeira vista apenas uma questão de semântica, mas que foi determinante para se manter 18 anos no poder, apesar das constante revoltas das diferentes facções que se digladiavam no poder, desde legitimistas borbónicos, a napoleónicos e republicanos. Ele não se intitulou Rei de França, mas simplesmente Rei dos franceses. Ou seja, ele reconhecia que o poder emanava do Povo, de quem a Coroa dependia. No meio destes tumultos, a que se associou a burguesia que ia robustecendo o seu poder, foi afastado do trono em 1848, com a proclamação da República, que mais tarde degeneraria, por via plebiscitária, no Império de Napoleão III, abdicando o Conde de Paris no seu neto, também Luís Filipe, e que foi o pai da nossa Rainha Dona Amélia.
Ou seja, os republicanos portugueses viam D.Luís Filipe como um empecilho para as forças progressistas e republicanas, que tentavam tornar a França num estado avançado, e cuja luta os fascinava. Convém recordar que naquela altura a França era o farol do mundo. A intelectualidade portuguesa bebia avidamente tudo o que vinha de França, desde livros a jornais (com muitos dias de atraso), pelo que as revoltas francesas tinham uma repercussão enorme em Portugal, e seriam de certa forma inspiradoras para as lutas domésticas que travavam..
Com a República, após a queda de Luís Filipe, um sobrinho do antigo Imperador Napoleão Bonaparte apresentou-se a votos, ganhando a eleição por larga margem. Ao futuro Napoleão III, bem se podia aplicar aquela estrofe que Camões, jocosamente, dedica a Braz de Albuquerque, filho de Afonso de Albuquerque, Vice Rei da Índia, chamando-lhe avarento lisonjeiro, que apenas “doce sombras apresenta”. Ou seja, o seu único mérito era ser filho de um grande Homem, tal como Napoleão III.
No entanto, este sobrinho de Napoleão foi eleito presidente da República e mais tarde, por via plebiscitária, Imperador. Manteve o título até à Guerra Franco-prussiana de 1870, onde saiu derrotado e que culminou com a Comuna de Paris, no que foi o último sopro de chefia hereditária da História Francesa até à data.
A este processo assistiu o pai da Rainha Dª Amélia como um dos pretendentes ao trono, posição sempre ingrata, seja em república, seja em monarquia, mas ainda mais numa mescla de ambos os sistemas.
Evidentemente que a filha do Conde de Paris trazia consigo essa impopularidade, a quem os republicanos não poupavam nos epítetos, tentando passar a imagem de uma rainha beata, conservadora, saudosista do antigo regime, sem que nada se possa provar, a partir da sua conduta, do que lhe imputavam.
A simpatia que Dona Maria Pia granjeava, pela afronta do seu pai ao papa, antagonizava com a antipatia de Dª Amélia, filha do pretendente monárquico ao trono de França, país que se tornou definitivamente uma república em 1870, período em que o Partido Republicano Português começou a ganhar protagonismo político em Portugal.
No entanto, a dívida de gratidão que o país devia a Dª Amélia foi ainda paga em vida, com o apoio que o país lhe deu na França ocupada, mas sobretudo pela viagem que realizou ao nosso país no pós-guerra, onde visitou os locais que frequentou na sua juventude, e em que foi sempre acompanhada por banhos de multidão, cuja manifestação de afecto muito a sensibilizara.
No caso de Dª Maria Pia, que tal como a sua nora embarcou na Ericeira no dia 5 de Outubro de 1910, nunca chegou a regressar à sua pátria. Talvez um dia possam os seus despojos ocupar o lugar que lhe pertence em São Vicente de Fora.
Apesar de tudo o que referi sobre estas 2 mulheres, hoje ninguém discute que foram 2 grandes rainhas, a quem Portugal muito deve.
Se existe um denominador comum aos dois maiores poetas portugueses, para além do seu talento indiscutível, são os versos encomiásticos que dirigiram a D. Sebastião. Se no caso de Camões isso seria praticamente obrigatório, no caso de Pessoa essa devoção sempre foi um mistério para mim. Os Lusíadas são publicados em 1572, em pleno reinado de D. Sebastião, pelo que é normal que Camões dedicasse a obra ao ilustre descendente daquela gesta ilustre de que nos fala a sua obra-prima. Mas Camões não se ficou pelo elogio, na última estrofe incentiva-o a continuar os feitos notáveis de seu avós, que era, diga-se, voz corrente na altura para fazer face às dificuldades crescentes, que nem sequer poupavam as classes mais privilegiadas. O país estava sedento de um projecto mobilizador e achava-se que a porta de saída do marasmo em que tínhamos mergulhado era a conquista de Marrocos. Para Pessoa, o rei “Encoberto” talvez tenha sido mais uma charneira entre o Império Manuelino do século XVI e o seu imaginário “V Império”, em pleno século XX, forjado nos versos dos poetas. Voltaríamos a ser grandes, a ter o mundo nas mãos, mas num Império espiritual, místico, que começaria com o regresso de D. Sebastião, ponto de inversão desta trajectória descendente que seguíamos desde o seu desaparecimento nas praias marroquinas.
O mito do regresso de D. Sebastião é talvez o fenómeno mais conhecido da História de Portugal, embora por vezes não seja compreendido em toda a sua plenitude. Em primeiro lugar, estaríamos a ser desonestos se atribuíssemos a D. Sebastião a excusiva responsabilidade pela decadência portuguesa, que ninguém discute que teve lugar no final da Iª metade do século XVI, mas que é anterior ao seu reinado. Com D. João III, seu avô, já nos debatíamos com a concorrência que nos moviam os holandeses nos mares da Índia, e faltava um plano estratégico que nos permitisse gerir um Império espalhado por quatro continentes. O único facto positivo, foi o abandono das praças do norte de África, que nunca serviram para nada, para além de ser um sorvedouro de recursos do reino.
Para este cenario sombrio, contribuiu ainda a expulsão dos judeus, grandes senhores da finança, que dominavam o comércio das Índias, e que se acentuou com o estabelecimento da inquisição em 1536. Não é por acaso que ainda hoje dizemos a alguém, quando não queremos que faça algo, para ter cuidado que se pode queimar…
Ao contrário do que se possa pensar, D. Sebastião não foi só “o desejado” depois da sua inglória partida para Alcácer Quibir. Ainda não tinha nascido e já o era, não estivesse o Reino a suspirar por um varão que pudesse suceder ao seu avô, D. João III. Isto porque o seu pai, príncipe D. João, era o único filho homem que podia suceder ao “Piedoso”. Parece que teve sempre uma saúde muito frágil. Ainda o conseguiram casar com uma filha do Imperador Carlos V, mas morreu quando a sua mulher estava grávida deste menino. Deste menino, digo eu agora. Na altura, ninguém sabia se era menino ou menina, até que a criança efectivamente nascesse. Começou aí o epíteto de “O Desejado”, porque o Reino rezava por um varão que pudesse chegar a Rei. As preces divinas foram atendidas e em 1554 nasceu um menino, única vergôntea real. Três anos depois, morre D. João III, e essa criança é o novo Rei de Portugal. A regência é ocupada primeiro pela sua avó, D. Catarina, e mais tarde pelo Cardeal D. Henrique, seu tio-avô, que na altura era Inquisidor Mor e viria a ser o último monarca da Casa de Aviz.
A saúde do novo rei era uma preocupação constante, porque era aquela criança o penhor da independência portuguesa, e era crucial que pudesse chegar à idade adulta e casar, para dar ao reino descendentes. Voltou a cumprir-se o desejo da nação. O jovem Rei completou 14 anos, idade em que se atingia a maioridade, e começou o seu reinado pessoal. A partir daqui é que a situação se complicou. Não tanto pelos devaneios que lhe povoavam a mente, que outros monarcas não tiveram em menor grau, e que tinham ressonância na sociedade de então, mas pela sua completa aversão a mulheres. Não faltaram tentativas para o casar, mas o Rei nunca manifestou o mais leve indício de querer contrair matrimónio para dar um herdeiro à já velha monarquia fundada por D. Afonso Henriques. E foi sem casar, nem perspectivas disso, que se meteu naquela aventura pelo norte de África que nos colocou praticamente debaixo do jugo espanhol. Não discuto sequer a batalha em si, porque não existem relatos conclusivos sobre o que terá sucedido ao Rei nesse dia 4 de Agosto de 1578. O que relevo, é que esta data, que podia ser a certdão de óbito do Sebastianismo, acabou por ser um passaporte para a eternidade, com maior populariade em períodos de dificuldade, ou não vivessemos nós também em dias sombrios.
. Os meus links