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Quarta-feira, 13 de Junho de 2012

Dois Lisboetas Célebres

Santo António e Fernando Pessoa. Quis o destino que os Lisboetas com maior projecção no exterior estivessem ligados ao mesmo dia: 13 de Junho. Um porque nesse dia nasceu, outro porque faleceu, com a particularidade de terem o mesmo nome. Bem, aqui já não se pode falar de coincidência, porque o nome de Fernando Pessoa se ficou a dever ao do santo celebrado no dia do seu nascimento.

Começando por Santo António, apenas adoptou este nome em Coimbra, quando ingressou num convento franciscano. Nascido junto da sé de Lisboa, teve como nome de baptismo Fernando Martins, embora também lhe chamem de “Bulhões”, alcunha do pai, provavelmente cobrador de impostos (porque bulhão era uma moeda corrente, dando nome, por exemplo, ao célebre mercado portuense), não sendo de excluir a sua condição de semita. O jovem Fernando pode estudar, primeiro em São Vicente de Fora e mais tarde foi para Santa Cruz de Coimbra, principal centro cultural na idade média, condição que manteve até ao século XX. Estava em Coimbra quando chegou a notícia da morte dos pregadores franciscanos que foram em missão de evangelização para o norte de África. Esta notícia chocou-o profundamente e terá sido o mote para abandonar os frades crúzios e juntar-se aos franciscanos em Santo António dos Olivais, também na cidade de Coimbra, onde renegou à sua vida anterior, mudando inclusivamente de nome para António, numa homenagem a Santo Antão do Deserto, e tomando a resolução de também ele ir para as praias marroquinas como missionário. A partir daqui existem muitas lendas. Diz-se que embarcou para Marrocos mas que foi acometido por um temporal que o levou até à península itálica. Não é de excluir que tenha ido directamente para Itália sem passar pela tormenta marítima, onde viria a conhecer São francisco de Assis. Fixou-se em Pádua, onde pela eloquência da sua palavra depressa ganhou fama de santo. A veneração seria reconhecida pela Igreja de Roma após a sua morte, consagrando-lhe um lugar nos altares. O seu prestigio não é menor em Lisboa, apesar de não ser o padroeiro  da cidade (é São Vicente), mas há muito que assume essa condição de facto. São Vicente nunca entrou na alma popular, provavelmente por ser estrangeiro, ao passo que Santo António entranhou-se profundamente no espirito bairrista que anima a capital. Outra curiosidade é a dimensão fortemente pagã que Santo António adquire em Lisboa. É o santo folgazão, casamenteiro, que anima os bailaricos das festas populares, o que é um paradoxo insuperável à luz daquilo que foi a sua vida terrena e bem diferente da devoção que lhe prestam em Pádua.

Fernando Pessoa não partilha com este Santo Popular apenas o nome (Fernando António). Também ele saiu de Portugal, embora ainda em criança e porque acompanhou a sua mãe, que casou em segundas núpcias com o cônsul Português em Durban. Foram 10 anos, dos 7 aos 17, que Pessoa passou fora de Portugal. Foi aluno distinto e a condição de bilingue que adquire na África do Sul deu-lhe possibilidade de escolher se no futuro queria trilhar o seu destino na língua de Camões ou de Shakespeare. Falou mais alto a sua pátria de nascimento, regressando para cursar letras, curso que nunca concluiu, mas sobretudo para se tornar um poeta português. Vivia animado pela ideia de ser o super Camões que os novos tempos pediam. Daí a sua indiferença face ao poeta de “Os Lusíadas”. Na “Mensagem”, onde escreve sobre várias personalidades, não lhe dedica um único verso e na sua biblioteca não consta uma única obra sua, nem sequer a sua obra-prima, vista como obrigatória na biblioteca de qualquer aspirante a escritor. Desistindo do curso, começou a trabalhar como tradutor e correspondente comercial em escritórios de Lisboa, embora nunca tenha aceite um emprego a tempo inteiro, para poder dedicar-se à sua obra. A única vez que pretendeu a um emprego em horário completo foi já no final da vida, quando se candidatou ao cargo de bibliotecário no Museu dos Condes de Castro Guimarães, em Cascais, quando desejava afastar-se da capital, para procurar algum alívio para as suas tormentas físicas e psicológicas.

Foi um escritor compulsivo, criando uma miríade de heterónimos, embora fiquem para a história os 3 poetas: o bucólico e naturalista Alberto Caeiro, o clássico e conservador Ricardo Reis e o cosmopolita e sensacionalista Álvaro de Campos. Jorge de Sena chega a aventar a hipótese de Fernando Pessoa, nome sob o qual publica a “Mensagem”, ser também ele um heterónimo e Álvaro de Campos o Ortónimo, embora a riqueza da obra pessoana não nos autorize conclusões tão lapidares.

Morreu quase como um anónimo, mas nunca teve dúvidas da sua glória póstuma. No entanto, não acredito que pensasse que o seu reconhecimento fosse ao ponto da sua transladação para os Jerónimos. Hoje é um poeta conhecido nos 4 cantos do mundo, sendo mais reconhecido inclusivamente no Brasil do que na sua pátria de nascimento, onde é o principal embaixador da cultura portuguesa.

Como lisboeta, rendo a minha homenagem a estes meus dois conterrâneos, no dia da nossa cidade.      

publicado por Rui Romão às 01:24
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Domingo, 10 de Junho de 2012

Dia de Camões

 

Hoje comemora-se o dia de Portugal. Outrora denominado por “Dia da Raça”, tem actualmente a designação de Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas. É motivo de orgulho para um país onde os eternos “Velhos do Restelo” tudo deturpam, tudo vilipendiam, tudo apequenam, que o dia da nacionalidade seja alusivo a um poeta. É óbvio que não se trata de um poeta qualquer, trata-se do poeta mais influente da língua portuguesa. Não digo que seja o maior poeta português, porque teve que rivalizar, já praticamente nos nossos dias, com a sombra de Fernando Pessoa. Não se pode dizer que a poesia pessoana seja no seu épico “A mensagem” comparável com os “Lusíadas”. A diferença é que Pessoa foi muito para além da epopeia (de cariz marcadamente sensacionalista, bem distante do barroco literário de Camões), numa obra que, segundo um seu biógrafo recente, chegaria às 30.000 páginas, num total de mais de 200 heterónimos. Pessoa é hoje um poeta cosmopolita, cuja projecção externa suplanta largamente a de Camões, cuja obra, por ser quase obcessivamente portuguesa, não demonstra a mesma capacidade de se impôr no exterior. Fernando Pessoa, no imenso acervo de papéis, que inclui inúmeras cartas pessoais, deu a sua opinião sobre quase todas as figuras de relevo do seu tempo. Nesse particular, mostrou ter uma língua particularmente viperina, não poupando personalidades do seu tempo até então quase sagradas, como Eça de Queirós (a quem chama provinciano), Afonso Lopes Vieira (denunciando a sua infantilidade) ou Guerra Junqueiro, poeta que admirava na juventude mas que mais tarde consideraria “fraco” (António Sérgio era da mesma opinião).

Sobre Camões, Pessoa escreveria que tinha uma obra muito desigual. A lírica não tinha rasgo, sendo de valor sobretudo o épico. No entanto, mesmo no épico, denuncia a falta de imaginação, que segundo ele não foi além da figura do Adamastor. Curiosamente, a mesma crítica – falta de imaginação – lhe é apontada pelo Brasileiro José Paulo Cavalcanti Filho, embora o biógrafo limite essa característica apenas à escolha de situações e nomes, que Pessoa retirava do que lhe estava próximo (objectos e pessoas), num exercício que apesar de interessante, não fecha a porta à especulação.

Devo dizer que não me posso rever na crítica que Pessoa faz à obra de Camões. Em primeiro lugar, porque a lírica camoniana é bastante interessante, pnão fosse ela profundamente autobiográfica. Num poeta que não deixou rasto nem documentos (para além da sua prisão na Cadeia do Tronco, por dar uma cutilada num empregado do paço) a sua lírica é fundamental para encontrar o fio condutor da sua vida. Para além do interesse autobiográfico, a lírica camoniana tem igualmente poemas onde o poeta coloca todo o seu génio e talento, como por exemplo na Canção X.

Quanto ao épico "Lusiadas", é revelador de uma sólida cultura, dos clássicos e também das crónicas, o que não deixa de ser notável para alguém que, ao que tudo indica, nunca teve formação numa universidade. Sendo escudeiro, o que era uma classe de servidores dos nobres, mas que não lhe conferiam esse estatuto, esteve ao serviço dos Condes de Linhares, o que acabou por ser a sua perdição, pelo indisfarçado sentimento pela sua ama, Dª Violante de Andrade. Sendo plebeu e não tendo meios de fortuna, como conseguiria tornar-se culto ao ponto de escrever uma obra tão notável como os Lusíadas? Eu penso que o próprio Camões dá a resposta no Canto X, estância 154, nos "Lusiadas" onde se dirige ao próprio Rei D. Sebastião:

 

Mas eu que falo, humilde, baixo e rudo

de vós não conhecido nem sonhado?

Da boca dos pequenos sei, contudo,

que o louvor sai às vezes acabado.

Nem me falta na vida honesto estudo,

com longa experiência misturado,

nem engenho, que aqui vereis presente,

cousas que juntas se acham raramente

 

Esta estância é completamente esclarecedora e definitiva da condição social e da forma como ele se via a si próprio. Nos dois primeiros versos ficamos a saber que é de baixa condição social e que não frequentava a corte: “de vós não conhecido ou sonhado”. No 3º e 4º reforça a sua baixa condição social e algum sentimento de ingratidão, pelos louvores dados a outros que não terão o seu talento. A estância termina com o auto-elogio. Camões explica como adquiriu o seu conhecimento “nem me falta na vida honesto estudo, com longa experiência misturado”, ou seja a sua escola foi na vida, estudando e aprendendo com a sua experiência. Culmina a estrofe mencionando o seu talento, que associado ao seu trabalho honesto “juntas se acham raramente”. Esta estrofe “despe” completamente Camões dos mitos da sua fidalguia e da sua cultura académica. No entanto, também não comprova a teoria, também muito veiculada, de que tenha morrido na miséria. Para começar, porque entre a data de publicação dos "Lusíadas"(1572) e a morte, a 10 de Junho de 1580, ainda medeiam 8 anos. Está documentado que depois da publicação da sua obra-prima, foi-lhe concedida uma tença, que não sendo nenhuma fortuna, daria algum amparo. Também não está provado que tivesse um criado que lhe pedia esmola para si. Se tivesse assim tão depauperado, podia fazer algo muito mais fácil que seria vender o próprio escravo – o Jau (significa que era natural da ilha de Java).

A biografia de Camões nunca estará completa, mas o poeta também não precisa dela para ser consagrado como o Príncipe das letras portugueses, numa corte onde também têm lugar Fernando Pessoa, Eça de Queirós e o Padre António Vieira.

Neste 10 Junho, viva Portugal. 

publicado por Rui Romão às 00:01
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Quinta-feira, 7 de Junho de 2012

"Mal Por Mal, Antes Pombal"

 Hoje, dia 7 de Junho, é feriado municipal em Oeiras. Sou bem conhecedor desta data porque vivi 20 anos neste concelho e recordo-me de celebrarmos o feriado municipal uma semana antes de Lisboa, alusivo a Santo António. Em Oeiras, e ao contrário do que sucede na esmagadora maioria dos concelhos, o dia do município não nos remete para os altares. O feriado alude ao dia em que o sr. Sebastião José Carvalho e Melo, Ministro D'el Rei D. José I, e prestigiadíssimo pela sua determinação na reconstrução de Lisboa que estava então em marcha, foi elevado à dignidade de Conde de Oeiras, corria o ano de 1759. Nesse mesmo ano o Rei concede foral à Vila, no que foi um dos últimos forais concedidos em Portugal e que não deixa de ser caricato. Os forais foram o sustentánculo do sistema feudal. Estabelecia uma espécie de lei orgânica que regia os destinos da terra, prevendo os tributos, garantias e isenções ao senhorio e outras disposições como o direito de aposentadoria e a prestação do serviço militar. A maioria dos forais portugueses foram concedidos nos primeiros reinados, pelo que quando chegamos ao século XVI já se encontravam muito desfazados da realidade. D. Manuel procedeu então à sua reforma, tendo concedido novos forais a substituir os antigos e revendo algumas disposições que já não se justificavam à data. Passar um foral no século XVIII, como D. José fez em relação a Oeiras, apenas pode ser justificado pela vontade em prestigiar a terra, embora não tenha tido efeitos práticos, para além da doação dos terrenos onde o futuro Marquês de Pombal construiria o seu palácio. Neste palácio o Estadista acolheu o próprio Rei, em escala para o Estoril, onde ia procurar alívio para os seus problemas de saúde. 

O Paço de Oeiras ainda hoje impressiona pela opulência que exibe. Hoje sentimo-nos chocados pela riqueza que um governante, que vivia exclusivamente do erário público, conseguia acumular, mas naquele tempo era normal. Os próprios lugares onde se podia enriquecer, nomeadamente nas alfândegas, eram disputadíssimos. A consciência para o serviço público como atitude abnegada apenas surge com o liberalismo. Quem parece que não se apercebeu que os tempos tinham mudado foi o Costa Cabral, tendo sido atacado por receber oferendas em troca de favores políticos (o caso mais conhecido foi o de uma caleche).

O Conde de Oeiras foi nobilitado com o título de Marquês de Pombal dez anos depois, embora ele não tivesse nenhuma relação com a Vila. Nascido em Lisboa, subira na vida graças à acção de um tio que era cónego na Sé. Foi chamado a exercer cargos diplomáticos na corte austríaca e inglesa, em ambos os casos com reconhecida competência. Destas experiências formaria a sua visão do Estado Ideal, bebendo a doutrina política na primeira e a económica na segunda, chegando a portugal no final do reinado de D. João V já com ideias bem definidas e deparando-se com um país à driva. O Rei estava velho e doente já não tinha a clarividência de outrora. Sebastião José veio casado com uma senhora austríaca e como na corte do "Magnânimo" se falava o idioma alemão, em virtude da Rainha ser também austríaca (D. Mariana da Austria). D. João V não durou muito mais, sendo em 1750 aclamado D. José, que o nomeou para o cargo de Ministro dos Estrangeiros e da Guerra. Até ao terramoto foi um ministro como os outros, mas nesse fatídico dia, enquanto que todos quanto puderam fugiram, ele ficou. Como era Ministro da Guerra pode destacar os batalhões para manter a ordem e evitar a pilhagem,  começando logo nesse dia a gizar os planos para uma nova Lisboa, concebida de acordo com o despotismo iluminado que perfilhara com convicção.

Este ascendente real não se ficou pela arquitectura. Nenhuma classe, das tradicionais que ele aprendera na escola, escaparam ao seu controlo. Expulsou os jesuítas (clero), acabou com a familia nobre mais poderosa - os Távoras- e enforcou umas dezenas de populares no Porto, na sequência de um motim contra o fecho das tabernas.

Ao longo destes 22 anos, de 1755 a 1777, foi um autêntico Rei absoluto. Esta postura grangeou-lhe muitos inimigos, que esperavam pela oportunidade de vingança. Com a queda de D. José e a política da "Viradeira" de D. Maria, Pombal viu destilar contra si todos os ódios que tinha semeado. Foi obrigado a afastar-se da corte, fixando-lhe o exílio em Pombal, o que para ele foi uma morte anunciada. Ele esperava acabar os seus dias naquele opulento palácio de Oeiras, e por esse motivo não construiu nenhum em Pombal. De resto, o título de Marquês de Pombal só lhe foi concedido por ser o lugar onde o tal tio cónego tinha umas propriedades. E por esse motivo as únicas coisa que mandou construir em Pombal foi um celeiro para guardar os cereais (que as gentes da terra lhe tinham que pagar como imposto) e uma enorme prisão.

Acabou os seus dias de uma forma amarga, mas ficou no imaginário popular, principalmente depois da implantação da República, culminando com a construção daquele gigantesco monumento no cimo da Avenida da Liberdade! Com todos os defeitos e virtudes, não passou muito tempo após a sua morte, para ouvir o povo dizer em surdina" mal por mal, antes Pombal".

      

publicado por Rui Romão às 00:03
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Segunda-feira, 4 de Junho de 2012

O Infante Dom Fernando - Tropeçando na História

O título deste post será certamente dos mais invulgares que escrevi. Desde logo porque pouco sugere acerca do tema do mesmo. Apenas refere um nome, merecidamente pouco conhecido na História de Portugal, e o resumo da sua biografia. Bem que neste caso se podia aplicar a célebre frase de Eça, ao referir que não tinha história, tal como a república de Andorra, ou Pessoa, que também escreveu que dados para a sua biografia apenas a data de nascimento e morte... qualquer dos exemplos não podia estar mais nos antípodas da verdade.

Este Infante Dom Fernando era um irmão de Dom João III. Não creio que tenha sido particularmente ilustre, como outro seu irmão mais velho, Infante Dom Luis, pai do Prior do Crato, e não seria mais do que uma nota de rodapé na História, não fosse ter estado envolvido em dois episódios caricatos, ambos provocados pela boa-vontade do monarca em garantir aos seus irmãos meios de subsistência. Este era um assunto recorrente, que apenas foi resolvido depois da restauração. Os filhos dos monarcas, que não seriam reis, não tinham fontes de rendimento que lhes permitissem viver condignamente, tal como obrigava a sua condição social. No caso das infantas, esse assunto foi quase sempre resolvido com o casamento com monarcas estrangeiros, no âmbito das políticas de alianças com as cortes europeias. Nos filhos homens essa aliança era mais difícil. Este problema ficou resolvido com a criação da Casa do Infantado, com a restauração de 1640, quando os bens dos Marqueses de Vila Real integraram esta nova instituição que tinha como objectivo precisamente sustentar os filhos segundos e terceiros. Por exemplo, os terrenos do Palácio de Queluz, era um desses bens que foram incluídos no Infantado, e como o Rei Consorte, D. Pedro III, irmão mais novo do Rei D. José, casou com a sobrinha e Rainha titular, Dª Maria I, os bens entraram novamente na Coroa, e assim se construiu um palácio real.

Mas falando dos "tropeções" do Infante Dom Fernando, o primeiro é muito conhecido. Trata-se do casamento com Dona Guiomar Coutinho, Herdeira das casas de Marialva e Loulé, que era uma viúva riquíssima e como tal cobiçada por D. João III para casa-la com o tal Dom Fernando. Sucede que quando o casamento estava a ser negociado, interpôs-se o então Marquês de Torres Novas (e futuro Duque de Aveiro), Dom João de Lencastre, que afirmou que a senhora não podia casar com o Infante porque já era casada com ele. Tinha sido um casamento secreto, mas perfeitamente válido. Perante esta situação Dª Guiomar Coutinho acabou por negar que estivesse casada com o Marquês, e este esteve 10 anos encarcerado no castelo de São Jorge. Ficou o romance de Camilo Castelo Branco "O Marquês de Torres Novas" para imortalizar o episódio.

A outra situação é bem menos conhecida, mas intersecciona com outro episódio, bastante mais conhecido da História de Portugal - a do Bandarra, Sapateiro de Trancoso. Este acontecimento foi despoletado pela doação da Vila de Trancoso ao Infante. Quem não se conformou com esta benesse foi o povo de Trancoso, que reagiu energicamente contra esta medida. A razão era simples. As terras que tinham "senhor" eram sempre mais oneradas em impostos do que os reguengos, ou seja terras da coroa. O Rei tinha vastos domínios, pelo que seria impossível ser muito transigente (e exigente) em tantas terras de que era dono. Pelo contrário, as terras concedidas a algum nobre (ou a ordens religiosas) eram a única fonte de rendimento dos mesmos, pelo que tentavam alcançar o máximo de riqueza à custa do povo, que amanhava a terra das suas courelas e que ao abrigo do regime enfiteutico pagava o usufruto da propriedade (em géneros). Esses pagamentos tendiam a ser muito maiores e cobrados com maior rigor nestes senhorios. Não eram raras as revoltas populares contra estes abusos, e a prova dessa tensão são as torres que ladeavam os paços dos senhores da terra. Diz-se muitas vezes que eram para defender a terra em caso de invasão externa, mas na maior parte dos casos foram feitas para defender o senhor da terra da ira do seu próprio povo. Foi esta força municipalista, que em Trancoso já estava bem enraizada, que levou um tal de Lopo Cardoso, um dos "maiores da Vila", entenda-se um Homem Bom do Concelho, a ir a lisboa e por lá permanecer meia dúzia de anos na Corte a interceder contra esta doação. O assunto acabou por resolver-se pela morte do triste Infante, libertando assim Trancoso, que permaneceu um reguengo.

O Bandarra entra nesta história, porque ele é contemporâneo desta luta do povo de Trancoso, e muito provavelmente os seus poemas, que ele próprio não saberia muito bem o que significariam, foram inspirados nesta revolta popular, em vez de, como se atribui, à invasão Espanhola de 1580.

É só uma hipótese.     

publicado por Rui Romão às 08:49
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Sexta-feira, 1 de Junho de 2012

Biografias

Almada Negreiros escreveu um dia que o ano mais feliz da sua vida seria 1993, ano em que o país inteiro comemoraria o centenário do seu nascimento. A previsão revelou-se pouco acertada, passando a efeméride bem despercebida na sociedade portuguesa. O mesmo não poderia dizer o seu amigo Fernando Pessoa, que embora nunca o tenha dito taxativamente, não terá duvidado da sua glória póstuma. Em 1986 foi transladado para os Jerónimos e em 1988, ano do seu centenário, o país rendeu-lhe uma enorme homenagem. Já um dia escrevi sobre este assunto, atrevendo-me a alvitrar que nem nos melhores sonhos Pessoa poderia antever a dimensão que atingiria a sua obra (apesar de este não ser modesto), e que essa glória, no seu zénite, pudesse ser testemunhada pela sua única amada, Ofélia Queiroz.

Estes dois exemplos ilustram bem a dificuldade em fazer projecções a longo prazo sobre a forma como a obra será valorizada pelas próximas gerações. Conhecem-se inclusivamente casos clássicos de obras que nos chegaram até hoje, porque não foi cumprida a vontade dos seus autores. Os casos clássicos são o de Virgílio, que pediu que destruíssem a sua “Eneida”, ou de Franz Kafka, que também quis que a sua obra, onde se destacam obras-primas como “O Processo”, não sobrevivessem à sua passagem pelo mundo. Em ambos os casos, a vontade dos autores não foi respeitada e a humanidade ficou a ganhar, embora também se tenha que avaliar esta questão no plano ético.

No caso português, Santa-Rita Pintor, na hora da morte (bastante prematura, diga-se) pediu para que destruíssem todos os seus quadros, porque entendia que o seu talento não tinha tido tradução na qualidade da sua obra. A vontade foi cumprida e hoje aquele que foi o introdutor do futurismo na pintura portuguesa está completamente esquecido.

Se não podemos fazer um balanço do que foi a nossa vida na hora da morte, também não podemos traçar o destino de ninguém na hora do seu nascimento. São inúmeros os exemplos que desafiam esta lógica. Na grande epopeia dos descobrimentos, os dois protagonistas desta empresa, Vasco da Gama e Dom Manuel, são heróis completamente improváveis.

Vasco da Gama era filho 2º do Alcaide Mor de Sines. Imagine-se, um filho segundo de um alcaide, que dependia da Ordem de Santiago, cujo mestre era o grande rival do Rei Dom Manuel - por ser filho do seu antecessor, embora a bastardia lhe tenha impedido de aceder ao trono. Como é que o filho cadete de um alcaide que estava na dependência da Ordem de Santiago, cujo Mestre era Dom Jorge, ostracizado por Dom Manuel, vai chefiar uma armada da Ordem de Cristo, cujo mestre era o próprio Rei? O facto de ter sido Vasco da Gama e não o seu irmão mais velho, Paulo da Gama, pode dever-se à saúde débil deste último – que viria, de resto, a falecer no regresso da viagem da Índia. No entanto, a resposta para a questão de fundo repousa, na minha opinião, no tacto político de Dom Manuel, de que deu inúmeras provas no seu reinado, ao não pôr de parte os homens de confiança de Dom João II . Afonso de Albuquerque, que era um dos Ginetes de Dom João II, veio a ser Vice- Rei da Índia, é outro bom exemplo desta política.

Dom Manuel foi Rei ao arrepio de todas as probabilidades. Ele era o 8º filho(!) de um infante. Como vigorava a lei sálica, poderia subir alguns lugares na linha de sucessão por ser homem. No entanto, ele tinha, nada mais, nada menos, do que cinco irmãos mais velhos.

Filho do infante Dom Fernando, sobrinho e herdeiro do Infante Dom Henrique, e de Dona Beatriz, também sobrinha do Infante, era cunhado de Dom João II, que casou com a sua irmã, Dona Leonor. Viu o seu irmão mais velho, Dom Diogo, ser morto às mãos do Rei, por estar a planear um golpe para o eliminar. Foi este facto, associado à morte do sobrinho, Dom Afonso, à não legitimação do Mestre de Santiago, e à morte natural dos seus irmãos mais velhos, que o levou ao trono.

Em suma, a História não se escreve nem quando nascemos nem quando morremos mas pelo que alcançamos neste hiato. Eça escreveu um dia que ele não tinha história, era como a República de Andorra. Enganou-se. Ele foi grande e por isso ficou na História. E neste grupo restrito só ficam os que conseguem deixar um legado importante para os vindouros. É esta a mensagem que eu gostaria de deixar ao Vasco, um dia que ele leia estas linhas.

publicado por Rui Romão às 08:40
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