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Quarta-feira, 23 de Janeiro de 2013

A Sardinha e o Salmonete

Quando Portugal escreveu a mais gloriosa página da sua História – a chegada à Índia por via marítima e a descoberta do Brasil – estava no trono o Rei D. Manuel I, cognominado de “O Venturoso”. No fundo este epíteto resume aquilo que ainda hoje se pensa que foi o seu reinado. Teve ventura, ou, numa linguagem mais corrente, muita sorte. Assim se explica que na Exposição Universal de 1998, os grandes homenageados tenham sido o Infante D. Henrique e D. João II, este último dando nome à principal avenida onde decorreu o certame.

Será justo este juízo? Confesso que já pensei que sim, mas hoje em dia tenho mais dúvidas. As minhas dúvidas fundam-se na análise do contexto em que D. Manuel recebe a coroa, muito a contragosto, diga-se, do seu antecessor – o implacável D. João II.  

Ao Príncipe Perfeito devemos um legado notável na construção de um projecto para Portugal. Sucedendo ao seu pai - o pusilânime D. Afonso V - viu na chegada marítima à Índia a chave para resolver o problema crónico da fazenda pública (este problema vem de longe).

Ao contrário do que por vezes se diz, as especiarias já chegavam à Europa muito antes dos portugueses abrirem a Rota do Cabo. Eram levadas pelo Mar Vermelho ou pelo Golfo Pérsico em navios turcos e depois o trajecto até as costas do Mediterrâneo era feito por terra em caravanas de mouros, que depois as vendiam a navegadores florentinos, genoveses ou venezianos que as transportavam para a Europa pelo Mediterrâneo. Com tantos intermediários, estes produtos - muito apreciados e valiosos – chegavam caríssimos à Europa.  

D. João II teve a ideia de aproveitar os avanços na exploração da costa Africana – obra do seu tio-avô, o Infante D. Henrique – para chegar à India, contornando África e assim dominando este lucrativo negócio. Sem intermediários nem portagens, estavam garantidas boas margens para o nosso país no comércio com os principais entrepostos da Europa.

Este plano efectivou-se e D. João II só não o pôde ver concretizado porque morreu, em circunstâncias muito estranhas, em 1495, quando contava apenas 40 anos. Desconfia-se que tenha sido envenenado, o que não admira pela brutalidade com que D. João II conduziu os negócios do Estado, movendo uma guerra sem quartel contra os fidalgos, muito prodigalizados no reinado do seu pai. Recordemo-nos que D. João II sentenciou o Duque de Bragança – confiscando-lhe o ducado – e matou (talvez pelas próprias mãos) o seu primo e cunhado – D. Diogo Duque de Beja. O rol não se fica por aqui, que o digam o Bispo de Évora, ou um pobre coitado que olhou em demasia para a sua irmã – a Princesa Santa Joana.

Foi neste ambiente crispado, de forte tensão, entre o povo que amava D. João II e os fidalgos que o apelidavam de tirano, que D. Manuel herda o trono.

Neste contexto o Rei podia escolher apoiar-se mais nos fidalgos, que foram os grandes “advogados” da sua realeza, em detrimento de um reinado mais popular. No entanto, não foi isso que fez. Teve antes, a atitude inteligente de promover o equilíbrio e a união entre os portugueses. Vários são os exemplos dessa política de bom senso.

Restaurou a Casa de Bragança mas recompensou D. Vasco Coutinho, a quem D. João II tinha dado a vila de Borba (que pertencera à casa brigantina) concedendo-lhe a Vila de Redondo. Com a agravante de ter sido este mesmo Vasco Coutinho o delator do plano de regicídio de D. João II, e como tal, responsável pela morte seu irmão, D. Diogo, Duque de Beja.

Dom Manuel tentou satisfazer o pedido de Vasco da Gama, de lhe ser dado o título de Conde de Sines, como recompensa pela chegada à Índia. Sucede que Sines pertencia à Ordem de Santiago, cujo Grão-Mestre era D. Jorge, filho bastardo de D. João II, e seu rival na sucessão de D. João II, que muito se esforçou para que fosse o filho a suceder-lhe. Acabou por lhe dar a Vila da Vidigueira, não hostilizando o bastardo.

A própria empreitada da armada da Índia, confiada a Vasco da Gama, poderá ter sido ainda uma escolha de D. João II, porque o Almirante era filho do alcaide-mor de Sines, que, por conseguinte, dependia da ordem de Santiago. Afonso de Albuquerque, o grande Vizo-Rei da Índia, era também próximo de D. João II, fazendo parte do seu grupo de Ginetes (Guarda-Costas, na linguagem actual). Isso não o impediu de prestar grandes serviços à coroa de D. Manuel.

D. João II usava como metáfora que as nações eram como os mares, onde existiam muitas espécies de peixes. A sardinha que abundava, era boa e barata. E o salmonete que era também bom, mas era escasso e caro. D. João II era pela sardinha. D. Manuel não foi nem pela sardinha nem pelo salmonete. Foi um Rei de todos os portugueses, e por conseguir essa união entre todos os estratos da sociedade é que nós fomos tão grandes.

Grande lição para o século XXI.  

publicado por Rui Romão às 08:25
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Sexta-feira, 18 de Janeiro de 2013

O Malogrado Regicídio

No dia 19 de Dezembro de 2011, num post dedicado aos Duques de Aveiro, comecei o texto com uma legenda que ainda hoje se pode ler no monumento que fica num beco esconso, mesmo ao lado da célebre confeitaria de Belém:

"Aqui foram arrasadas e salgadas as casas de José Mascarenhas, exautorado das honras de Duque de Aveiro e outras, condemnado por sentença proferida na suprema juncta de inconfidência em 12 de Janeiro de 1759. Justiçado como um dos chefes do bárbaro e execrando desacato que na noite de 3 de Setembro de 1758 se havia cometido contra a real e sagrada pessoa de D. José I. Neste terreno infâme se não poderá edificar em tempo algum".

A coluna fica no beco do chão salgado, conforme se pode ler na placa com o topónimo, no exacto local onde se situava o palácio de José de Mascarenhas, Duque de Aveiro, cujas casas foram arrasadas por este ter sido sentenciado como um dos conspiradores na tentativa de regicídio de Dom José. Salgado, porque, como é do conhecimento geral, o sal impede as culturas de crescer nos campos de cultivo, pelo que se usou esta metáfora para, como refere a última linha da legenda, “Neste terreno infâme se não poderá edificar em tempo algum”. O facto de este monumento estar hoje engolido por casas num beco apertado, dá-nos conta de como a vontade dos homens, por muito poderosos que sejam, não resiste à nossa curta existência terrena. Em 1758, Lisboa ainda era um monte de escombros. Mal refeita do terramoto que a abalou 3 anos atrás, a cidade tinha-se mudado para ocidente, onde se chegou a equacionar a hipótese de ai fixar definitivamente o seu centro nevrálgico. Por estes anos, a administração do Reino transferiu-se para a zona de Belém /Ajuda. O Rei vivia no Barracão da Ajuda e, como é compreensível, rapidamente se juntaram na imediações os seus apaniguados. Não foi só em Belém que isso se verificou. Se olharemos com atenção em redor da Baia de Cascais, podemos ver ainda hoje os palácios do Duque de Palmela (de inspiração inglesa) e o do Duque de Loulé (de inspiração francesa) que os mandaram construíram no final do século XIX porque Cascais era o local de eleição do Rei Dom Luis – que curiosamente não tinha Paço na então vila de pescadores, ficando hospedado na casa do governador, conhecida por “Cidadela de Cascais”. Regressemos a Belém e ao dia do atentado. No dia 3 de Setembro o Rei regressava a altas horas da visita à sua amante, a marquesa “nova” de Távora, e é interceptado a caminho do Real Barracão - mandado erigir em madeira porque D. José, assustado com o terramoto, não quis nunca mais habitar um paço de alvenaria – sendo o coche real alvejado, ferindo o Rei num braço. No local do atentado foi erigida, por ordem de Dona Maria I, filha de D. José, uma Igreja a que chama da Memória (por alusão à memória do atentado), onde, curiosamente, hoje repousam os restos mortais do Marquês de Pombal. 

O cocheiro conseguiu levar a carruagem real a caminho do cirurgião-mor e a rapidez com que o fez terá sido decisiva para salvar a vida ao monarca. Este episódio foi nos primeiros dias pouco comentado, com um sigilo pouco habitual em assuntos desta monta. Dizia-se muita coisa – inclusivamente que o Rei tinha morrido – mas nada transpirava do paço. O próprio Marquês de Pombal teve uma atitude muito passiva, mesmo quando já circulava o boato de que tinham sido os “Távoras” a atirar contra o Rei. Ressalve-se que o atentado teve lugar no dia 3 de Setembro e as prisões só começaram a meio de Dezembro (o edital tem data de 9 de Dezembro), ou seja mais de 3 meses depois da tentativa de regicídio. O que justifica este hiato? Diz-se que foi a própria amante do Rei a delatora do Duque de Aveiro e que a partir daqui outros implicados foram arrolados. Não tenho a certeza de que as coisas se tenham passado desta forma, mas este compasso de espera deve ter servido para Sebastião José arquitectar um plano para tirar o melhor partido possível do atentado, conducente ao fortalecimento do poder real, ou seja do seu próprio poder, quando já era o valido incontestado do Rei. As prisões começaram no dia 13 de Dezembro. Os Távoras foram encarcerados no pátio dos bichos do Paço de Belém, onde ainda hoje podemos observar os seus cárceres, no átrio da entrada da Calçada da Ajuda, actual da sede da presidência da República. As mulheres (Duquesa ade Aveiro e Marquesa de Távora e suas filhas) foram mantidas sob custódia em conventos. O Duque de Aveiro foi detido na sua quinta de Azeitão. As casas dos jesuítas foram cercadas pela tropa. O processo a que se faz menção no pelourinho do chão salgado foi extraordinariamente célere, culminando com a execução de 12 de Janeiro de 1759. A peça jurídica propriamente dita, classificam os especialistas, foi uma monstruosidade, mesmo para os parâmetros da época. Entre outras “pérolas” destaca-se o facto de até as testemunhas terem sido postas a tormento, para além da ausência de provas do crime. O único a confessar foi o Duque de Aveiro, interrogado na véspera de Natal (!), implicando os Távoras, provavelmente quebrado perante a tortura impiedosa a que todos os acusados foram submetidos. Com este processo Pombal desfere um golpe mortal nos seus inimigos figadais, que conspiravam na sombra para o derrubar. Dizia-se que este grupo era apoiado pelo próprio irmão do Rei, o futuro D. Pedro III, e que por esse motivo Pombal sempre desconfiou dele. No entanto, esta antipatia pelo infante não o impediu de “aprovar” o casamento com a herdeira do trono. Provavelmente concordou com o matrimónio acossado pela perspectiva de um casamento com um príncipe estrangeiro – e como tal menos “maleável” - ou então porque se apercebeu rapidamente que o irmão do Rei não andaria muito longe de ser um completo pateta. Depois destes fidalgos, faltavam os jesuítas. A antipatia com a ordem era assunto que extravasava a sua actuação em Portugal. No Brasil os jesuítas eram praticamente soberanos. A sua acção não se restringia às missões espirituais, tomando partido nos negócios que se faziam entre a colónia americana e a metrópole e na própria governação daquele gigantesco território. Pombal criou a companhia do Grão Pará precisamente para mitigar esse poder e para que a coroa reassumisse o controlo (e os proventos) desse comércio, criando a óbvia antipatia junto da Ordem. Por outro lado, eram os jesuítas que controlavam o ensino em Portugal, eram os confessores do Rei e da Rainha, e como tal faziam sombra ao poder do ministro. A acção de Pombal foi tão enérgica que não só conseguiu extinguir a ordem em Portugal, como mover influências junto da corte Espanhola e Francesa até conseguir a extinção da formal da ordem na Europa pelo Papa Clemente XIV. Ainda hoje não se sabe quem foram os verdadeiros responsáveis pela tentativa de regicídio, nem provavelmente algum dia se saberá. O mesmo sucede com o regicídio – este consumado – do Terreiro do Paço. Geralmente nunca ficam cabalmente provadas nem as circunstâncias, nem as responsabilidades pessoais pelos crimes políticos, ao contrário do que sucede na generalidade dos outros crimes. Porquê? Não vejo outra justificação que não seja a ligação a altas esferas da administração, que assim conseguem direccionar a investigação para longe dos verdadeiros culpados. Foi o que sucedeu no desacato de 1758? Teriam sido mesmo os Távoras e o Duque de Aveiro os responsáveis? A pergunta vai continuar sem resposta.

publicado por Rui Romão às 11:31
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Sexta-feira, 11 de Janeiro de 2013

Regicídio(s)

 

Em Portugal quando se fala de regicídio associa-se imediatamente ao drama do Terreiro do Paço de 1 de Fevereiro de 1908, onde o Rei D. Carlos e o Príncipe D. Luís Filipe pereceram às mãos dos republicanos. No entanto, este episódio, de extrema importância para a implementação do regime republicano, está longe de ser um acto isolado. Ao longo da nossa História vários foram os monarcas que partiram em circunstâncias muito suspeitas. O trisavô de D. Carlos, D. João VI, morreu depois de comer uma laranja, supostamente com arsénico. Se recuarmos até ao século XV, temos o caso de D. Afonso V, que morreu depois de beber um copo de água no Paço de Sintra. Não faltou quem dissesse que o Rei tinha sido assassinado pelo filho, embora a dedicação que D. João II sempre manifestou em vida relativamente a seu pai não nos autorize a tirar esta conclusão. Recordemos que D. João II foi o único rei português a ser coroado 2 vezes. A primeira na sequência da abdicação de Dom Afonso V, que depois de perder a esperança no auxílio do Rei de França na famosa guerra da Beltraneja, decidiu vestir o hábito e seguir em peregrinação à Terra Santa. Escreveu ao filho para comunicar a sua decisão e entregou-lhe o poder. O Príncipe Dom João foi então coroado como D. João II, mas foi um curto “pseudo-reinado”, porque o seu pai foi obrigado a regressar pelo Rei de França, e ao chegar a Portugal reassumiu, pelo menos formalmente, o poder. No entanto, era já o futuro Dom João II que reinava de facto, embora os actos marcantes da sua governação datem do seu reinado efectivo, que durou de 1481 a 1495. Dom João II morreu com apenas 40 anos, depois de uma vida dedicada ao fortalecimento do poder real, abalado pela prodigalidade de seu pai, o tal que o deixou só “Rei das Estradas”. D. João II foi talvez o chefe de Estado mais amado pelo seu povo, rivalizando apenas com um presidente da República - Sidónio Pais – o único presidente da República assassinado em Portugal. D. João II usava uma analogia entre os oceanos e as nações. Dizia que no oceano existiam muitas espécies de peixe. Havia, por exemplo, a sardinha, que era em bastante quantidade, muito boa e barata, e o salmonete, que era escasso e caro. Dizia o Príncipe Perfeito que ele era pela sardinha. Esta metáfora resume bem a base de apoio de Dom João II: o povo. Nesta luta sem quartel contra o poder senhorial levou a cabo uma política brutal. Mandou enforcar o Duque de Bragança (seu cunhado), confiscando-lhe a casa ducal. Não satisfeito, mandou sentenciar o seu primo, em conjunto com outros fidalgos e o próprio Bispo de Évora, envolvidos numa conjura para o matar em Setúbal. D. Jorge da Costa, o célebre cardeal de Alpedrinha, teve que partir para Roma para salvar a pele. Na cúria romana foi um aliado da Rainha Dona Leonor, mulher de D. João II, contra a legitimação do filho bastardo de Dom João II: D. Jorge, Mestre da Ordem de Santiago. Dom João II não conseguiu legitimar o bastardo e a História de Portugal talvez lhe agradeça, porque rezam as crónicas que o Mestre de Santiago era uma fraca figura. Sucedeu-lhe antes o primo Dom Manuel, que ele mandou chamar quando se deslocou para as Caldas de Monchique (Algarve) à procurar de alívio para os males que padecia, talvez depois de lhe terem dado peçonha… É curioso que não tenha ido para as Caldas de Óbidos, actual Caldas da Rainha, que foram fundadas pela sua mulher, e tenha ido para o Algarve. A tese de que terá sido envenenado pela mulher nunca foi dissipada mas também nada nos leva a essa conclusão, pelo menos de uma forma credível. Já li que esse seria o significado da fonte Bicéfala, em exposição no MNAA, com a figura de Dom Manuel e da Rainha! O que está provado é que Dom João II chamou o primo e sucessor (e irmão da Rainha) quando estava no Algarve e este, interceptado pela irmã, nunca chegou a ir. Teria Dona Leonor receio que o marido lhe matasse outro irmão, abrindo o caminho para a realeza de Dom Jorge? O Príncipe Perfeito acabou por morreu em Alvor, apenas com os seus mais próximos, entre os quais Garcia de Resende. A sua morte foi motivo de júbilo para os fidalgos e de consternação para o povo, que amava aquele Rei e o reconheciam como um justo. Os nobre recusaram-se a pôr luto pela morte do Rei, porque entendiam que a morte do tirano não merecia esta consideração. No entanto, tiveram que o fazer porque os barbeiros recusaram-se a fazer a barba aos fidalgos durante 6 meses, que era na altura a principal manifestação de luto. Ou seja, estiveram de luto, quer quisessem quer não, porque o povo assim o quis. 

Quando comecei este post o meu objectivo era falar de um malogrado regicídio porque todos os que apresentei foram bem-sucedidos. O único rei que temos conhecimento que escapou com vida a uma tentativa de regicídio foi Dom José I. Este foi alvejado na Calçada do Galvão no dia 3 de Setembro de 1758, mas sobreviveu ao atentado. Nunca poderemos dizer que foi o único rei que escapou a um regicídio, porque esta conclusão só é fácil de provar em casos que envolva armas de fogo. Nos casos de envenenamento, muitos outros poderão ter escapado sem que haja registo. No próximo post falarei do malogrado regicídio e da acção enérgica e polémica do ministro Sebastião José de Carvalho e Melo.

publicado por Rui Romão às 08:49
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Terça-feira, 1 de Janeiro de 2013

Na Igreja de Santos-o-Velho

Escrevo este post com especial carinho. Falar da Igreja/convento de Santos-o-Velho é falar da minha segunda casa. Naquele local guardo as mais tenras memórias de infância. Foi ali que os meus pais se casaram, onde fui baptizado, fiz a primeira comunhão, assisti à catequese, participei em peças de teatro, brinquei, joguei à bola, enfim foi o meu berço. Nasci e cresci na Av. 24 de Julho no nº60, num prédio amarelo fronteiro às escadinhas da praia. Subia todos os dias essas escadinhas a grande velocidade, fosse de manhã para ir à Missa à Igreja de Santos-o-Velho, ou à tarde para ir à escola, na Rua das Janelas Verdes (num edifício que está hoje numa triste ruína). Estava longe de imaginar a História que aquele templo cristão tinha para contar, cuja antiguidade remonta ao período romano.

A origem do topónimo remete-nos para o martírio de três crianças Veríssimo, Júlia e Máxima em 308, acusados e sentenciados pelo prefeito romano de seguirem a fé de cristo. Estávamos então no período anterior à conversão de Roma ao Cristianismo, reinava então o Imperador Diocleciano, último grande perseguidor dos cristãos. O martírio das crianças antecedeu por escassos anos o Édito de Milão de 311, que não só toleraria à fé cristã, como a reconheceria como a religião oficial, numa altura em que o cristianismo já era um fenómeno tão difundido no Império, que não podia mais ser combatido com a violência.

Data do período visigótico a erecção de uma pequena ermida em honra dos mártires, cujos corpos tinham sido resgatados naquela zona ribeirinha, embrião da actual Igreja/convento. Os Visigodos eram um povo cristão que se fixou na península após a queda de Roma, submetendo outros povos europeus – Alanos, Vândalos e Suevos - que aqui tinham chegado anteriormente, quando a desagregação do Império de Roma já era evidente.

A pequena ermida terá sido destruída durante o período de dominação islâmica, que teve o seu dealbar em 711 e duraria até 1147, ano em que Dom Afonso Henriques, apoiado pelos cruzados, tomaria Lisboa para a cristandade. Foi o nosso primeiro Rei que mandou reconstruir a pequena ermida mas com maior dignidade, ascendendo à categoria de Igreja. Ao seu filho, D. Sancho I, devemos a construção do convento, que haveria ao longo do tempo a ter diversas utilizações, e onde se passaram episódios de suma relevância para a História de Portugal. Não terei nesta exposição grandes preocupações do ponto de vista de exaustividade. Escrevo, como sempre, “ao sabor da pena”, de forma espontânea e sem auxiliares, socorrendo-me apenas da minha memória, com as vantagens e desvantagens que possa ter. Prefiro as vantagens, que se prendem com a maior espontaneidade e prazer da escrita, que seriam prejudicadas com as interrupções de discurso.

No convento, mandado edificar pelo nosso segundo Rei, funcionou a primeira sede da Ordem de Santiago em Portugal. Os Espatários eram monges-cavaleiros que tiveram um papel importante no processo de Reconquista, recebendo vastos domínios como recompensa pelos serviços prestados. A sede da Ordem funcionou em Santos-o-Velho até serem transferidos primeiro para Mértola, depois para Alcácer do Sal e, finalmente, para Palmela. Não se sabe ao certo a data da mudança, mas conhece-se a utilização posterior que foi dada ao edifício. Aqui foi instalada a Comenda Feminina da Ordem, constituída pelas mulheres e filhas dos freires, que por prerrogativa da Ordem tinham permissão para casar. Os cavaleiros de Santiago, principalmente no período de reconquista, viviam permanentemente em combate, pelo que a existência da Comenda era uma salvaguarda e um abrigo para as famílias dos cavaleiros. Para além das obrigações militares, as regras da Ordem proibiam a existência de contactos íntimos durante a quaresma e advento, pelo que a presença da família num local fácil de controlar também permitia garantir a observância desta regra.

Por este motivo esta comenda foi um albergue de pessoas ilustres, como por exemplo Filipa Moniz Perestrelo, mulher de Cristóvão Colombo, o descobridor das Américas, que chegou a Comendadeira da Ordem. Colombo nunca foi da Ordem de Santiago, mas o seu sogro, Bartolomeu Perestrelo (falecido muito antes do seu casamento) esteve ao serviço do Infante Dom João, que era Mestre da Ordem de Santiago. Por este motivo, a sua mulher e a sua filha terão vivido no Convento de Santos-o-Velho. No entanto, este descendente de italianos, mais tarde passou para a Ordem de Cristo, onde já estaria em 1419 (35 anos antes de nascer a sua filha Filipa), porque foi ao serviço do Infante Dom Henrique, Mestre da Ordem de Cristo, que lhe foi outorgado o título de descobridor da Ilha da Madeira. É evidente que nenhum dos 3 navegadores descobriram a Ilha, porque há muito ela estava descoberta. O que fizeram foi cumprir a ordem do Infante Dom Henrique para as povoarem e assim pôr cobro à cobiça castelhana.

Não sabemos as causas da mudança da casa do Infante D. João para a do Infante Dom Henrique, mas podemos dizer que Bartolomeu Perestrelo apostou no cavalo certo. O Infante Dom João foi o mais apagado da “ínclita geração de altos infantes” na designação da prole de D. João I e Dª Filipa de Lencastre de Camões. Este papel secundário é corroborado por Fernando Pessoa, que na “Mensagem” lhe dedica este poema, onde expõe a sua pequenez face aos seus irmãos:

 

Não fui alguém. Minha alma estava estreita
Entre tão grandes almas minhas pares,
Inutilmente eleita,
Virgemente parada;

Porque é do português, pai de amplos mares,
Querer, poder só isto:
O inteiro mar, ou a orla vã desfeita --
O todo, ou o seu nada.

 

Não sabemos a data da mudança, mas sabemos seguramente que quando Dº Filipa Moniz Perestrelo nasceu o seu pai permanecia ao serviço da Ordem de Cristo. Tal não a impediu de ser mais tarde comendadeira da Ordem de Santiago, provavelmente por não existir uma instituição congénere na Ordem de Cristo. Recordemos que o Infante Dom Henrique nunca casou, pelo que o seu sucessor foi o sobrinho, D. Fernando, Duque de Beja, que na tese portuguesa seria o pai de Cristóvão Colombo.

A comenda da Ordem de Santiago foi transferida para a zona oriental da cidade em 1490, estando o acto de transferência bem documentado pela pena de Garcia de Resende. O que não fica claro é o motivo da mudança. Oficialmente, aquilo que ficou lavrado nos documentos, justifica-se com base na melhoria das condições de vida das senhoras, em atenção à sua alta posição. No entanto, o novo local não apresentava melhores condições, bem pelo contrário, ficando a dúvida se a mudança não se devia apenas à vontade de D. João II ter uma casa de campo, naquilo que era, à data, um arrabalde de Lisboa. O Príncipe Perfeito não chegou a tomar posse do Convento da antiga comunidade feminina da Ordem de Santiago, que foi alugado a um homem muito influente, Fernão Lourenço, feitor da casa da Guiné, posto no qual acumulou uma imensa fortuna, investindo uma parte do seu erário na adaptação do convento à função palaciana. O emprazamento ou aluguer do Palácio, que se mantinha na posse da Comenda Feminina da Ordem de Santiago, reverteria para a coroa logo no reinado de Dom Manuel. Foi aqui, por exemplo, que se celebrou o casamento do “Venturoso” com Dª Isabel, filha dos Reis Católicos. Foi um casamento que anunciava um futuro grandioso para Portugal. A filha dos reis católicos já tinha sido casada com o Príncipe D. Afonso, filho de D. João II, cujo infortúnio haveria de lhe roubar a vida. O príncipe e herdeiro de todas as coroas ibéricas caiu do cavalo quando cavalgava na Ribeira de Santarém e esfumou-se assim o sonho de uma Ibéria unida sob o manto de um rei português.

Dom Manuel haveria de recuperar este plano, casando com a viúva do Príncipe, mas não teve melhor sorte. A rainha morre de parto de Dom Miguel da Paz, o tão ambicionado herdeiro, que sobrevive mas não chega à idade adulta. Ainda hoje pagamos o preço deste casamento ruinoso. Como contrapartida para os Reis Católicos aceitarem esta união, comprometemo-nos a expulsar os judeus. Isto, no ano em que Vasco da Gama chega à Índia e numa altura que precisávamos, mais do que nunca, de homens de negócios capazes de gerir aquele negócio lucrativo que tínhamos nas mãos mas que nunca soubemos potenciar.

Mas nem o “Venturoso”, e muito menos o filho e sucessor D. João III estiveram tão ligados ao palácio como o malogrado D. Sebastião.

O “Desejado” assina o epitáfio da época gloriosa dos descobrimentos henriquinos com a desastrosa aventura de Alcácer Quibir. Dom Sebastião gostava muito de estar neste palácio, tendo sido dali que partiu para a sua odisseia por terras africanas. Segundo uma tradição, foi numa mesa de pedra (que ainda hoje existe) que tomou a resolução de partir para a guerra. Terá sido mesmo na na Igreja de Santos - agora baptizada de Santos-o-Velho, com a transferência da Comenda Feminina da Ordem de santiago para a zona oriental (que ficou Santos-o-Novo) - que ouviu missa pela última vez em Portugal.

Com a morte de Dom Sebastião, o Convento regressa à sua função original, revertendo para a Ordem de Santiago, a sua posse efectiva. No entanto, viria mais tarde a ser mais vendida a uma família muito ilustre: a família  Lencastre, descendentes, por via bastarda, de D. João II. O palácio manteve-se na família até à Repúbica e por esta via, ao longo dos séculos, passaram por este local pessoas tão ilustres como Dona Filipa de Vilhena ou os Marqueses de Abrantes, cujo topónimo na rua do Paço empresta a devida homenagem à gesta de notáveis que por aqui gravitaram.

Já no século XX o palácio foi adquirido pelo Estado francês, onde ainda hoje funciona a Embaixada daquela república. Para usufruto de todos, resta a Igreja, sede da paróquia de Santos-o-Velho, que depois de uma reconstrução operada no final do século XIX, mantém a sua configuração como eu sempre a conheci.

Outras histórias ficaram por contar. Por exemplo foi em Santos-oVelho que se fixou o arraial de D. Juan, quando pôs cerco a Lisboa, embora não saiba se o monarca castelhano se instalou ou não no convento. E foi também nesta paróquia que se situou o célebre Aterro da Boavista, elevado aos píncaros do romantismo em Portugal pela prosa de Eça de Queirós.

No entanto não penso em nada disto quando ali estou. Para mim, Santos-o-Velho será sempre o lugar onde eu cresci e vivi uma infância muito feliz, do qual guardo ternas recordações que jamais esquecerei.

Feliz 2013

publicado por Rui Romão às 00:00
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