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Há uns anos escrevi um post sobre as origens do Natal, e na altura comecei por explicar as origens pagãs desta celebração. Também a Páscoa se perde na memória dos tempos, muito antes das religiões judaica e cristã lhes conferirem uma espiritualidade que até então não tinha.
O Natal e a Pascoa estão associados a dois fenómenos astronómicos, desconhecidos dos povos da antiguidade, aos quais atribuíam um significado especial, uma espécie de dádiva de esperança. O solstício de Inverno, celebrado na data aproximada do Natal, era o momento em que os dias deixavam de minguar, evitando a noite permanente, as trevas. Por seu turno, a Páscoa coincide com o equinócio da Primavera, i.e, quando os dias são iguais às noites. Ou seja, é o momento do renascimento e da fertilidade.
A estes fenómenos astronómicos, as religiões souberam atribuir significado embora, como explicarei, as raízes pagãs continuem a ser visíveis nos símbolos que ainda hoje utilizamos para esta celebração.
A primeira religião a celebrar a Páscoa foi a Judaica. O próprio Jesus Cristo dirigiu-se a Jerusalém no ano de 33 d.c. para celebrar a Páscoa Judaica, na qual a última ceia – que era uma ceia pascal – é a imagem mais conhecida.
A Pascoa Judaica celebra a passagem do povo judeu que estava cativo no Egipto dos faraós até à Terra Santa. Os judeus tinham emigrado livremente de Canã, actual Palestina, para o Egipto à procura de terrenos férteis que os livrassem da fome. Contudo, com o passar dos anos, viram-se confinados à condição de escravos. Foi então que o próprio Deus aparece sob a forma de uma sarça-ardente a Moisés, o primeiro messias do Pentateuco, e lhe ordena que liberte o Povo Escolhido (e não eleito como por vezes se escreve) e os leve até à terra prometida. O Faraó negou a Moisés essa libertação, mas teve que ceder perante as pragas que se abateram sobre o povo egípcio. Moisés guiou o seu povo, através do deserto, até Jerusalém, mas não o fez pelo caminho mais curto. Bem pelo contrário, num percurso que poderia fazer numa semana, demorou 40 anos. Porquê? Moisés explicou ao povo que o seguia que era para evitar os perigos, mas a verdade é que ele tinha perfeita noção que um povo submetido durante tanto tempo à escravatura não estava preparado para ser livre. Os 40 anos, era o tempo de morrerem os mais velhos, aqueles que tinham a memória da escravatura, confiando nos filhos destes para construir uma sociedade nova. Não terão tido certamente a longevidade de Moisés, que segundo as sagradas escrituras morreu com a provecta idade de 120 anos. Foi durante este percurso que Moisés, subindo ao Monte Sinai, escreveu a Torah, ditada pelo próprio Deus.
Esta era a Páscoa que Jesus Cristo celebrou na sua Palestina. Foi com esse intuito que entrou em Jerusalém num Domingo, sendo celebrado com ramos de Oliveira, anunciado como o novo messias. Nessa semana os ecos da boa-nova geraram um grande desconforto junto das entidades judaicas (à época sob dominação romana) e que levaram à sua condenação e crucificação no Monte Calvário, depois da traição de Judas Iscariotes e da contemplação de Pôncio Pilatos.
Parece incongruente, celebrar a festa da vida com a morte de Jesus, no entanto o que se evoca não é a morte física mas a sua ressurreição ao terceiro dia, e ao nascimento de uma nova vida, já sem a sua vinculação terrena.
É a Paixão de Cristo que os cristãos celebram, mas curiosamente o símbolo pascal mais conhecido não é o crucifixo, mas antes as amêndoas, os ovos e os coelhos de chocolate. A explicação é simples. A simbologia religiosa não conseguiu anular completamente o primitivo significado pagão, associado à vida e á fertilidade. Os coelhos e os ovos representam precisamente essa fertilidade, essa esperança no valor da vida, e que se exprime na primavera.
Feliz Páscoa
Não tivesse como rotina, principalmente às sextas-feiras, ir a Campo de Ourique buscar o meu filho à escola e, provavelmente, nunca me teria surgido a ideia de escrever este texto, apesar da plena consciência da reflexão que aqui aduzirei. Habitualmente passo pela Rua Coelho da Rocha, onde está sediada a Fundação Fernando Pessoa, última morada do escritor no reino dos vivos. Um pouco mais à frente, a umas escassas centenas de metros, fica a Igreja do Santo Condestável, a última morada de Nuno Alvares (no reino dos mortos).
Numa associação rápida realizei algo que até então me tinha passado em claro. A Casa Fernando Pessoa, criada para homenagear o grande poeta, apenas existe porque no século XIV existiu um herói que, contra a opinião dominante, ousou acreditar que era possível manter Portugal como um país livre e independente. Acreditou que conseguíamos, com a nossa força e tenacidade, vencer o arrogante castelhano que nos queria submeter. Foi este herói que abriu caminho para a Dinastia de Avis, obreira da expansão portuguesa, que nos elevou à condição de potência planetária, percursora da globalização. Foi sob o manto e a coroa de monarcas de Avis que explorámos a Costa de África e chegámos à Índia. Não satisfeitos, descobrimos e colonizámos o Brasil. Ninguém conseguiu exprimir esta obra de forma tão bela como Camões:
De África tem marítimos assentos
É na ásia mais que todas soberana
Na quarta parte nova os campos ara
E, se mais mundo houvera, lá chegara
Camões não sabia que existia Oceânia, mas também nesse continente deixámos um legado histórico. Hoje não oferece dúvidas que foram os portugueses, talvez Cristóvão de Mendonça, os primeiros ocidentais a pisar solo Australiano.
Fernando Pesssoa, tal como Camões, deve a sua glória (em ambos os casos póstuma) à singularidade de conseguirem criar uma obra em português, para falantes de português e com um poder político constituído por portugueses. Fossemos nós apenas uma região espanhola, mesmo que conservássemos uma língua própria, sempre subalterna face à língua franca que seria inevitavelmente o castelhano (como sucede nas regiões espanholas, como por exemplo na Catalunha), e nunca Camões e Fernando Pessoa teriam expressão. O primeiro porque a sua obra, profundamente nacionalista e encomiástica face à nação portuguesa, não teria fonte de inspiração se perdêssemos em Aljubarrota e não tivéssemos expansão. Não existiriam na galeria dos heróis homens como Afonso de Albuquerque, Duarte Pacheco ou Vasco da Gama – para não falar do próprio Nuno Alvares.
O segundo provavelmente não deixaria de ser um grande poeta mas em língua inglesa, não estivesse o seu inegável talento já plasmado nos seus poemas de juventude, escritos na língua de Shakespeare, idioma que dominava completamente devido à sua estadia na África do Sul.
Seria injusto evocar apenas a obra épica no legado dos nossos dois maiores poetas. Na lírica camoniana a Canção X, profundamente autobiográfica, seria uma obra-prima em qualquer língua, embora o seu interesse seja concitado principalmente pela tentativa de compreender melhor o poeta, cuja passagem pelo mundo foi bastante parca em documentos.
Pessoa deixou-nos uma arca com milhares de páginas, cujo alcance ainda demorará muitas décadas a apurar. Bastaria evocar o verso de Ricardo Reis, que adoptei como autêntico lema de vida - “Para ser grande, sê inteiro” – para exemplificar o alcance da sua obra.
Não é só Pessoa e Camões que devem a sua obra a homens da gesta de Nuno Alvares. Somos todos nós, que temos esta dívida pelo herói dos heróis portugueses. É a importância deste legado que não me cansarei de evocar ao longo da vida.
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