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No dia em que escrevo este post Mario Soares está “vivinho da silva” e com saúde, e espero que a mantenha por bons e largos anos. Quase a atingir o limiar respeitável dos 90 anos, continua com uma vitalidade política invejável, que nos últimos tempos tem girado em torno da ideia peregrina de unir “as esquerdas” para derrubar o governo que, segundo o próprio, é ilegítimo.
Declaração de interesses: reconheço o papel fundamental que Soares teve no Portugal contemporâneo, nos anos quentes do Prec, onde pôs a sua coragem e a sua enorme astúcia política ao serviço da defesa de um regime democrático e pluripartidário, afastando-nos dos modelos de partidos único que o Partido Comunista e os seus derivados – os tais partidos pequeno-burgueses de fachada socialista de que nos falava Cunhal - tentavam impor ao país. No entanto, não valorizo em demasia o papel de Soares na fase dos governos constitucionais onde foi por 3 vezes primeiro-ministro (um péssimo primeiro ministro, por sinal) nem dos 10 anos em que foi inquilino do palácio de Belém, cuja eleição representa a minha primeira memória da política, tinha então 8 anos.Costuma colocar na lapela, como título supremo, o ter sido o pai da adesão à então CEE, embora o seu europeísmo seja mais tardio do que o que por vezes tente passar. Posto isto, vou falar do Mário Soares actual que quer unir os partidos de esquerda para derrubar o actual governo de centro-direita. Diz Soares que ele é ilegítimo, porque não cumpriu promessas, sacrificando o país com impostos atrás de impostos. Diz ainda que o Governo já perdeu a maioria do apoio na sociedade portuguesa e, como tal, deve ser substituído, exortando o actual Chefe do Estado a fazê-lo pela via da dissolução do Parlamento.
Para começar, se fossemos a seguir igual critério, teríamos governos de duração muito semelhante aos da primeira república, onde a média ia, salvo erro, nos 4 meses de duração.
Vamos ao discurso. Concorde-se ou não, podia ser coerente com o percurso e as ideias políticas de Soares, mas desconfio que não seja o caso. O mesmo Mário Soares que é um defensor acérrimo da primeira República. Ele consegue ver virtudes onde qualquer pessoa isenta só consegue ver uma calamidade. Conhecedor como é da matéria saberá que os problemas da primeira república são muito parecidos com os da actual. Pequeno parenteses, para o antigo Chefe do Estado, não estamos na terceira mas sim na segunda república, uma vez que o período designado por Estado Novo não seria uma República mas uma ditadura militar. Argumento original, mas que não tem qualquer sustentação constitucional. Existiu uma república, plasmada na Constituição de 1932, onde se lavrou que Portugal era uma República, sendo a mesma reconhecida por todas as chancelarias com as quais tínhamos relações diplomáticas.
Contagens à parte, na primera república, o problema da dívida externa e do défice das contas públicas era ainda de maior monta do que o actual, no entanto Afonso Costa, o ídolo do Dr. Soares, resolveu-o rapidamente. Fê-lo com alguns instrumentos que hoje certamente reprovaria: aumento brutal de impostos, redução do colégio eleitoral face à monarquia para garantir as maiorias parlamentares, ostracização da população rural, perseguição à igreja, censura à imprensa (completamente livre na monarquia) e criação de uma milícia de caceiteiros - a formiga-branca - que se dedicava a intimidar qualquer movimento insurrecional que surgisse no país.
É este mesmo Soares que aprova a conduta de Afonso Costa que diz que este governo é ilegítimo? Um governo eleito “sem chapeladas”, dispondo de uma maioria parlamentar, garantindo a liberdade de imprensa, de manifestação e de greve.
Para justificar o disparate da tomada de posição de Soares não era preciso ir tão longe, bastava ver os murais, alguns dos quais ainda hoje subsistem, onde se podia ler de Soares o que Moisés não disse do toucinho. Não creio que, na altura, ele considerasse que ocupava ilegitimamente o cargo. Mas agora acha. Parafraseando o próprio: “só os burros é que não mudam”!
O regime democrático e parlamentar que hoje vivemos, não obstante as suas imperfeições, não tem a sua génese no 25 de Abril de 1974, apesar de ser essa a tese que continua a ser difundida urbi et orbi, mas sim na revolução de1820, desencadeada no Porto.
Tinha haviado uma primeira tentativa em 1817, que culminou com o enforcamento de Gomes Freire de Andrade no forte de S. Julião na Barra – apesar de ser general e de, por esse motivo, ter o direito de morrer fusilado, com a honra que o seu estatuto lhe conferia - cuja implicação na conjura nunca foi completamente esclarecida. Não foi o único sentenciado, com os restantes conspiradores a não terem melhor sorte, com as forcas a serem instaladas no Campo de Sant’Ana, rebaptizado de campo Mártires da Mátria, em homenagem aos que ai perderam a vida.
Depois desta primeira tentativa, que tinha por objectivo acabar com a situação aviltante de estarmos, após a Guerra Peninsular, numa situação de protectorado do Reino Unido, três anos depois a revolta triunfa.
Em 1820, aproveitando uma viagem ao Rio de Janeiro do representante máximo da coroa britânica, o General Beresford, para conseguir a formalização de mais poderes junto de D. João VI, um grupo de burguese portuenses, constituído sobretudo por grandes comerciantee e advogados, consegue a sublevação de vários regimentos militares no norte, alastrando o movimento rapidamente a Lisboa.
Apesar da revolta ter sido materializada por militares, a sua posição foi sempre subsidiária face aos verdadeiros líderes, onde pontificavam as figuras de Manuel Fernandes Tomás, Ferreira borges e Silva de Carvalho, homens que viriam a ter um papel decisivo nos primeiros passos do constitucionalismo português.
Se o objectivo expresso foi a libertação da dependência da Inglaterra, este desiderato seria apenas um primeiro impedimento para concretizar o seu projecto político, que vem a plasmar a mudança mais radical jamais operada na nossa história. O detentor do poder, até então unanimemente reconhecido na figura do monarca, passa para as mãos do povo, que, por vontade própria, elege os seus representantes para uma assembleia constituinte encarregue de redigir uma constituição que a todos vincula, começando pelo Rei e pelas altas esferas do clero. Parece um exercício teórico mas na realidade é uma mudança muito profunda no paradigma até então vigente.
Neste processo cometeram-se muitos erros, como sempre sucede nos processos revolucionários, com uma tendência para o extremismo. Foi assim também no 25 de Abril de 1974, com o radicalismo de esquerda.
Voltando à revolução de 1820. Os revoltosos tinham 3 grandes objectivos a orientar a sua acção:
-Conseguir o regresso do Rei (que tinha partido em 1807 para o Brasil, na eminência da invasão das tropas de Junot)
-A elaboração de uma constituição democrática
-O regresso do Brasil à condição de colónia.
Este programa político encerra em si contradições à primeira vista difícies de explicar. O Brasil, onde a corte se tinha instalado, tinha ascendido à condição de Reino, tornando-se Portugal oficialmente o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, numa altura em que a Europa já estava pacificada. Esta condição foi precidida pela abertura dos portos brasileiros às “nações amigas” – entenda-se Inglaterra – sem os quais a Corte nunca teria conseguido o seu plano de tranferência de soberania para o continente americano. Os britânicos eram senhores dos mares, condição que Napoleão nunca conseguiu sequer beliscar – o “bloqueio continental” foi uma consequência da Batalha de Trafalgar, onde os Ingleses bateram as forças navais francesas, e que representou um ponto de inflexão na estratégia de Napoleão, que se traduziu na desistência da tentativa de hegemonia marítima. Os negócios dos britânicos nos portos brasileiros trouxeram grandes prejuízos aos grandes comerciantes portugueses, que detinham até então esse monopólio, a maioia dos quais portuenses, e apoiantes da revolução de 1820, e que viram no movimento revolucionário uma saída para esta situação lesiva dos seus interesses.
Não deixa de impressionar, como é que um regime que se diz liberal pretende algo que vai ao arrepio dos principios básicos do liberalismo. A minha tese é que as motivações dos conspiradores tinham um carácter genuinamente político apenas em parte, sendo, como sempre sucede, contaminados por interesses particulares daqueles que foram os grandes sustentáculos materiais para a concretização do seu plano político.
Cometeram-se outros erros a começar no texto constitucional aprovado em 1822, muito inspirado na Constituição de Cádiz, e cujo carácter radical a votou ao insucesso, sendo fonte de instabilidade, numa primeira fase com os absolutistas (conduzindo a uma guerra civil) e numa segunda com os liberais moderados, arregimentados na Carta Constitucional outorgada por D. Pedro IV.
Não obstante os erros cometidos em 1820, foi este o ponto de partida para o regime constitucional português que entrou numa linha de estabilidade após 1851, com o governo regenerador de Rodrigo da Fonseca Magalhães, e que conheceu o seu estertor na crise do rotativismo entre Regeneradores e Progressistas, que marcou o final da Monarquia.
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