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A frase que dá título a este texto foi retirada do “Leal Conselheiro”, obra do Rei D. Duarte. Lealdade na Idade média não tem a mesma interpretação que lhe damos hoje. Não tem o significado estrito de um vínculo pessoal, mas de um conjunto de valores relacionados com a ideia de Justiça. Nesta obra, o monarca exara um tratado de ética e moral que devia ser seguido na corte, exigindo aos seus súbditos a vinculação aos princípios que plasmou na sua obra. Este livro, escrito nos últimos anos de vida, parece uma premonição dos problemas com que o Reino se iria debater após a sua morte. Debalde, pois não só os princípios como o próprio testamento do monarca não foram respeitados pelo seu irmão – O Infante D. Pedro - que ficou na regência, afastando a Rainha (que tinha sido designada pelo Rei Defunto) seguindo-se uma Guerra Civil que terminou com a morte do Infante em Alfarrobeira e com o poder a cair de mão-beijada no regaço dos fidalgos que manietavam completamente o jovem e débil monarca D. Afonso V. No entanto, D. Duarte merece bem o título de Rei mais culto da Idade Média Portuguesa, título que disputa com D. Dinis. Neste post vou abordar 3 feitos de lealdade que não se enquadram neste registo amplo definido por El Rei D. Duarte. Vou falar de feitos meio-quixotescos, matéria bruta para ser trabalhada pelo escopo dos escritores românticos, e que, por isso mesmo, ganharam bastante protagonismo no século XIX. Por ordem cronológica, começo pela chamada façanha de Egas Moniz, o famoso aio de Dom Afonso Henriques. Diz a tradição que em 1127 (ou 1129, consoante os textos) estava o nosso primeiro rei cercado no Castelo de Guimarães pelo seu primo D. Afonso VII, quando Egas Moniz se dirige à tenda onde estava sediado o monarca Leones, que se intitulava Imperador, dando a sua palavra de honra de que Dom Afonso Henriques se declarava seu vassalo e que iria pessoalmente à corte do seu primo para selar essa mesma vassalagem. O Leonês achou satisfatória a resposta do aio de D. Afonso Henriques e levantou o cerco. Sucede que Dom Afonso Henriques não cumpriu a palavra dada, e Egas Moniz, face a este acto de rebeldia, deslocou-se a Toledo na companhia da mulher e dos filhos (ainda crianças) com uma corda ao pescoço, como penitente por ter faltado à palavra dada, podo a sua vida e da sua família nas mãos de Afonso VII. Esta história é muito comovente, mas a sua veracidade não é sustentada por nenhum documento, motivo pelo qual sobejem dúvidas quanto à sua veracidade. O segundo caso é também provavelmente lendário. Na guerra civil que opôs D. Sancho II ao Conde de Bolonha (futuro Afonso III), todas as principais Cidade e Vilas do Reino foram tomadas pelos partidários do Bolonhês. Todas menos Coimbra, e talvez por esse motivo terá nascido a lenda de que o Alcaide local, Martim de Freitas, se recusou a entregar as chaves da Cidade aos revoltosos por ter jurado lealdade ao “Capelo”, dirigindo-se pessoalmente a Toledo, cidade onde se exilou D. Sancho II, para comprovar que este tinha entrado no sono eterno. Reza a lenda que colocou as chaves da Cidade no féretro, e que depois a retirou para dar ao seu irmão e sucessor, por considerar que tinha cumprido a sua palavra e tinha sido um fiel súbdito até ao último minuto. O terceiro caso que vou referir é o único do qual existe certeza absoluta de como e quando se passou, acabando, imagine-se, por mudar o nome de uma então vila. Este acontecimento teve lugar em 1847 numa altura em que o país estava em plena Guerra Civil da Patuleia. Os revoltosos tinham como órgão de liderança a Junta Revolucionária do Porto, liderada por José Passos (irmão de Passos Manuel) e cuja chefia militar estava nas mãos do Conde das Antas. O Conde apoderou-se rapidamente do norte do país, não tivesse sido no Minho que nascera o foco contestatário com a “Maria da Fonte”. Tomou a então vila de Viana da Foz do Lima, mas o governador da guarnição militar, quem sabe se um romântico inveterado, inspirado em Martim de Freitas desloca-se por vapor até Lisboa e entrega as chaves da Cidade a Dª Maria II. Tratava-se de um acto estéril, porque o Conde das Antas tomou a então vila, mas a Rainha, também ela com tendência para ceder aos impulsos do coração, achou o gesto tão nobre que não só elevou a vila a cidade como lhe deu um nome mais glorioso – Viana do Castelo (apesar de lá não existir, nem ontem nem hoje, qualquer castelo).
Costumo referir, em jeito de blague, que a data “25 de Abril” foi bastante importante em três anos diferentes: A mais importante de todas, foi em 2012, segue-se a de 1851 e, finalmente, a de1974, a mais conhecida.
Se exceptuarmos o primeiro caso, de significado estritamente pessoal, mantenho a ordem de importância das restantes mesmo num registo mais sério, apesar de poder causar alguns sobressaltos nos mais saudosos do período revolucionário português de 1974-1976.
A estupefação com que se pode receber esta ordem de importância, potencialmente catalizadora de ápodos pouco simpáticos (de fascista para cima) radica no parco conhecimento que temos da História do século XIX em Portugal e do papel fulcral que este século teve para a nossa vida colectiva. O regime liberal que vivemos é tributário de um processo de formação política, social e económica cuja génese radica na centúria de 1800. Todos os vícios e defeitos que reconhecemos ao sistema são identificáveis até em aspectos tão particulares como a política dos empregos. Quem estava no poder tinha a obrigação de arranjar empregos para os amigos. Leia-se o Conde de Abranhos, recebido pela sua “corte” com despeito quando recusou ser ministro (não pelos motivos mais nobres, mas tão-somente por tacticismo político).
No dia 25 de Abril de 1851 foi bem-sucedido um golpe militar no Porto capitaneado pelo Duque de Saldanha e que abriu um novo capítulo na História de Portugal. O pronunciamento pôs termos ao domínio de uma facção do liberalismo português, os cartistas radicais, arregimentados em torno da (polémica) figura de Costa Cabral. A eclosão de um golpe de Estado que afastava uma falange em benefício da outra (os Setembristas) não seria uma novidade e nem sequer aproveitaria à pacificação do sistema político.
A rivalidade entre cartistas (partidários da Carta Constitucional outorgada por D. Pedro IV) e Vintistas - mais tarde apelidados por Setembristas – defensores da Constituição de 1822, muito mais radical (praticamente republicana) e com forte inspiração na constituição espanhola de Cádiz, marcou o período pós-guerra civil e ameaçava eternizar-se ao longo de todo o século XIX até aparecer à frente dos destinos do país aquele a quem chamavam o Pasteleiro-Mor. Pode-se considerar este epíteto bastante ofensivo. Política de pastelaria era o termo utilizado para aqueles que estavam sempre prontos para unir facções desavindas em proveito próprio. No entanto, foi este o rótulo que se colou à pele de Rodrigo da Fonseca Magalhães, embora não faltem outros ainda menos simpáticos como “a raposa”, “leproso político”, etc.
Não obstante, creio que a Rodrigo da Fonseca se pode aplicar a máxima de Wiston Churchill ”nunca tantos devem tanto a tão poucos”, neste caso a este Homem.
Rodrigo da Fonseca nunca teve partido. Era um político que pairava acima da mesquinhez dos interesses particulares das facções que compunham o tabuleiro político e por esse motivo sentia um profundo desprezo por esse submundo de interesses que gravitava em torno do poder.
Esteve por 3 vezes no Governo. Uma efémera passagem nos anos de 1834/35. Já com Costa Cabral, chegou a fazer parte do seu ministério na década seguinte, saindo em ruptura com o líder e a sua política (e também com a forma como a executava) com a qual não se identificava.
A verdadeira marca de água de Rodrigo de Fonseca foi impressa após o tal golpe de 25 de Abril de 1851, quando foi chamado pelo Paço para formar Governo. A Rainha fê-lo a contragosto, nunca escondendo a animosidade que sentia em relação ao Estadista. O próprio Saldanha, executor do golpe, entregou o Governo a Rodrigo porque não sabia o que fazer com ele depois da apoteose com que foi recebido em Lisboa. Nem Saldanha nem Dª Maria II conseguiam formar um governo que fosse a síntese das facções que se continuavam a digladiar: Cartistas e Setembristas – não mencionando a falange miguelista que continuava activa.
Ou seja, Rodrigo foi uma espécie de tábua de salvação, último recurso de duas personalidades que não o tinham em grande conta.
No entanto, Rodrigo conseguiu operar esse verdadeiro milagre, que foi dar estabilidade ao sistema. Começou por não fazer a habitual “limpeza” nos ministérios e funcionalismo público para colocar no seu lugar os apaniguados. Fê-lo com muita parcimónia por forma a não hostilizar nenhuma das facções.
Conseguiu organizar eleições logo em 1852, que foram consideradas as mais justas de sempre. Tal não significa que não tenham existido os habituais condicionamentos, por forma a evitar uma câmara demasiado radicalizada, mas conseguiu manter a serenidade necessária no sistema.
Como não estava em nenhum dos lados da barricada, pôde levar a cabo uma política mais pragmática e menos ideológica, conseguindo com essa postura concitar uma parte significativa do partido Setembrista, onde avultava a figura do grande orador José Estevão, que chegou a comparar a chegada dos caminhos de ferro à dobragem do Cabo da Boa Esperança!
Com esta passagem do Partidos Setembrista para a situação, ou seja para a Regeneração, houve uma fractura que garantiu a estabilidade política e que abriria mais tarde caminho ao rotativismo entre a Regeneração (mais tarde chamado Partido Regenerador) e os Progressistas (nascidos dos cacos do que ficou do partido Setembrista, mais tarde designado por Partido Setembrista Dissidente e que depois viria a ser o Partido Histórico (génese dos Progressistas).
Foi desta forma que se formou um regime constitucional que durou 60 anos (até à República) e que corresponde a um dos períodos de maior progresso na nossa história, muito pela mão de um ministro de Rodrigo, muito pragmático como ele e também com pouca paciência para politiquices, que foi José Maria Fontes Pereira de Melo, pai do chamado Fontismo. Tudo isto devemos a Rodrigo. Valha-nos a rua com o seu nome, parca homenagem para alguém que tanto fez pelo nosso país
Comparar estas 6 décadas de progresso contínuo saídas do 25 de Abril de 1851 (apesar da crise do rotativismo no final do século) com o actual regime, a agonizar 39 anos depois do mesmo dia de 1974, que tornou um pais com oito séculos de História num Estado semi-soberano, em regime de protectorado Internacional, é risível.
Viva o 25 de Abril… de 1851
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