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Hoje comemora-se o dia de Portugal. Outrora denominado por “Dia da Raça”, tem actualmente a designação de Dia de Portugal, Camões e das Comunidades Portuguesas. É motivo de orgulho para um país onde os eternos “Velhos do Restelo” tudo deturpam, tudo vilipendiam, tudo apequenam, que o dia da nacionalidade seja alusivo a um poeta. É óbvio que não se trata de um poeta qualquer, trata-se do poeta mais influente da língua portuguesa. Não digo que seja o maior poeta português, porque teve que rivalizar, já praticamente nos nossos dias, com a sombra de Fernando Pessoa. Não se pode dizer que a poesia pessoana seja no seu épico “A mensagem” comparável com os “Lusíadas”. A diferença é que Pessoa foi muito para além da epopeia (de cariz marcadamente sensacionalista, bem distante do barroco literário de Camões), numa obra que, segundo um seu biógrafo recente, chegaria às 30.000 páginas, num total de mais de 200 heterónimos. Pessoa é hoje um poeta cosmopolita, cuja projecção externa suplanta largamente a de Camões, cuja obra, por ser quase obcessivamente portuguesa, não demonstra a mesma capacidade de se impôr no exterior. Fernando Pessoa, no imenso acervo de papéis, que inclui inúmeras cartas pessoais, deu a sua opinião sobre quase todas as figuras de relevo do seu tempo. Nesse particular, mostrou ter uma língua particularmente viperina, não poupando personalidades do seu tempo até então quase sagradas, como Eça de Queirós (a quem chama provinciano), Afonso Lopes Vieira (denunciando a sua infantilidade) ou Guerra Junqueiro, poeta que admirava na juventude mas que mais tarde consideraria “fraco” (António Sérgio era da mesma opinião).
Sobre Camões, Pessoa escreveria que tinha uma obra muito desigual. A lírica não tinha rasgo, sendo de valor sobretudo o épico. No entanto, mesmo no épico, denuncia a falta de imaginação, que segundo ele não foi além da figura do Adamastor. Curiosamente, a mesma crítica – falta de imaginação – lhe é apontada pelo Brasileiro José Paulo Cavalcanti Filho, embora o biógrafo limite essa característica apenas à escolha de situações e nomes, que Pessoa retirava do que lhe estava próximo (objectos e pessoas), num exercício que apesar de interessante, não fecha a porta à especulação.
Devo dizer que não me posso rever na crítica que Pessoa faz à obra de Camões. Em primeiro lugar, porque a lírica camoniana é bastante interessante, pnão fosse ela profundamente autobiográfica. Num poeta que não deixou rasto nem documentos (para além da sua prisão na Cadeia do Tronco, por dar uma cutilada num empregado do paço) a sua lírica é fundamental para encontrar o fio condutor da sua vida. Para além do interesse autobiográfico, a lírica camoniana tem igualmente poemas onde o poeta coloca todo o seu génio e talento, como por exemplo na Canção X.
Quanto ao épico "Lusiadas", é revelador de uma sólida cultura, dos clássicos e também das crónicas, o que não deixa de ser notável para alguém que, ao que tudo indica, nunca teve formação numa universidade. Sendo escudeiro, o que era uma classe de servidores dos nobres, mas que não lhe conferiam esse estatuto, esteve ao serviço dos Condes de Linhares, o que acabou por ser a sua perdição, pelo indisfarçado sentimento pela sua ama, Dª Violante de Andrade. Sendo plebeu e não tendo meios de fortuna, como conseguiria tornar-se culto ao ponto de escrever uma obra tão notável como os Lusíadas? Eu penso que o próprio Camões dá a resposta no Canto X, estância 154, nos "Lusiadas" onde se dirige ao próprio Rei D. Sebastião:
Mas eu que falo, humilde, baixo e rudo
de vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo,
que o louvor sai às vezes acabado.
Nem me falta na vida honesto estudo,
com longa experiência misturado,
nem engenho, que aqui vereis presente,
cousas que juntas se acham raramente
Esta estância é completamente esclarecedora e definitiva da condição social e da forma como ele se via a si próprio. Nos dois primeiros versos ficamos a saber que é de baixa condição social e que não frequentava a corte: “de vós não conhecido ou sonhado”. No 3º e 4º reforça a sua baixa condição social e algum sentimento de ingratidão, pelos louvores dados a outros que não terão o seu talento. A estância termina com o auto-elogio. Camões explica como adquiriu o seu conhecimento “nem me falta na vida honesto estudo, com longa experiência misturado”, ou seja a sua escola foi na vida, estudando e aprendendo com a sua experiência. Culmina a estrofe mencionando o seu talento, que associado ao seu trabalho honesto “juntas se acham raramente”. Esta estrofe “despe” completamente Camões dos mitos da sua fidalguia e da sua cultura académica. No entanto, também não comprova a teoria, também muito veiculada, de que tenha morrido na miséria. Para começar, porque entre a data de publicação dos "Lusíadas"(1572) e a morte, a 10 de Junho de 1580, ainda medeiam 8 anos. Está documentado que depois da publicação da sua obra-prima, foi-lhe concedida uma tença, que não sendo nenhuma fortuna, daria algum amparo. Também não está provado que tivesse um criado que lhe pedia esmola para si. Se tivesse assim tão depauperado, podia fazer algo muito mais fácil que seria vender o próprio escravo – o Jau (significa que era natural da ilha de Java).
A biografia de Camões nunca estará completa, mas o poeta também não precisa dela para ser consagrado como o Príncipe das letras portugueses, numa corte onde também têm lugar Fernando Pessoa, Eça de Queirós e o Padre António Vieira.
Neste 10 Junho, viva Portugal.
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