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Se existe assunto consensual na sociedade portuguesa, por cima de todo o quadro ideológico, político, religioso ou social, é a questão de Olivença. Não deve existir nenhum português que não considere a posse daquela povoação raiana uma usurpação prepretada pela vizinha Espanha e lesiva da integridade nacional. É óbvio que tudo isto não configura sequer um estado de alma, mas apenas uma opinião, porque, em rigor, os portugueses nunca se importaram muito com a questão oliventina. Ouviram dizer que era portuguesa e que os espanhois a tomaram, mas daí até constituir um desígnio nacional vai um grande passo que, até hoje, nunca foi dado.
Este texto vai ser um bocadinho contra a corrente dominante. Não que desconsidere a legitimidade à luz do Direito Internacional da posse daquela vila pelo Estado português. Este é um facto consensual, assumido e ratificado até por Espanha na sequência da Convenção de Viena de 1815, que estipula que Olivença seja restituída à coroa portuguesa. A questão prende-se com as acções (ou falta delas) por parte das autoridades portuguesas ao longo dos últimos 200 anos, que nos responsabilizam por este facto consumado: Olivença é de facto Espanha e não vislumbro que possa haver um volte-de-face que configure a sua restituição a Portugal.
A perda de Olivença está relacionada com a Revolução Francesa. Depois da Tomada da Bastilha e do início do terror revolucionário sob os auspícios da Convenção, os reinos europeus começam a sentir-se em perigo pela difusão das ideias revolucionárias que os jacobinos tentam pôr em prática de uma forma brutal. Em 1793 o Rei Luis XVI é condenado à guilhotina e aquilo que até então era visto como um processo com vista ao estabelecimento de instituições mais representativas pelas nações vizinhas – principalmente pelo Reino Unido – começou a ser encarado com preocupação.
Da preocupação à acção foi um passo, estabelecendo-se a primeira coligação de paises contra a França revolucionária. Um dos principais interessados nesta ofensiva era a monarquia espanhola, ligada por laços de família a Luis XVI, pois pertenciam à dinastia de Borbon, e que tinham sido aliados na Guerra dos Sete Anos, em que nos vimos envolvidos ainda no consulado do Marquês de Pombal, na primeira tentativa empreendida por França para impedir o acesso por mar à frota britânica, que historicamente sempre pode dispor dos portos portugueses. A guerra, se é que se pode aplicar este substantivo, foi de curta duração e inconsequente, ao ponto de ficar para a História com o nome de “Guerra Fantástica”, i.e fantasiosa, encenada, resumindo-se a este episódio a participação portuguesa neste conflito mais amplo à escala europeia.
Após a subida ao cadafalso de Luis XVI pôs-se em marcha a primeira coligação liderada pelo Reino Unido e em que participaram também Espanha, Rússia, Austria, Prússia, o Reino de Nápoles e Portugal.
A participação portuguesa nesta primeira coligação foi simultaneamente errada e desnecessária. Ela foi solicitada por Espanha, que negociou directamente com Portugal a entrada neste conflito, numa altura em que a própria França estava interessada na nossa neutralidade, posição que foi comunicada ao governo português pelo representante da República Francesa, António Darbault, que acabou expulso do país.
As tropas portuguesas combateram na região do Rossilhão (sul de França) e na Catalunha ao lado dos espanhois, mas a contenta rapidamente se tornou desfavorável para as nações pensinsulares, levando Espanha, na iminência da derrota, a negociar com França uma paz separada, que não nos incluía, o Tratado de Basileia de 1795, pela mão do poderoso ministro de Carlos IV, Manuel Godoy, que na sequência deste tratado ganhou o título de “Príncipe da Paz” .
As tropas portuguesas ficaram nesta situação ingrata. Encontravam-se estacionadas na Catalunha, sem os aliados Espanhois e, de facto, ainda em estado de guerra com a poderosa França. Conseguiram embarcar em condições dificeis e regressaram a Portugal com o sabor amargo de ter participado numa guerra onde só tíveram a perder.
O Príncipe regente, futuro D. João VI, teve pela primeira vez o dilema que haveria de o conduzir, em 1807, ao Brasil. Não se podia aliar a Espanha e França porque nós dependíamos do Reino Unido para navegar até ao Brasil, e a força naval britânica dominava então os mares de então.
Neste contexto, esperava-se uma invasão iminente das tropas franco-espanholas que não se veio a verificar até 1801, quando em França já pontificava o primeiro-Consul, Bonaparte. Nesse ano foi acordada uma invasão por parte das tropas Espanholas, mas em nome da coligação com a França, liderada pelo próprio Manuel Godoy. A invasão teve lugar pela fronteira do Alentejo, com a tomada de várias vilas alentejanas como Olivença, Juromenha, Campomaior, Castelo de Vide, Barbacena, Ouguela, etc.
Esta curta guerra não foi menos “fantástica” do que a de 1762, até porque não houve resistência alguma das tropas portuguesas, com honrosas excepções como é o caso de Campomaior. Ficou conhecida como a Guerra das Laranjas, porque o comandante militar da expedição, o tal Manuel Godoy, Príncipe da Paz, no regresso a Espanha colheu um ramo de laranjeira que ofertou à raínha de Espanha, Maria Luiza, de quem seria presumidamente amante.
No entanto, fomos obrigados a assinar a paz, materializada no Tratado de Badajoz, onde se estipulava, para além das indeminizações que teríamos que pagar, que Espanha devolveria as praças-fortes tomadas no Alentejo, com a excepção de Olivença, que ficaria definitivamente na posse espanhola a título de conquista. Ficou ainda determinado que fecharíamos os nossos portos à frota britânica.
Quando Dom João VI, então Príncipe Regente, assinou este tratado sabia, à priori, que não o poderia cumprir, porque seria impossível fechar os nossos portos à nossa velha aliada, pelo que a perda de Olivença foi encarada como um mal menor. Diga-se, em abono da verdade, que Espanha cumpriu o tratado, o que é compreensível porque o mesmo era muito mais do seu interesse.
Este tratado tem sido muito criticado, mas na realidade foi um instrumento muito eficaz na manutenção da paz. Se tivermos presente que ele garantiu até 1807 que Portugal fosse poupado aos horrores da guerra, numa Europa em convulsão. Apenas deixou de cumprir os seus propósitos depois da derrota Francesa na batalha naval de Trafalgar (1805), onde a Inglaterra afirmou indiscutivelmente o seu poderio naval.
Perante esta evidência, Napoleão, então já Imperador dos Franceses, decreta o Bloqueio Continental, que no caso português não era mais do que obedecer o ponto 1 do Tratado de Badajoz de 1801, que nunca foi cumprido pelas autoridades portuguesas.
Em 1807 é assinado novo convénio entre França e Espanha, o tratado de Fontainebleu, que estabelecia a divisão de Portugal em três partes a ser dividida entre França, Espanha e o Reino (fantoche) da Etrúria. Para cumprir esse tratado da-se a invasão nesse mesmo ano, comandada por Junot, a que se seguiram outras duas, lideradas respectivamente por Soult e Massena, transformando-se a península no teatro de guerra central entre França e Inglaterra, e onde começa a ganhar prestígio Arthur Wellesley, futuro Duque de Wellington, general irlandês que seria o grande responsável pela queda definitiva de Napoleão em Waterloo (1815).
Com o (definitivo) exílio napoleónico em Santa Helena e a nova configuração política europeia saida da Convenção de Viena, é reconhecida a posse portuguesa de Olivença, ratificada inclusivamente por Espanha. No entanto, esses anos foram conturbados em Portugal, levando a uma desvalorização total da questão de Olivença.
Em 1817 foi a revolta falhada, que custou a vida, entre outros, ao General Gomes Freire de Andrade, enforcado no forte de São Julião da Barra, onde há dias esteve a Chanceler alemã, de visita a Portugal.
Em 1820 da-se a revolução liberal, que culmina com a constituição de 1822, no mesmo ano em que perdemos o Brasil. Em 1823, já com D. João VI em Portugal, dá-se a Vilafrancada, que acaba com o regime constitucional Português. No ano seguinte o mesmo Infante Dom Miguel que liderou o golpe de 1823, levanta-se contra o pai para tentar o regresso ao regime absoluto. Em 1826 morre o Rei e coloca-se o problema da sucessão, que culmina com a Guerra Civil de 1832-1834.
Finda a guerra civil vem à tona a cisão entre os liberais radicais e moderados, com os primeiros a defender a Constituição de Vinte e Dois (muito radical) e os segundos a Carta Constitucional outorgada por D. Pedro IV (mais moderada), fonte de revoltas e contra-revoltas. Em 1836, ainda o regime liberal, pela mão dos liberais, estava a dar os primeiros passos, e dá-se a Revoluçãom de Setembro. Em 1838 aprova-se uma nova constituição que servia ambas as partes, mas quatro anos depois, no Porto, o ministro da Justiça e ex-radical, Costa Cabral, repõe a Carta.
Tenta-se reformar o Estado, mas o povo levanta-se contra as novas medidas, como a sepultura em cemitérios, e dá-se a Maria da Fonte (1842), seguida da Patuleia, que culmina com a intervenção estrangeira.
O país só respirou alguma tranquilidade depois do Golpe da Regeneração de 1851 no Porto, que abriu caminho para a política de progressos materiais que Fontes Pereira de Melo seria o mais importante executor.
Enquanto estivemos, ao longo de mais de trinta anos, nesta luta fratricida, Espanha levou a cabo um dos processos de aculturação mais bem-sucedidos da história da humanidade. Em Olivença as autoridades espanholas empreenderam uma política consciente e concertada envolvendo aspectos línguísticos e culturais, como o ensino exclusivo do Castelhano, que a tornaram espanhola ainda no século XIX. Hoje em dia, se em sede de referendo, se perguntasse a um oliventino se queria ser português ou espanhol a resposta seria, esmagadoramente, pró-espanhola. Isto sucede porque os espanhois souberam torná-la uma vila espanhola, perante a passividade das autoridades portuguesas. Os povos não se caracterizam apenas pelo seu território, senão hoje não existiriam, por exemplo, Israel ou a Polónia. O que vincula o povo a uma comunidade são sobretudo os afectos e nesse campo perdemos em toda a linha para Espanha na questão oliventina.
Olivença é Olivenza e nunca mais será Olivença
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