Costumo referir, em jeito de blague, que a data “25 de Abril” foi bastante importante em três anos diferentes: A mais importante de todas, foi em 2012, segue-se a de 1851 e, finalmente, a de1974, a mais conhecida.
Se exceptuarmos o primeiro caso, de significado estritamente pessoal, mantenho a ordem de importância das restantes mesmo num registo mais sério, apesar de poder causar alguns sobressaltos nos mais saudosos do período revolucionário português de 1974-1976.
A estupefação com que se pode receber esta ordem de importância, potencialmente catalizadora de ápodos pouco simpáticos (de fascista para cima) radica no parco conhecimento que temos da História do século XIX em Portugal e do papel fulcral que este século teve para a nossa vida colectiva. O regime liberal que vivemos é tributário de um processo de formação política, social e económica cuja génese radica na centúria de 1800. Todos os vícios e defeitos que reconhecemos ao sistema são identificáveis até em aspectos tão particulares como a política dos empregos. Quem estava no poder tinha a obrigação de arranjar empregos para os amigos. Leia-se o Conde de Abranhos, recebido pela sua “corte” com despeito quando recusou ser ministro (não pelos motivos mais nobres, mas tão-somente por tacticismo político).
No dia 25 de Abril de 1851 foi bem-sucedido um golpe militar no Porto capitaneado pelo Duque de Saldanha e que abriu um novo capítulo na História de Portugal. O pronunciamento pôs termos ao domínio de uma facção do liberalismo português, os cartistas radicais, arregimentados em torno da (polémica) figura de Costa Cabral. A eclosão de um golpe de Estado que afastava uma falange em benefício da outra (os Setembristas) não seria uma novidade e nem sequer aproveitaria à pacificação do sistema político.
A rivalidade entre cartistas (partidários da Carta Constitucional outorgada por D. Pedro IV) e Vintistas - mais tarde apelidados por Setembristas – defensores da Constituição de 1822, muito mais radical (praticamente republicana) e com forte inspiração na constituição espanhola de Cádiz, marcou o período pós-guerra civil e ameaçava eternizar-se ao longo de todo o século XIX até aparecer à frente dos destinos do país aquele a quem chamavam o Pasteleiro-Mor. Pode-se considerar este epíteto bastante ofensivo. Política de pastelaria era o termo utilizado para aqueles que estavam sempre prontos para unir facções desavindas em proveito próprio. No entanto, foi este o rótulo que se colou à pele de Rodrigo da Fonseca Magalhães, embora não faltem outros ainda menos simpáticos como “a raposa”, “leproso político”, etc.
Não obstante, creio que a Rodrigo da Fonseca se pode aplicar a máxima de Wiston Churchill ”nunca tantos devem tanto a tão poucos”, neste caso a este Homem.
Rodrigo da Fonseca nunca teve partido. Era um político que pairava acima da mesquinhez dos interesses particulares das facções que compunham o tabuleiro político e por esse motivo sentia um profundo desprezo por esse submundo de interesses que gravitava em torno do poder.
Esteve por 3 vezes no Governo. Uma efémera passagem nos anos de 1834/35. Já com Costa Cabral, chegou a fazer parte do seu ministério na década seguinte, saindo em ruptura com o líder e a sua política (e também com a forma como a executava) com a qual não se identificava.
A verdadeira marca de água de Rodrigo de Fonseca foi impressa após o tal golpe de 25 de Abril de 1851, quando foi chamado pelo Paço para formar Governo. A Rainha fê-lo a contragosto, nunca escondendo a animosidade que sentia em relação ao Estadista. O próprio Saldanha, executor do golpe, entregou o Governo a Rodrigo porque não sabia o que fazer com ele depois da apoteose com que foi recebido em Lisboa. Nem Saldanha nem Dª Maria II conseguiam formar um governo que fosse a síntese das facções que se continuavam a digladiar: Cartistas e Setembristas – não mencionando a falange miguelista que continuava activa.
Ou seja, Rodrigo foi uma espécie de tábua de salvação, último recurso de duas personalidades que não o tinham em grande conta.
No entanto, Rodrigo conseguiu operar esse verdadeiro milagre, que foi dar estabilidade ao sistema. Começou por não fazer a habitual “limpeza” nos ministérios e funcionalismo público para colocar no seu lugar os apaniguados. Fê-lo com muita parcimónia por forma a não hostilizar nenhuma das facções.
Conseguiu organizar eleições logo em 1852, que foram consideradas as mais justas de sempre. Tal não significa que não tenham existido os habituais condicionamentos, por forma a evitar uma câmara demasiado radicalizada, mas conseguiu manter a serenidade necessária no sistema.
Como não estava em nenhum dos lados da barricada, pôde levar a cabo uma política mais pragmática e menos ideológica, conseguindo com essa postura concitar uma parte significativa do partido Setembrista, onde avultava a figura do grande orador José Estevão, que chegou a comparar a chegada dos caminhos de ferro à dobragem do Cabo da Boa Esperança!
Com esta passagem do Partidos Setembrista para a situação, ou seja para a Regeneração, houve uma fractura que garantiu a estabilidade política e que abriria mais tarde caminho ao rotativismo entre a Regeneração (mais tarde chamado Partido Regenerador) e os Progressistas (nascidos dos cacos do que ficou do partido Setembrista, mais tarde designado por Partido Setembrista Dissidente e que depois viria a ser o Partido Histórico (génese dos Progressistas).
Foi desta forma que se formou um regime constitucional que durou 60 anos (até à República) e que corresponde a um dos períodos de maior progresso na nossa história, muito pela mão de um ministro de Rodrigo, muito pragmático como ele e também com pouca paciência para politiquices, que foi José Maria Fontes Pereira de Melo, pai do chamado Fontismo. Tudo isto devemos a Rodrigo. Valha-nos a rua com o seu nome, parca homenagem para alguém que tanto fez pelo nosso país
Comparar estas 6 décadas de progresso contínuo saídas do 25 de Abril de 1851 (apesar da crise do rotativismo no final do século) com o actual regime, a agonizar 39 anos depois do mesmo dia de 1974, que tornou um pais com oito séculos de História num Estado semi-soberano, em regime de protectorado Internacional, é risível.
Viva o 25 de Abril… de 1851
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