Em 1494 o rei português D. João II celebrou com a coroa castelhano-aragonesa, representada pelos reis católicos, um dos mais importantes tratados da história da Humanidade. Foi aquele tratado que determinou que os portugueses tivessem o domínio da Rota do Cabo, que nos permitiria uma grande abastança na primeira metade do século XVI. Foi também este tratado que levou ao estabelecimento das nossas possessões africanas, na maior parte entrepostos de escravos e pontos de escala para fazer aguada nas viagens até à Índia. Ou que o Brasil fosse uma terra onde ainda hoje se falasse o português. Do lado Espanhol, também permitiu a colonização americana, embora tivessem que suportar a concorrência francesa e principalmente inglesa a partir da centúria seguinte.
O tratado de Tordesilhas não foi o primeiro tratado a estabelecer zonas de influência entre portugueses e castelhanos. Em 1479, na vila Alentejana das Alcáçovas, foi assinado um tratado que ficaria conhecido do lado português com o nome do local onde foi firmado (em Espanha seria ratificado em Toledo, sendo conhecido por este nome), onde se pôs fim ao conflito luso-castelhano na sequência do episódio da Beltraneja. O Rei ainda era D. Afonso V, mas de facto quem já tinha as rédeas do governo do reino era o filho. O Príncipe Perfeito não deixou passar esta oportunidade para inscrever no convénio firmado com os reis católicos a definição de áreas de navegação exclusivas, contando com a anuência dos reis católicos, que viriam reconhecida a posse do arquipélago das Canária, resolvendo um diferendo que já vinha deste os tempos do nosso rei D. Afonso IV.
O tratado de Alcáçovas estabelecia uma linha entre as zonas de exploração marítima, numa lógica de mar clausum tão do agrado das monarquias ibéricas. Determinou-se que a zona portuguesa ficaria a sul do paralelo que passa abaixo das Ilhas Canárias, ficando a norte a zona exclusiva castelhana. Esta latitude garantia aos portugueses a possibilidade de chegar à Índia via rota do Cabo, principal desígnio de D. João II, embora não seja possível determinar quando é que começou a surgir este projecto na mente do monarca, não fosse o sigilo a sua imagem de marca.
Este tratado foi alterado na sequência da chegada de Colombo ao continente americano em 1492. Colombo, que vivia em Portugal, tinha proposto a D. João II chegar à Índia navegando para Oeste. A lógica era sustentada. Se a terra era redonda e se a Índia ficava a Oriente, é indiferente navegar para leste ou para Oeste. D. João II sempre desconfiou desse plano – porque sabia muito mais do que Colombo – e não patrocinou este projecto. Foi então que o navegador foi à corte dos Reis Católicos, onde obteve apoio para tentar chegar às tão cobiçadas especiarias.
Colombo chega às Antilhas e contacta com os nativos. Como tinham pele escura mas não eram de raça negra, chega à brilhante conclusão que só poderia ter chegado à Índia! Por esse motivo ainda hoje chamamos Índios aos indígenas americanos! Colombo regressa entusiasmado, mas não foi dar a novidade aos reis católicos, mas sim a D. João II. É neste facto que assenta a teoria de que este seria um agente secreto ao serviço do rei português, que apenas tinha feito esta viagem para distrair os castelhanos e assim poder levar a cabo o seu plano das Índias.
D. João II não ficou muito impressionado. Portugal era na altura o país mais avançado do mundo ao nível da cartografia e de navegações marítimas, não sendo de estranhar que por esse motivo todos os aventureiros, como Colombo, se sentissem atraídos pela corte portuguesa. O Príncipe Perfeito disse imediatamente a Colombo, com base nos cálculos dos matemáticos portugueses, que o local onde o futuro Almirante dos Mares da Índia (!) tinha chegado era um território que, ao abrigo do Tratado de Alcáçovas-Toledo, era uma zona de navegação exclusiva de Portugal. D. João II sabia perfeitamente que Colombo não tinha chegado à Índia, cujo plano seria do conhecimento do Colombo. Está provado que D. João II e Bartolomeu Dias se reuniram com Colombo, na sequência da dobragem do Cabo da Boa Esperança, encontro que teria tido lugar, segundo uma teoria, em Carnide (Lisboa).
Este facto obrigou a uma revisão do antigo tratado de 1479, assinando-se um novo que garantia ao mesmo tempo a possibilidade de levar a cabo os planos de D. João II de chegar à Índia e a posse desse novo território, que viria a ser a América, para Castela. Esse tratado foi assinado em 1494, tendo como diplomata, do lado português, Rui de Sousa, autor desta obra-prima que marcou para sempre a humanidade.
O novo tratado substituía o anterior, determinando que a linha de navegação exclusiva deixaria de ser estabelecida pelo paralelo a sul das Canárias, mas por um meridiano (linha longitudinal) que passava a 370 léguas a oeste da Ilha de Santo Antão (Cabo Verde). Este novo mapa garantia para Portugal a posse de uma grande parte do que é hoje o território do Brasil. Teria D. João II conhecimento da existência daquele território? A dúvida subsiste, no entanto é normal que a coroa portuguesa tentasse garantir a navegação a oeste tão distante quanto possível da costa, porque sabia-se que para dobrar o Cabo da Boa Esperança os navios teriam que se desviar muito da costa Africana, para apanharem os ventos favoráveis que permitiam chegar ao Oceano Índico. Como tal, é compreensível que D. João II tenha ido tão longe quanto possível na determinação do Meridiano.
A linha do Tratado de Tordesilhas foi alterada mais tarde, motivado pela posse das Molucas – onde os portugueses chegaram faz precisamente 500 anos (1512) – mas que ambas as coroas reclamavam para si. O tratado foi contudo respeitado por ambas as partes, o que é notável dada a rivalidade existente. O problema foi que o mar não era fechado e a concorrência de Ingleses e Franceses a oeste (lado Castelhano) e de Holandeses a Oriente (lado português) causariam o declínio das nações ibéricas como senhoras dos mares. A linha do Brasil não foi respeitada, mas por um motivo diferente. Na vigência da União Ibérica, de 1580 a 1640, os portugueses lançaram-se na exploração do sertão brasileiro, ficando conhecidos como os “Bandeirantes”. Não fosse a união ibérica, e as fronteiras do Brasil seriam consideravelmente diferentes, em prejuízo da enorme extensão do potentado sul-americano.
E como é que Colombo, o tal filho de um tecelão genovês, consegue frequentar a corte do austero D. João II, casando-se com uma fidalga da Ordem de Santiago - filha do grande Bartolomeu Perestrelo, “descobridor” da Madeira - e chega a Almirante dos Mares da India? Trata-se de um terreno pantanoso, sobre o qual me debruçarei no próximo post.
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