Estive neste últimos dias no Alentejo. Mais precisamente na raia alentejana. Passei pelo que resta dos campos de trigo do antigo "celeiro de Portugal" (uma das poucas medidas de inspiração fascista de Salazar), passei pelas videiras que continuam a dar-nos dos melhores vinhos e, sobretudo, cruzei-me com as populações que teimam em não se deixar vencer pelo isolamento.
O Alentejo, com a sua grande área (maior do que muitos países), é muito heterogéneo, pelo que não podemos generalizar. No entanto, ao passar pelos montes alentejanos, junto à raia, não deixa de ser confrangedor ver o estado de abandono em que muitos se encontram. Mesmo nas maiores cidades alentejanas é notória a pouca capacidade de atracção relativamente aos jovens, não importando sequer a sua qualificação. Talvez Évora seja a única excepção à regra, muito por culpa da presença da população estudantil.
Em Serpa assisti à recriação de uma feira medieval, onde não faltou El Rei D. Dinis, em animadas disputas fronteiriças com os nossos vizinhos castelhanos. Não faltaram igualmente referências às matrizes culturais, partindo da nossa raiz judaico-cristã, passando pela ocupação islâmica e pelos traços que ficaram da conjugação desse encontro ecuménico. A muralha que cerca a vila é a melhor prova das disputas que ao longo dos séculos tiveram as populações que suportar. Salta-me à vista, na entrada de uma das portas da muralha, a existência de um enorme bloco de pedra tombado (uma antiga torre), que segundo me informei seria uma sequela da guerra de sucessão de Espanha, quando a vila esteve sob o domínio espanhol. Nada de extraordinário, sabendo que Madrid foi ocupada pelas tropas comandadas pelo Marquês de Minas, na sequências das pretensões de D. Pedro II, Rei de Portugal, ao trono espanhol.
Tive ainda oportunidade de fazer uma breve visita a Vila Nova de São Bento, que foi a maior aldeia portuguesa até ascender, em 1988, à condição de vila. Era um lugar que já tinha visitado anteriormente, embora nunca me tenha informado sobre a sua história.
Pelo que apurei, a aldeia era parte integrante dos domínios do mestrado de Aviz, e nasceu da fusão de populações de duas aldeias (Cabeço de Vaqueiros e Fonte do Canto), na sequência das Guerras de Restauração. Naquele lugar existia uma concentração das forças portuguesas, que combatiam os espanhois que entravam por Arroche e Paymogo, o que terá levado à deslocação das populações das aldeias vizinhas por aí se sentirem mais seguras. Após a contenda (a nosso favor) decidiram erguer as suas casas na nova aldeia, e abandonar as suas antigas casas.
Pelo que me foi possível verificar, esta teoria parece-me bastante plausível. Em primeiro lugar pelo culto de Nossa Senhora da Conceição, patente na frontaria da Igreja, padroeira de Portugal e a quem D. João IV ofereceu a coroa como agradecimento pela vitória na guerra de 1640-68. Desde aí, nunca mais nenhum monarca português usou a coroa. As cerimónias de entronização deixaram de se designar por coroação, e passaram a chamar-se aclamação. A coroa estava presente, mas o Rei ou Rainha não a usava, pois ela não lhe pertencia.
Em segundo lugar, o plano rectilíneo e de traça muito semelhante das habitações indicia que o seu núcleo basilar foi construído de raíz.
Em último lugar, o próprio nome. O culto beneditino era professado pela ordem de Avis, sucedânea da espanhola Ordem de Calatrava. A atribuição do nome de São Bento à nova aldeia não é, portanto, de admirar, nem tão pouco ser designada por "nova".
Alentejo, que Futuro? Este podia ser o tema de uma elaborada e complexa investigação. No entanto, empiricamente, parece-me que a estremadura espanhola podia constituir um bom "benchmark". Dada a extensão dos terrenos e a riqueza dos seus produtos regionais, as actividades primárias terão sempre o seu peso. Contudo, o futuro do Alentejo só pode passar pelo turismo. Tem todas as condições, só falta a iniciativa. Com a quantidade de casas abandonadas que poderão ser convertidas em unidades de turismo de habitação ou de turismo em espaço rural, com as paisagens magníficas que só esta província nos proporciona, a sua cultura, a gastronomia, os bons vinhos e, mais importante que tudo, um povo hospitaleiro que sabe receber quem o visita.
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