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Sexta-feira, 9 de Novembro de 2012

Gil Vicente - Uma Vítima da Contra-Reforma

 

Não raras vezes destilo nestas linhas a minha tristeza pelo obscurantismo a que foram votados grandes vultos da história de Portugal. Não é preciso ir muito longe em termos cronológicos, basta perguntar ao cidadão médio uma pergunta tão simples como quem foi o último Rei de Portugal - que foi uma pessoa notável e que é contemporâneo de muitos portugueses ainda vivos – quanto mais perguntar por pessoas ilustres em séculos anteriores

Gil Vicente, felizmente, é uma excepção á regra. A sua obra é hoje conhecida por jovens e menos jovens, e o seu legado é reconhecido. A “culpa” para tal notoriedade está na sua permanência nos programas escolares, onde os seus autos são objectos de análise, merecendo especial destaque o “Auto da Barca do Inferno”, onde a figura do parvo, ingénuo e inconsciente dos seus actos, acaba por ser o único absolvido à luz da justiça divina.

Gil Vicente cometeu a proeza de nos deixar obras importantíssimas na cultura portuguesa em dois campos absolutamente distintos – o teatro e a ourivesaria – embora ainda hoje não se possa afiançar, com total certeza, que a famosa custódia de Belém, um dos ex libris do Museu de Arte Antiga, seja da sua autoria, embora existam indícios fortíssimos de que seja obra da lavra do grande dramaturgo. Curiosamente, esta peça em ouro maciço chegou aos nossos dias por mero acaso. Ela estava na casa da moeda para ser fundida quando o Rei Dom Fernando II, marido de D. Maria II, reconheceu o seu valor artístico e a salvou de um fim anunciado. Bastava este gesto para justificar o seu epíteto de “Rei Artista”, embora o seu legado seja muito mais vasto, na preservação e edificação do nosso património histórico.

Não vou falar propriamente da biografia de Gil Vicente nem sequer das suas obras que chegaram até aos nossos dias. Vou relatar um evento da maior importância que está relacionado com um auto que, infelizmente, se perdeu. Sabemos o seu nome e o próprio tema que foi retratado, mas a peça em si desapareceu misteriosamente (ou talvez não). Arrisco-me a dizer que terá sido uma das mais bem-sucedidas missões da inquisição, que moveu uma guerra sem quartel a tudo o que pudesse ter o mais pequeno lampejo herético. O auto chamava-se “Jubileu de Amores” e foi representado em Bruxelas em 1531 diante do Imperador Carlos V e do Cardeal, emissário do Papa, que o acompanhava. A presença do Imperador e do representante do Papa na então Flandres, deveu-se a uma missão diplomática junto dos Estados Alemães, que estavam a ser “contaminados” pela reforma luterana. Lutero era então já reconhecido como um autêntico messias, que se encontrava numa cruzada contra a degeneração da Igreja de Roma, concitando uma ampla adesão às suas ideias, contribuindo decisivamente para a conversão dos principados alemães ao espírito da Reforma. Este movimento assustou a Santa Sé e teve o apoio do homem mais poderoso da Europa, o grande Imperador Carlos V, casado com a Infanta D. Isabel, filha de D. Manuel, que se constituiu como o autêntico apóstolo do Papa. Foi uma batalha perdida para Roma e também para o próprio Imperador, que depois de uma vida inteira em pé de guerra, abdicou no seu irmão a soberania dos Estados Alemães e no seu filho (futuro Filipe I de Portugal) a coroa espanhola.

Embora não saibamos se Gil Vicente esteve ou não pessoalmente em Bruxelas nesse dia, temos a certeza de quase tudo o que se passou. Em 1531 nasceu um novo príncipe para a coroa portuguesa, D. Manuel, filho de D. João III. Sempre que nascia um novo rebento real, Gil Vicente era presença habitual na Corte para representar um auto. Naquela ocasião, aproveitando a presença de tão importante séquito, o embaixador português na Flandres, então o nosso principal entreposto de venda dos produtos que trazíamos da Índia pela Rota do Cabo, mandou representar o já citado auto “Jubileu de Amores” em Bruxelas. Este auto parodiava a Igreja com um dos mais fortes argumentos utilizados por Lutero – a venda das Indulgências. Esta venda de indulgências era uma importante fonte de riqueza do Papa, porque consistia no pagamento de avultadas quantias, por parte das pessoas poderosas, para remir os seus pecados terrenos. No fundo, a mensagem que se transmitia era que os ricos podiam pecar a vida toda e mesmo assim tinham garantido o reino dos céus, em troca da prodigalidade das suas oferendas. Este sistema foi julgado imoral, e esta perversidade foi denunciada por Lutero, constituindo a mot d’ordre dos reformistas. Nesta peça, uma das figuras era um cardeal, que perdoava os pecados em troca de dinheiro. Sucede que o não existia naquele dia nenhum barrete cardinalício que pudesse ser utilizado pelo actor, e o embaixador português pediu ao próprio cardeal que acompanhava Carlos V se o podia dispensar para o auto. Assim foi, e a peça a satirizar a Igreja de Roma contou com um “actor” que pode fazer as suas diatribes com um barrete cardinalício verdadeiro!

A sala quase que vinha a baixo com tanto riso e o eco desta actuação memorável correu a Europa inteira, muito por culpa de outro cardeal, Girolamo Aleandro, cuja missiva dirigida ao Papa, a denunciar aquela heresia que presenciara, se encontra nos arquivos do Vaticano, constituindo a principal fonte para relatar este acontecimento, sem a qual, provavelmente, não saberíamos hoje nada do sucedido.

Quem também não achou muita piada a este episódio foi a inquisição e o Rei D. João III, o que justifica que o auto não tenha chegado até nós.

D. João III baniu Gil Vicente da Corte, descendo o pano para as suas actuações palacianas. A última representação vicentina de que temos notícia teve lugar no Convento de Odivelas, por encomenda da Abadessa, e chamava-se o “Auto da Cananeia”, que é um dos mais belos autos de Gil Vicente, mas que curiosamente não tem tido o destaque que, na minha opinião, mereceria.

A inquisição poupou a vida a Gil Vicente mas decretou uma pena sui generis – proibiu o dramaturgo, imagine-se, de se rir! É caso para dizer que quem ri por último ri melhor, porque no local onde se situava o Palácio Inquisitorial, funciona hoje o principal teatro português – o D. Maria II – que no cimo da sua frontaria neoclássica ostenta uma estátua de Gil Vicente …

publicado por Rui Romão às 23:12
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