Quem for a Alter do Chão e estiver atento à toponímia daquela vila do alto Alentejo não poderá deixar de verificar a alusão aos 12 melhores de Alter. Nos dias de hoje, soa de uma forma estranha a referências aos 12 melhores, mas na idade média era uma designação comum para os mais importantes membros dos concelhos, sede do poder popular. Geralmente eram Lavradores, ou seja detentores de terrenos agrícolas, que empregavam os chamados jornaleiros, i.e que trabalhavam à jorna (ao dia), pagando um imposto ao Rei pela posse das propriedades. Este fenómeno apenas podia existir numa terra que não tivesse senhor, porque nas terras com senhor, seja uma Ordem religiosa ou um fidalgo, toda a população trabalhava nas suas propriedades, pagando uma pensão enfitêutica em géneros ao seu proprietário. Esta relação não era isenta de atritos, como comprova os inúmeros levantamentos populares contra os senhores, motivado pelos abusos constantes a que eram submetidos.
Neste contexto, a aspiração das populações seria, naturalmente, verem-se livres do poder senhorial, organizando-se em Concelhos que dependiam apenas do Rei, e como tal gozando de muito maior autonomia e prosperidade, por comparação com as terras que o Rei dava a algum fidalgo (geralmente para recompensá-lo dos seus serviços) ou a um Ordem religiosa - grandes proprietários até à revolução liberal, com destaque para a de Cister, Cristo, Santiago, Aviz ou Santa Cruz de Coimbra.
O documento que fixava as relações entre as populações e os detentores da terra eram os Forais. Na definição de Marcelo Caetano, os forais eram uma espécie de lei orgânica que estipulavao os direitos e deveres de uma determinada terra face aos seus detentores. Para além dos impostos, fixava as obrigações militares e outros deveres com o de aposentarem os fidalgos importantes.
O primeiro Foral de Alter foi da lavra de D. Afonso III, mas no reinado do seu filho, D. Diniz, Alter recebe novo foral. Não sei qual o motivo para a proximidade entre os dois forais, mas algo terá justificado mudar esta lei orgânica em tão pouco tempo. Um dos deveres habitualmente consagrados nos Forais que mais incomodava os Concelhos era o Direito de Aposentadoria. Como não existiam hoteis, quando os nobres se deslocavam a determinado lugar e precisavam de descansar, o povo tinha a obrigação de os acolher, geralmente na casa dos Lavradores mais importantes, o que era uma fonte permanente de conflitos pela sobranceria com que os fidalgos tratavam os donos da casa. Não eram só os nobres que ficavam hospedados, era também o seu numeroso séquito, cometendo habitualmente uma série de abusos: roubavam as adegas, humilhavam os proprietários, abusavam das filhas…, enfim uma série de situações que muito incomodava os povos.
Até Dom João I Alter não teve dono. O Rei de Boa Memória para recompensar os serviços de Condestável D. Nuno Alvares Pereira incluiu no seu vastíssimo património Alter, e por esta via entra na posse do morgado da casa de Bragança, que a apartir de 1640 são os Reis de Portugal.
No entanto, o episódio dos 12 melhores de Alter é muito anterior a essa doação, numa altura em que vigorava o foral concedido por Dom Diniz, e onde se estipulava que a terra estava isenta de prestar aposentadoria. Sucede que um fidalgote de Évora, um tal Martim Esteves de Moles, ou por desconhecimento ou por jactância, pretendeu fazer tábua rasa desse direito e aposentar-se na Vila. As forças municipais, evocando o foral da terra, opuseram-se à vontade do fidalgo e este muito melindrado foi até Lisboa fazer queixa ao Rei. Isto passou-se ou no reinado de D. Afonso IV ou do seu filho Pedro o Cruel, (as fontes não nos premitem identificar ao certo) e o monarca, depois de mandar consultar os documentos, confirmou que a pretensão do fidalgo não tinha qualquer fundamento, dando razão ao concelho de Alter.
O fidalgo não se conformou com a decisão. Juntou o seu séquito e dirigiu-se a Alter, onde manda matar os Homens Bons da terra, que lhe haviam feito tamanha afronta. Os Homens bons, ou os “melhores”, como ficaram conhecidos, seriam as pessoas mais importantes da terra, que dirigiam o Concelho em nome do bem comum, ousando inclusivamente afrontar quem não respeitasse o Direito dos Povos. Os 12 melhores perderam a vida, mas o poder dos concelhos não cessou de aumentar até à crise de 1383/85, onde estes tomam as rédeas do poder ao lado do mestre de Aviz. Parodaxalmente, o mesmo Rei que viria a desferir um ataque brutal ao poder municipal ao doar meio país ao seu Condestável, bens esses que mais tarde dariam lugar à poderosa Casa de Bragança.
. Os meus links