Para Alfredo da Silva, a primeira república foi vivida numa situação paradoxal. Por um lado, os negócios prosperavam, nomeadamente no período da Grande Guerra, onde a alta dos preços lhe permitiu lucros avultados. Por outro, passou a ser um alvo de ataques da demagógica imprensa republicana, que se referia ao industrial como o "rei dos açambarcadores".
Até Outubro de 1910, não obstante o clima contestatário que se vivia principalmente no Barreiro, face aos aumentos sucessivos de impostos indirectos, a CUF conseguia ficar à parte destes protestos. Talvez o reconhecimento pelo modelo social empreendido pela empresa, ou mesmo as acções de charme realizadas através dos seus delegados junto de potenciais consumidores, tenham deixado a empresa à margem da convulsão que varria o país.
Com o golpe republicano, a Vila passou a viver num clima de pré-terrorismo, onde nem as linhas de caminho de ferro e as mangueiras dos bombeiros escapavam à revolta popular. A somar a este clima de contestação generalizada, viriam as greves e as exigências injustificadas que assolaram as fábricas da Cuf: Largo da Fontaìnhas, Fábrica Sol, Barreiro e Alferrarede.
A agitação social haveria de voltar com a Grande Guerra. Este foi um período sensivel, onde Alfredo da Silva para além de se confrontar com a crise internacional, teria que se defender das acusações de germanófilo, que lhe valeram a presença na black list do foreign office britânico. A imprensa foi implacável, com o empresário a ser o alvo predilecto dos periodistas, que o acusavam de enriquecer à custa da miséria alheia. Este clima crispado gerado em torno da sua figura, a somar ao seu apoio declarado ao Sidonismo, haveria de ter como consequência lógica (nos parâmetros da 1ª república) a sua eliminação física.
A primeira das várias tentativas teve lugar em 1919, quando descia a Avenida Presidente Wilson (actual Avenida D. Carlos I), o seu caro foi alvejado com 2 bombas de dinamite!, tendo o denodo do motorista evitado que elas atingissem fatalmente o empresário. Malogrado o plano inicial, os executores do atentado recorreram ao revolver, disparando convulsivamente contra o carro do industrial. Alfredo da Silva escapou miraculosamente a este atentado, tendo o seu motorista sofrido diversos ferimentos, embora não fatais.
O segundo atentado à sua vida seria ainda neste annus horribilis de 1919. Desta vez, à porta de sua casa do Alto de Santa Catarina. Quando o empresário de preparava para entrar no automóvel que o aguardava, um sujeito aproximou-se e apontou-lhe uma arma à cabeça. Para sorte do industrial a arma encravou (o que não era tão habitual quanto isso). O motorista de Alfredo da Silva, munindo-se da manivela do carro, inicia uma perseguição ao indivíduo que só termina quando, com a ajuda de um cúmplice, é deflagrada uma bomba que deixou ferimentos no motorista, deixando o industrial, novamente, incólume.
Na sequência destes ataques Alfredo da Silva abandonou o país, no seu auto-exílio de Madrid. No regresso, haveria de ter novamente que se haver com os fanáticos do regime. Em 19 de Outubro de 1921, o nome do empresário constava da "lista de passageiros" da camioneta fantasma que na célebre noite sangrenta roubou a vida ao primeiro ministro cessante, António Granjo, bem como aos "herois" da rotunda Carlos da Maia e Machado Santos. Escapou novamente, encoberto pelos seus empregados, o que lhe permitiu ganhar o tempo suficiente para fugir. No entanto a sua fuga haveria de se revelar infrutífera, porque acabaria por ser acometido na estação de Leiria, onde um atentado quase lhe rouba a vida, deixando-lhe sequelas que o acompanhariam até ao resto dos seus dias.
Após Leiria, parte para França onde se entrega aos cuidados de uma enfermeira francesa, que acabaria de tomar como companheira. No entanto, ese percalço não tirou nem combatividade nem a perseverança que caracterizaram a sua vida empresarial.
Entretanto adquire a Casa Totta, que quase o levou à ruína financeira, sendo obrigado a descapitalizar as suas restantes empresas, nomeadamente a Sociedade Geral e a CUF, para fazer face à situação calamitosa que a casa financeira viveu no final da década de vinte. Nesta altura, contou com o apoio do então ministro das Finanças, António de Oliveira Salazar, que desempenhou um papel fulcral na salvação da empresa. De resto Alfredo da Silva adere ao Estado Novo, tomando lugar na Câmara Corporativa, instituição que sempre idealizou como um vector fundamental da tomada de decisões políticas. Beneficiou da política de condicionamento industrial, o que não o impediu de perder o concurso da Companhia dos Tabacos. Ao seu estilo, em vez de baixar os braços, fundou uma empresa concorrente, a Tabaqueira, como o prova a sigla SG (Sociedade Geral) que ainda hoje figura nos maços de tabaco. No entanto esta empresa apenas se revelou lucrativa quando o empresário já se encontrava a viver os seus últimos anos de vida.
Prova da sua visão, viu nas telecomunicações uma janela de oportunidades para o futuro. Tentou controlar a Marconi, mas os seus esforços revelar-se-iam infrutíferos.
Não é de somenos importância a sua participação no deslindar do caso Alves dos Reis. Foi o empresário, através das páginas do "O Século", de que era proprietário, que despoletaria o caso do Angola Metrópole, ou "engole a metrópolole" como se dizia, jocosamente, na altura.
Como já referi, o facto de Alfredo da Silva ter uma estátua no Barreiro, um nome de avenida, estádio de futebol, escola, etc. constitui um paradoxo ao qual, como lisboeta, não consigo compreender na sua plenitude. Contudo, parece que os barreirenses nunca se importaram muito com esse paradoxo e homenagearam o homem que deixou uma marca indelével na então vila piscatória, local onde escolheu para sua última morada. Nos 100 anos do complexo do Barreiro, que se comemoram este ano, é justa a homenagem que o pais e o Barreiro em particular se preparam para lhe render.
No post anterior considerei Alfredo da Silva o primeiro empresário português, no sentido moderno do termo. Não lhe chamo industrial por a sua vida empresarial ir muito para além da indústria, embora esta fosse a sua maior paixão. Paradoxalmente, pouco se conhece e menos conhecem a vida deste empreendedor que parece esquecido no imaginário dos portugueses. Avanço dois motivos:
-Por se considerar que a política de condicionamento industrial salazarista lhe retirou grande parte do mérito que lhe seria devido.
-Por ser uma figura longínqua no tempo, face aos "jovens" que lhe sucederam.
O primeiro motivo é desmentido pela sua biografia, pois ele criou o seu império muito antes da subida à chefia do governo de Oliveira Salazar. O segundo motivo talvez explique em parte a omissão, no entanto esta regra não se aplicou ao seu contemporâneo Alves dos Reis, famoso burlão que Alfredo da Silva desmascarou através das páginas do "Século".
Alfredo da Silva é oriundo de uma família pequeno-burguesa, com estabelecimentos comerciais na baixa pombalina. Muito cedo ficou orfão de pai, passando o seu tio paterno, Alexandre, a constituir a sua maior referência. No entanto, o jovem Alfredo desde cedo mostrou que iria quebrar essa regra de família. Tinha ambições que não cabiam nas “gaiolas” pombalinas e o facto de ter herdado algumas participações em empresas, constituiu a sua oportunidade de se emancipar. Ainda estudante, começou a participar nas assembleias gerais de accionistas das empresas onde detinha acções. O seu estilo desafiador, contestatário, polémico e por vezes de uma grande agressividade, veio contrastar com a solenidade habitual nestas reuniões, grangeando-lhe alguns ódios de estimação. Na sua primeira intervenção, após “arrasar” com os administradores do banco, ameaçou à bengalada quem o impedia de usar da palavra, tendo sido expulso da sala. Com esta postura, este jovem arrivista foi visto com grande desconfiança pelas elites estabelecidas. Não obstante, foi concitando apoios até chegar a director do banco. Para além do banco, Alfredo da Silva também desempenhou cargos de relevância na Carris, onde teve por missão estudar as formas alternativas à tracção animal . Seria Alfredo da Silva o director da Carris quando, em 1901, são introduzidos os eléctricos. Embora pereçam experiências diferentes, foi através da participação nestas duas empresas que a sua vida empresarial haveria de tomar forma. O Banco Lusitano abriu-lhe as portas da CAF – Companhia Aliança Fabril. A Carris, através de Henry Burnay , haveria de lhe abrir as portas do seu grande projecto – a CUF.
A CAF era uma empresa química situada no baluarte de Alcântara, com créditos malparados junto do Banco Lusitano. Depressa essa dívida se converteu numa participação no capital da empresa até ao seu controle, sob a égide de Alfredo da Silva. A empresa expandiu-se, através da construção de uma nova fábrica na Av. 24 de Julho (fábrica Sol), mas Alfredo da Silva sonhava com uma fusão com a arqui-rival CUF, de Henry Burnay, cuja fábrica também se situava em Alcântara. Burnay, que o conhecia na condição de accionista na Carris, mostrou receptividade à ideia de fusão, que se haveria de concretizar em 1898.
Depressa Alcântara começou a ser insuficiente para o volume de produção previsto com a entrada na indústria dos adubos, aproveitando os incentivo concedidos pelo ministério progressista de José Luciano de Castro – a chamada “Lei da Fome”. A aposta recaiu na construção de uma unidade de média dimensão em Alferrarede e a construção de um colosso industrial que haveria de mudar a face de uma pequena vila piscatória na margem direita do Tejo: o Barreiro.
Antes da inauguração do complexo do Barreiro, Alfredo da Silva teve a primeira das três participações políticas da sua vida. Foi em 1906 quando apoiou o “dissidente” João Franco no seu novo partido: o Regenerador Liberal.
Foi também o primeiro momento em que o industrial viu a sua vida em perigo. O episódio ocorreu na inauguração da sede do Partido Regenerador Liberal no “republicaníssimo” bairro de Alcântara. O Rei D. Carlos costumava contar, em jeito de blague, que “era o único monárquico na freguesia de Alcântara (o Rei residia no Palácio das Necessidades). A inauguração da sede foi ensombrada pelo protesto “organizado” e violento, que obrigou Alfredo da Silva a usar da sua arma para evitar o linchamento de João Franco e de si próprio. A segunda participação política foi durante o sidonismo e a terceira junto da câmara corporativa de Salazar (que o ajudou a salvar a Casa Totta da falência).
A actividade como político foi sempre subsidiária da sua condição de empresário.A sua participação política teve sempre por base o lobbyng, e na sua convicção da importância da participação das corporações industriais nas decisões estruturantes para o país. Foi esta mensagem que ele “bebeu” em João franco, que se propunha renovar um sistema partidário que ia apodrecendo no rotativismo entre regeneradores e progressistas. Na demagogia proto-fascista de Sidónio viu uma salvação para o descalabro da 1ªRepública. Em Salazar viu um regime com que sempre sonhou: proteccionista, defensor da ordem e facilitador da vida dos empresário (os benquistos evidentemente).
Quando chegou a República, o Barreiro funcionava em pleno. Alferrarede também se tinha mostrado uma boa aposta. Foi a primavera da sua vida empresarial.
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