Dom Pedro V, que era um homem brilhante mas muito dado a períodos de melancolia e de desânimo, dizia, enquanto príncipe, que não acreditava chegar a Rei. O seu argumento era válido: nunca um primogénito dos Bragança tinha chegado a Rei. Começou logo com o fundador da dinastia, cujo varão, Dom Teodósio, morreu de tuberculose aos 18 anos de idade, deixando o reino numa enorme consternação. Este Dom Teodósio destacou-se por ser um príncipe muito culto mas com uma grande dose de rebeldia, como prova o episódio em que se deslocou, sem autorização do monarca, para a frente de batalha nas campanhas da Restauração. Ficou para a História também por ter esbofeteado o Inquisidor-Mor por discordar de uma condenação sua. Morreu numa profunda agonia, mas de uma forma serena, em 1653, com a única preocupação de não agravar o sofrimento dos pais, principalmente de sua mãe. A sua morte acabou por ser uma catástrofe, porque volvidos três anos espirou o Rei sem um herdeiro à altura, prolongando-se a regência de Dª Luísa de Gusmão.
A subida ao trono de Dom Afonso VI, que era um deficiente profundo, em 1663, depois de afastar a sua mãe da regência, manietado pelo hábil Luís Vasconcelos de Sousa, Conde de Castelo Melhor, foi um drama nacional, com um epílogo a condizer. Na política de alianças que a diplomacia portuguesa se empenhou para legitimar a nova dinastia, conseguiu-se casar o Rei com uma princesa francesa, vagamente parente de Luis XIV, Rei de França. O empenho foi tanto, que se esqueceram de informar Dª Maria Francisca de Sabóia que o Rei era hemiplégico e impotente. A rainha não esteve para os ajustes e entrou em conflito com o Conde de Castelo Melhor e o seu secretário de Estado, António de Sousa Macedo, que dominavam completamente D. Afonso VI. Não suportando mais a sua situação, dá entrada no Convento da Esperança, escrevendo aos cónegos da Sé uma carta onde pedia a anulação do seu casamento por não ter sido consumado. Este episódio desencadeia um golpe palaciano que leva o futuro D. Pedro II para a regência, ao afastamento de Castelo Melhor e ao exílio do Rei nos Açores. D. Pedro seria Rei apenas em 1683, casando-se com a ex-cunhada, embora este casamento não tenha tido descendência varonil.
Do segundo casamento de D. Pedro II, com Maria Sofia de Neuburgo, após a morte de Dª Maria Francisca, nasceria finalmente um varão, que receberia o nome de João, em homenagem ao avô. Não viveria mais do que um par de semanas, mantendo a tradição brigantina de morte prematura dos herdeiros. Nasceria um novo varão, que recebeu o mesmo nome do irmão mais velho, mas que vingou, sendo em 1707 aclamado como D. João V, ficando para a História como o “magnânimo”, por ter sido o grande beneficiário da descoberta das areias auríferas na colónia brasileira.
Dom João V casou-se com uma princesa austríaca, Dª Mariana da Áustria, da qual viria a ter seis filhos, quase tantos como os bastardos nascidos da sua relação com a Madre Paula do Convento de Odivelas.
Apesar da extensa prole, o primeiro filho (por sinal uma menina) nasceu somente três anos após o matrimónio. Esta infanta, a quem deram o nome de Maria Bárbara, viria a ser Rainha de Espanha, e está intimamente ligada à construção do convento de Mafra. Segundo a tradição, a construção daquele magnífico monumento está relacionada com uma promessa de D. João V, pelo nascimento de um herdeiro. O primeiro varão nasceria no ano seguinte, i.e. em 1712, e receberia o nome de Pedro, mais uma vez em homenagem ao avô. Uma vez mais, este herdeiro morreu na infância, recaindo a coroa sobre outro filho de D. João V, que viria a ser D. José I. Curiosamente, outro filho do “magnânimo” receberia o nome de Pedro, e viria a ser D. Pedro III pelo casamento com a sua sobrinha, a futura Dona Maria I.
D. José não teve varões, recaindo a coroa na sua filha mais velha, Dª Maria I. No entanto, parece que o poderoso ministro de D. José, Sebastião José de Carvalho e Melo, primeiro conde de Oeiras e Marquês de Pombal, nunca foi muito apologista desta sucessão, tentando influir junto do Rei para que a coroa fosse herdada pelo filho varão da Princesa do Brasil, D. José. O nome era, uma vez mais, uma homenagem ao avô e, para não variar, este rapaz não chegaria a Rei, apesar de ter casado (com a sua tia) matrimónio do qual não houve descendência. Sucede-lhe o Príncipe D. João, futuro D. João VI, que seria regente do reino, pela incapacidade psíquica que se foi manifestando na sua mãe.
A biografia de D. João VI é bem conhecida, ou não fosse o Rei que, confrontado com a invasão francesa, se exilou no Brasil para manter a soberania portuguesa (ou fugiu, segundo os relatos mais acintosos). Os filhos varões, D. Pedro e D. Miguel, não o são mesmo, ou não fossem os responsáveis pela guerra civil portuguesa, cenário do qual não existia memória desde o século XIII – conflito entre D. Sancho e o futuro D. Afonso III. No entanto D. Pedro, que viria a ser o primeiro imperador do Brasil e Rei de Portugal, não era o primogénito. Esse estatuto era de D. Francisco António, primeiro varão nascido do casamento de D. João com D. Carlota Joaquina, a mais malquista Rainha de Portugal, mas que morreu com apenas 6 anos de idade.
Dom Pedro teve um filho legítimo varão, que viria a ser D. Pedro II, Imperador do Brasil, mas abdicou da coroa portuguesa na sua filha mais velha, Dª Maria da Glória, futura Dº Maria II e mãe de D. Pedro V, o tal que, com este histórico, não acreditava que chegaria a Rei.
No entanto chegou, na sequência da morte de sua mãe em 1853, quando contava apenas 34 anos, a dar á luz o 11º filho. Após uma regência de 2 anos do seu pai, D. Fernando de Saxe Coburgo Gotha, o (re) construtor do Palácio da Pena, Dom Pedro chega a Rei. Casou-se com uma princesa alemã, Dª Estefânia, que ficou no coração do povo, mas que morreu passados poucos meses em Portugal, sucumbindo a uma engina diftérica, provocada pela intensidade da exposição solar, a que não estaria habituada na sua Alemanha natal.
O Rei morreria pouco depois, em 1861, nunca refeito do desgosto pela morte da sua consorte (terá sido o único Rei de Portugal a amar a Raínha), sucedendo-lhe o irmão, D. Luis I.
Dom Luis, que fou cognominado de “O Popular” teve dois filhos e ambos vingaram, mas helás, não receberia o nome do avô, mas do bisavô (e do lado materno) o popular (em Portugal) Carlos Alberto, Rei da Sardenha, e que morreu no Porto, local onde se exilou. Dom Carlos reinou de 1889 até 1908, ano em que foi assassinado no Terreiro do Paço. Não foi a única vítima desse execrando atentado. Com ele morreu o príncipe, o também promissor D. Luís Filipe, também ele primogénito, também ele recebendo o nome do avô Bragança (que era também o nome do Conde de Paris, seu avô materno), e também ele não chegaria a reinar.
Dos príncipes que referi muitos deles chegaram a adultos e foram vistos como esperanças na regeneração do Reino. No entanto, parece que caía sempre um anátema nas esperanças do país, mal que já vinha desde os tempos do príncipe Dom Afonso (filho de D. João II) e de Dom Miguel da Paz (filho de D. Manuel). No entanto, diga
-se em abono da verdade, que devemos sempre relativizar e distinguir as expectativas daquilo que são os resultados. Quem sabe se alguns desses príncipes não teriam o nome na lama se tivessem assumido as rédeas do poder? Quem sabe se essa aura não era mais relativa ao chamado “estado de graça” que ocorre sempre nos primeiros tempos da governação (ontem como hoje)? Quem sabe se Dom Pedro V, que era um Rei pouco dado à pose de monarca constitucional e apagado (como foi o seu irmão), não teria tido o mesmo destino do seu sobrinho Dom Carlos? Também o penúltimo Rei de Portugal foi visto como a esperança da nação. Era o Príncipe da ideia nova, que concitou em seu torno vultos de monta no nosso país como foi o caso de Oliveira Martins. Também ele acabou menos popular do que começou, apesar de ter sido um grande Rei.
Nesta fria e luminosa manhã de Domingo, fui dar um passeio na minha mota, como tantas vezes o faço aos Domingos. Ás primeiras horas da manhã consegue-se visitar uma cidade diferente daquela com que nos deparamos nos restantes dias da semana. A cidade está adormecida, sem a confusão costumeira, dando-se a conhecer, abrindo-se aos que a percorrem. Parei, não sei bem porquê, em frente ao Paço da Bemposta (ou da Rainha, são apenas dois nomes para designar o mesmo palácio). Fica ali à ilharga do Campo dos Mártires da Pátria, outro local com interesse histórico, e também não dista mais de 100 metros do Hospital dos Capuchos. Aparentemente, trata-se de uma descrição desconexa, sem fio condutor, como se me lembrasse de citar estes três lugares, qual taxista a dar indicações a um turista, mas não. Nesta pequena fracção de Lisboa, do tamanho de uma praça, consigo evocar a história do século XIX português, nos trilhos que nos guiaram ao Regime em que hoje vivemos.
Começando pelo Paço da Bemposta, foi residência da Rainha de Inglaterra, Dª Catarina, filha de D. João IV, que ali habitou quando regressou a Portugal, depois de enviuvar de Carlos II. Na sua folha de registo consta a proeza de ter sido responsável pela introdução do hábito de beber chá na corte Inglesa, costume que pegou de estaca entre os súbditos de sua magestade. Teve um papel extremamente importante na consolidação da independência portuguesa, pagando com os vexames que lhe foram impostos pelo marido, Carlos II, também ele um Rei que restaurou a monarquia depois da breve república de Cromwell, a consolidação da casa de Bragança no trono de Portugal. Foi regente durante o reinado do seu irmão, D. Pedro II, quando este andava pelas andanças da guerra de sucessão espanhola (um regimento português, comandado pelo Marquês de Minas, apoderou-se de Madrid, facto que pouco se conhece).
Desde 1640 até 1817, data que nos serve de charneira para entrarmos no campo Mártires da Pátria (então Campo de Santana), vivemos numa fase miserável até às pepitas de ouro começarem a chegar do Brasil para alimentar, sobretudo, o fausto de D. João V, ainda que sem grandes resultados práticos na administração do reino, que haveriam de ser impostos, de uma forma brutal, pelo Marquês de Pombal. Sebastião José, que governou como um autêntico déspota de 1756 a 1777, deixou um legado indelével de progresso económico, administrativo e social, embora à custa de repressão e violência, que sempre estiveram presentes em todas as suas grandes façanhas, valendo-lhe o epíteto, dado por Camilo Castelo Branco, de "Nero da Trafaria" (episódio dramático que de que falarei um dia).
Volvidos 12 anos após a queda de Pombal, dá-se em Paris a Tomada da Bastilha, ponto de partida para a revolução francesa e para o fim do Estado Absoluto. O processo não foi directo, passando por diferentes atapas desde os Estados Gerais até ao Império de Napoleão. Existiram coligações de paises que tentaram sufocar o processo revolucionário francês, de que Portugal fez parte, mas que foram todas derrotadas pelo poderoso exército tricolor. Em Portugal acentuava-se o estado de insanidade de Dª Maria I, que levou o príncipe D. João para a regência. Este ainda tentou protelar face à imposição francesa de bloqueio continental, que é uma forma de dizer "fechem os portos aos ingleses", exigência que nunca poderíamos cumprir, porque a Inglaterra era senhora dos mares e Portugal dependia do comércio com o Brasil. Fartos da complacência portuguesa, Napoleão enviou Junot para impôr pela força a sua lei, no que pode ser entendido como uma penitência pela nossa lealdade com a sua arqui-inimiga. Junot não encontrou resistência, entrando praticamente como um herói, mas não conseguindo alcançar o seu primeiro objectivo que era prender a família real, que já se encontrava a sair pela barra do Tejo a caminho do Brasil quando o seu exército entrou na capital portuguesa. Parece que ainda viram as naus ao longe, ficando daí, quem sabe, a expressão de "ficar a ver navios".
Depois dessa invasão, existiram mais duas, que acabaram por ser todas vencidas pelo exército anglo-luso, obrigando à retirada de Junot, Soult e Massena. Entretanto, no Rio, D. João VI proclamava a constituição do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, mas aqui na velha Europa exigia-se o seu regresso a Lisboa. Os Ingleses tinham tomado o lugar dos franceses e, na prática, eram eles quem governavam o pequeno rectângulo europeu. Em 1817 foi descoberta uma conspiração para os expulsar, que teria como líder um militar prestigiado: Gomes Freire de Andrade. O chefe deste golpe acabou enforcado em São Julião da Barra (o que foi uma humilhação, porque como militar ele achava (e bem) que, a ser condenado à morte, deveria ser por fuzilamento). Os restantes conspiradores foram enforcados naquele campo a que hoje chamamos de "Mártires da Pátria", aqui ao lado da Bemposta.
O Golpe de 1817 foi a antecâmara da bem-sucedida Revolução de 1820, que haveria de instaurar o movimento liberal no nosso país. Elegeram-se deputados para as corte constituintes que elaborariam a primeira Constituição Portuguesa, aprovada solenemente em 1822. Os liberais continuam a exigir o regresso do Rei e o restabelecimento do Brasil ao estatuto de colónia. D. João VI, ao que parece contrariado, lá regressou com a família real, deixando apenas o seu filho (o futuro D. Pedro IV) num gesto de clarividência. Sabendo da exigência dos liberais, o monarca percebeu que o Brasil se tornaria independente, e assim, mal por mal, que fosse sob a égide de um príncipe português.
D. João VI chega em 1821 a Portugal e instala-se aqui na Bemposta, onde no ano seguinte juraria a constituição de 1822, apenas alguns dias depois de D. Pedro ter soltado o grito do Ipiranga.
A constituição de 1822 teve como inspiração a Constituição Espanhola de Cádis, que era bastante radical. Tinha por base o principio de Montesquieu de separação dos poderes, atribuindo ao monarca apenas o poder moderador. Imagine-se, num país onde havia gente que tinha vivido no tempo de Pombal, passar, de um dia para o outro, de um regime absolutista para outro em que o Rei era apenas um mero figurante. Usando uma analogia com as artes, era como se a personagem principal, a meio do espectáculo, passasse para a plateia, assumindo o lugar de mero espectador.
Este regime não durou muito tempo porque no ano seguinte o Infante D. Miguel sublevou o exército e levou a cabo um golpe em Vila Franca, restaurando o absolutismo em Portugal. Este episódio ficou conhecido como a "Vilafrancada" e contou com o apoio de muitos liberais moderados (como era o caso de Palmela), que não estavam de acordo com o radicalismos dos "Vintistas". D. Miguel tornou-se comandante do Exército, o que lhe conferiu um poder quase absoluto. Não satisfeito, em Abril do ano seguintes levanta um cerco ao pai no Paço da Bemposta, mas desta vez o Rei não o apoia e com o auxílio das potências estrangeiras refugia-se num navio de Guerra e D. Miguel é obrigado a partir para o exílio. Foi a Abrilada.
D. João morre em 1826 e coloca-se a questão da sucessão. Seria D. Pedro, que era imperador do Brasil, ou D. Miguel, uma vez que o irmão era agora soberano de um país estrangeiro? D. Pedro era reconhecido como o legítimo rei pelos liberais, mas este abdicou da coroa na figura da sua filha, Maria da Glória, mas que deveria casar-se com D. Miguel, seu tio, no que foi uma tentativa de pacificação que não surtiu efeito. Paralelamente, o então imperador do Brasil outorga uma constituição muito mais moderada do que a de 1822, que ficaria conhecida como a Carta Constitucional, em torno da qual se arregimentariam os liberais moderados, conhecidos como cartistas.
D. Miguel, no exílio em Viena, concordou com o casamento e jurou a carta, na presença do Imperador Austríaco, mas chegado a Lisboa proclama-se Rei Absoluto. D. Pedro abdica da coroa brasileira noutro filho seu (futuro D. Pedro II) e vem para a ilha Terceira onde organiza uma armada que haveria de desembarcar no Mindelo em 1832, e que resistiu a um cerco de um ano na cidade do Porto. Num golpe de génio, O futuro Duque de Terceira, a bordo de uma armada comandada por Napier, numa tentativa para aliviar o cerco, dirige-se ao Algarve, a partir do qual, sem grande oposição, entra em Lisboa e decide a guerra a favor dos Liberais, obrigando, uma vez mais (e desta vez definitivamente), ao exílio de D. Miguel.
Com o triunfo dos liberais sobe ao trono D. Maria II, que teve que se bater, numa tarefa nem sempre bem conseguida, com a rivalidade entre cartistas (apoiantes da carta outorgada em 1826 por D. Pedro) e vintistas (ala mais radical, que defendiam a constituição de 1822). O pais só entrou nos eixos em 1851, com o golpe da regeneração de 1851 no Porto, abrindo estrada para os progressos no tempo do fontismo.
Os mais atentos (e que ainda se recordam do início deste texto) pensarão: o que é que o Hospital dos Capuchos tem a ver com esta história? A resposta é simples. Antes de ser Hospital, era um convento franciscano, que foi, como todos (a excepção dos femininos), extinto em 1834 na sequência da vitória do movimento liberal, no célebre decreto de Joaquim Augusto Aguiar, que por isso ganhou a alcunha de "mata-frades".
Não me vou alongar mais, até porque nesta cidade cada pedra tem uma história para contar, e daqui até Odivelas, onde moro, teria um tomo do tamanho dos Lusíadas.
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