Em 1992, Francis Fukuyama, antigo assessor do presidente Ronald Reagan, publicou uma obra intitulada "O Fim da História e o Último Homem". Em linhas gerais, a obra pretendia comprovar que a queda do bloco soviético originava o fim da história, pelo facto de a hegemonia dos E.U.A, doravante, ser incontestável.
Numa primeira análise, tomando como referência o contexto político, militar, económico e culural, esta teoria poderá ganhar algum crédito. Hoje, ninguém duvida da hegemonia norte-americana, nem tão-pouco da sua continuidade, mas será que poderemos falar do fim da História? A teoria do fim da história tem por base o materialismo histórico e dialético de Karl Marx e F. Engels. Na sua interpretação histórica, socorrendo-se da dieléctica hegueliana, a humanidade caminhava inexoravelmente para uma situação de estado comunista, que seria o Estado sem Estado. Ou seja, num mundo onde os homens são livres e iguais, a instituição Estado estaria votada à obsolescência, pelo simples motivo de não precisarem de um instrumento repressivo de manutenção do status quo burguês.
A tese, do ponto de vista histórico-filosófico, resume-se à história da luta de classes, que abrange o período compreendido entre o feudalismo até ao capitalismo de que Marx foi contemporâneo. A antítese seria a revolução do operariado e do campesinato contra a "exploração do homem pelo homem", onde se eliminariam as classes sociais e na síntese, a almejada sociedade sem classes.
Karl Popper foi talvez o filósofo que melhor conseguiu desmontar este embuste, no entanto mesmo sem o seu contributo, a história provou, através das diversas experiências comunistas, que este regime só seria aplicável no papel.
As ditaduras soviética, alemã, chinesa, norte-coreana, vietnamita, cubana, etc. foram apenas modelos degenerados, corrompidos, vulgatas sem qualquer afinidade com a teoria que K. Marx e F. Engels criaram. No entanto, pelo menos até à "Primavera de Praga", foi massiva a influência marxista no seio intelectual europeu, ao longo do século XX.
Questões políticas à parte, reconheço alguma aplicabilidade da teoria do Materialismo Histórico e Dialéctico à História de Portugal. Penso que consigo apresentar a nossa história tendo por base esta matriz de pensamento, com todas as limitações que são reconhecidas.
Ao contrário da divisão clássica das sociedades cristãs entre nobreza, clero e povo, perfilho, à semelhança de alguns autores, que o grande foco de conflito não foi entre estas três classes (a que se acrescentou a burguesia com a Revolução Industrial) mas entre os "grandes" e "pequenos". No fundo, clero e nobreza sempre tiveram interesses muito coincidentes, ao contrário da burguesia que se associa ao povo para fazer frente a estes.
Analisando a História de Portugal, nascemos como nação de uma situação conflituosa entre os poderosos fidalgos castelhanos, partidários de Dª Teresa, e da "arraia miúda" que estava do lado do infante D. Afonso. Já Rei, D. Afonso Henriques sempre honrou esse apoio.
O poder dos fidalgos só se tornou efectivo no reinado de D. Sancho II, quando a inaptidão do monarca deu espaço aos nobres e ao clero para aumentarem o seu poder e riqueza. Contudo, este ascendente haveria de ser breve, com o afastamento de D. Sancho e a subida ao trono do "bolonhês". A nobreza haveria de dar, novamente, um ar da sua graça no final do reinado de D. Dinis, no entanto aí o povo, ao lado do infante D. Afonso (futuro Afonso IV), revoltou-se. Os "grandes" só voltariam a recuperar o seu poder no reinado de D. Fernando, o tal "rei fraco que faz fraca a forte gente" como versejou Camões.
Na dinastia borgonhesa fica-nos na memória alguns episódios de conflito como a guerra civil que opôs D. Sancho II (apoiado pela nobreza terratenente) e o seu irmão D. Afonso III, a vingança de D. Pedro após a morte de Inês de Castro, ou ainda o conflito que opôs o "justiceiro" ao Bispo do Porto. Conta-se que este ordenou que lhe tirassem as vestes ecliseásticas e o chibateou nas costas.
Na guerra civil é à frente de um exército popular que o Mestre de Avis e o Condestável levam de vencido o partido de D. Beatriz e de D. João de Castela. O conflito de Alfarrobeira, entre D. Afonso V e seu tio o infante D. Pedro (o das 7 partidas do mundo) volta a pôr em evidência o conflito entre "grandes" e "pequenos", mas desta vez os grandes sairam vencedores, com a morte do infante D. Pedro. O domínio dos poderosos, que manietavam completamente um Rei de pouco gabarito, haveria de ter a sua antítese com o Príncipe Perfeito. Diz-se que este quando subiu ao trono resumiu numa frase a política generosa de seu pai relativamente à aristocracia "o meu pai deixou-me apenas as estradas de Portugal para reinar".
A sua política de controlo da situação política revestiu-se de grande violência com a morte do Duque de Bragança e do seu próprio cunhado, D. Diogo, Duque de Viseu, `as suas próprias mãos no Paço de Setúbal.
Na crise de 1580, D. Filipe II tem de seu lado uma nobreza venal que olhava com cobiça para a riqueza das minas de prata na América espanhola. O Prior do Crato, que se lhe opôs na arruaça a que deram o nome pomposo de "Batalha de Alcântara", foi um adversário que não ofereceu grande réplica.
Com a restauração de 1640 o povo vinga a derrota de 1580, face a uma nobreza que embora desiludida era descrente do sucesso de tal empresa. Não deixa de ser sintomático que o próprio Duque de Bragança tenha tergiversado na aceitação de um trono que lhe foi oferecido de mão beijada por um punhado de jovens fidalgos lisboetas.
Já com a dinastia de Bragança no trono, este movimento alternante, num conflito aberto e constante entre "grandes" e "pequenos", prossegue. D. Afonso VI, um Rei com grandes perturbações mentais, estava, como seria de esperar, na mão dos poderosos. O povo esteve ao lado do seu irmão, D. Pedro II, que lhe conquistou o poder. O filho de D. Pedro II, o "magnânimo" D. João V, voltou a colocar uma coroa opolenta com as riquezas do Brasil ao serviço da aristocracia e do clero. O pendor foi tão forte que a reacção não o foi menos, com D. José I e o seu célebre ministro Marquês de Pombal.
A D. José sucede D. Maria I, que também enloqueceu, pelo que o seu filho, futuro D. João VI, cedo adquiriu a condição de Príncipe Regente. Foi com este título que deslocou a capital para o Rio de Janeiro e com ele levou uma corte maioritariamente corrupta e dependente do Estado.
Com o regresso a Portugal e a morte de D. João VI, após comer uma laranja com algo mais do que vitamina C, vem a guerra civil entre liberais (com o apoio dos grandes) e absolutistas (apoiados pelos pequenos).
Com a vitória dos liberais, formam-se dois grandes grupos nas hostes liberais - Cartistas e Setembristas - que internamente abrigam diversas sensibilidades, desde os moderados até aos radicais.
No entanto, numa análise simplificada, os Setembristas tomavam o partido dos "pequenos", ao passo que os cartistas (com uma forte facção de cabralistas) representavam os poderososo que aderiram à causa liberal. Venceram os segundos, numa hegemonia que se manteve até à República.
A República teve as suas origem no Setembrismo, a que se juntaram os novos ricos que nasceram com o fontismo e que se viam afastados do centro de poder. Foi com o aparecimento de uma Burguesia endinheirada que o ideal republicano foi tomando forma.
Nos 16 anos de 1ª República a situação era tão confusa (45 governos!) que não se pode dizer que foi um governo de grandes nem de pequenos, porque houve de tudo, inclusivamente um golpe de estado que derrubou um governo, capitaneado por dois indivíduos boémios do Bairro Alto, de seu nome "Ai Ó Linda" e "Chico Fadista".
Com o 28 de Maio de 1926 e a ditadura salazarista que lhe sucedeu a situação volta a ser indefinida. Os grandes estavam mais próximos do poder, mas não conseguiam influenciar o senhor que habitava o Palácio de São Bento.
De 25 de Abril de 1974 a 25 de Novembro de 1975 vivemos o período em que o povo teve maior peso nas decisões políticas. Em nove séculos de História, nunca o poder esteve tão perto do povo, apesar de esta "primavera" ter como objectivo final a entrada na órbita da ditadura soviética.
Com o 25 de Novembro, abrandou o poder popular, no entanto avançaram as nacionalizações que lesaram os poderosos. Os grandes só voltariam a gozar dos seus antigos privilégios no consulado cavaquista, com as reprivatizações. Actualmente, à excepção de dois ou três "arrivistas", o poder económico encontra-se nas mãos de quem o tinha no dia 24 de Abril de 1974.
Nos nossos dias vivemos numa sociedade onde as diferenças já não são tão fracturantes. Os governos de esquerda, não representam, de todo, as camadas mais desfavorecidas. Rendidos à terceira via de Giddens, a esquerda apresenta-se numa versão light, que não a distingue, em quase nada, da direita liberal. No fundo, o "centrão" ideológico, corporizado por PSD e PS, colocaram um ponto final nesta situação conflituosa. O único resquício desta luta multisecular encontramos nas lutas sindicais, no entanto o seu poder deriva mais da conjuntura do que de uma situação sistémica e estabilizada.
É esta a minha visão da História de Portugal. Ao contrário de Fukuyama, não entendo que seja o fim da História de Portugal. Como acredito que cada período carrega a sua própria antítese, não tenho dúvidas que outros paradigmas ideológicos aparecerão para atirar por terra velhos dogmas. No entanto, salvo melhor opinião, foi assim...
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