Para quem pensa que a História é uma ciência do que passou, estanque, sem grande progresso para além do que já foi documentado, o recém editado livro do espanhol Manuel Ros Agudo, aí está para contestar essa teoria. Sob o título "A Grande Tentação" este historiador deita por terra a teoria pacifista de Franco na II Guerra Mundial, através de uma análise dos arquivos governamentais relativamente a esse período e que estão agora disponíveis.
A teoria até há pouco tempo vigente era a de que Franco não cedeu às pressões de Hitler para entrar no conflito devido à sua debilidade militar e económica, em virtude da guerra civil que devastou a Espanha de 1936 a 1939. Se a análise à conjuntura espanhola é acertada, o mesmo não será a postura anti-beligerante.
Franco era acima de tudo um africanista. A guerra civil foi ganha a partir do Marrocos espanhol, onde Franco e uma série de militares e ministros se notabilizaram, pelo que o regime era particularmente sensível à questão do protectorado. Este país estava dividido entre a soberania espanhola e francesa, tendo os primeiros motivos de queixa face à sua vizinha, em virtude de sucessivas humilhações a que esta tinha sido sujeita pelo poderio gaulês. Franco atribuia aos governos da Espanha liberal esta pusilanimidade face ao vizinho transpirinaico, que tinham diminuído consideravelmente a extensão do seu protectorado em proveito da França. Para além deste conflito latente existia o caso particular de Tânger, que era uma cidade administrada por um directório internacional e que a Espanha também reclamava. A conquista de Tânger, feita unilateralmente pela Espanha, acabou por ser a única conquista durante o conflito, embora tenha sido efémera.
Em 1940 com a derrota francesa, Franco teve a intenção de invadir o Marrocos francês sob pretexto da incapacidade da França ocupada para garantir a estabilidade na zona. Sucede que a queda da França não resultou no desarmamento das forças armadas francesas. O regime nazi estabeleceu uma divizão entre a zona norte ocupada e a zona sul com alguma autonomia, com um governo próprio sediado em Vichy e chefiado pelo heroi francês da I Guerra Mundial - Marechal Pétain. Esta zona sul mantinha-se militarizada e com o controlo das colónias do norte de África que mantinham o seu efectivo militar.
Neste contexto Franco apercebeu-se de que militarmente não conseguiria sozinho derrotar uma França que mantinha um considerável contigente no norte de África. Assim, colocada de parte a hipótese unilateral - à semelhança do que fez em Tânger - Franco começou a negociar a entrada na guerra ao lado do eixo, cujo principal marco foi o encontro de Hendaia. Sucede que a exigência de Franco era a atribuição do Marrocos Francês a Espanha, o que Hitler não poderia aceder pelo receio que (legitimamente) este tinha que caso chegasse ao conhecimento dos franceses este acordo, a fidelidade a Vichy do contigente norte africano seria abalada e poderia suceder que se "passassem" para o lado da França Livre de De Gaulle - como veio a suceder embora não por este motivo.
Para além disso, Hitler tinha em fraca consideração a capacidade militar espanhola, pelo que entendia ser um preço demasiado alto para o benefício que poderia trazer à causa do eixo. O interesse principal da entrada de Espanha no Eixo era Gibraltar - ponto estratégico de controlo de acesso ao Mediterrâneo - bem como uma das ilhas Canárias para aí colocar uma base militar.
Franco não se mostrou sequer disponível para falar da cedência de uma das ilhas das Canárias à Alemanha, sugerindo a ilha da Madeira...
Os planos de Franco e Hitler, que apenas não se concretizaram porque Hitler se recusou a ceder o Marrocos francês, era a ocupação de Gibraltar e um ataque preventivo a Portugal - tradicional aliado do Reino Unido - não obstante o pacto de amizade e não agressão assinado entre Franco e Salazar e do apoio decisivo deste para a vitória dos nacionalistas na guerra civil.
Quem nunca duvidou desta intenção foi o próprio Salazar, que sempre manifestou uma grande desconfiança relativamente ao seu homólogo espanhol, ou não conhecesse ele a tese de licenciatura de Franco na Academia Militar, precisamente como invadir Portugal...
Não obstante, no pós-guerra Franco contestado internacionalmente por ter ganho a guerra civil graças ao apoio italiano e alemão, apenas conseguiu quebrar o isolamento internacional a que foi votado graças ao apoio de Portugal.
Foi o seu seguro de vida.
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