O título deste post será certamente dos mais invulgares que escrevi. Desde logo porque pouco sugere acerca do tema do mesmo. Apenas refere um nome, merecidamente pouco conhecido na História de Portugal, e o resumo da sua biografia. Bem que neste caso se podia aplicar a célebre frase de Eça, ao referir que não tinha história, tal como a república de Andorra, ou Pessoa, que também escreveu que dados para a sua biografia apenas a data de nascimento e morte... qualquer dos exemplos não podia estar mais nos antípodas da verdade.
Este Infante Dom Fernando era um irmão de Dom João III. Não creio que tenha sido particularmente ilustre, como outro seu irmão mais velho, Infante Dom Luis, pai do Prior do Crato, e não seria mais do que uma nota de rodapé na História, não fosse ter estado envolvido em dois episódios caricatos, ambos provocados pela boa-vontade do monarca em garantir aos seus irmãos meios de subsistência. Este era um assunto recorrente, que apenas foi resolvido depois da restauração. Os filhos dos monarcas, que não seriam reis, não tinham fontes de rendimento que lhes permitissem viver condignamente, tal como obrigava a sua condição social. No caso das infantas, esse assunto foi quase sempre resolvido com o casamento com monarcas estrangeiros, no âmbito das políticas de alianças com as cortes europeias. Nos filhos homens essa aliança era mais difícil. Este problema ficou resolvido com a criação da Casa do Infantado, com a restauração de 1640, quando os bens dos Marqueses de Vila Real integraram esta nova instituição que tinha como objectivo precisamente sustentar os filhos segundos e terceiros. Por exemplo, os terrenos do Palácio de Queluz, era um desses bens que foram incluídos no Infantado, e como o Rei Consorte, D. Pedro III, irmão mais novo do Rei D. José, casou com a sobrinha e Rainha titular, Dª Maria I, os bens entraram novamente na Coroa, e assim se construiu um palácio real.
Mas falando dos "tropeções" do Infante Dom Fernando, o primeiro é muito conhecido. Trata-se do casamento com Dona Guiomar Coutinho, Herdeira das casas de Marialva e Loulé, que era uma viúva riquíssima e como tal cobiçada por D. João III para casa-la com o tal Dom Fernando. Sucede que quando o casamento estava a ser negociado, interpôs-se o então Marquês de Torres Novas (e futuro Duque de Aveiro), Dom João de Lencastre, que afirmou que a senhora não podia casar com o Infante porque já era casada com ele. Tinha sido um casamento secreto, mas perfeitamente válido. Perante esta situação Dª Guiomar Coutinho acabou por negar que estivesse casada com o Marquês, e este esteve 10 anos encarcerado no castelo de São Jorge. Ficou o romance de Camilo Castelo Branco "O Marquês de Torres Novas" para imortalizar o episódio.
A outra situação é bem menos conhecida, mas intersecciona com outro episódio, bastante mais conhecido da História de Portugal - a do Bandarra, Sapateiro de Trancoso. Este acontecimento foi despoletado pela doação da Vila de Trancoso ao Infante. Quem não se conformou com esta benesse foi o povo de Trancoso, que reagiu energicamente contra esta medida. A razão era simples. As terras que tinham "senhor" eram sempre mais oneradas em impostos do que os reguengos, ou seja terras da coroa. O Rei tinha vastos domínios, pelo que seria impossível ser muito transigente (e exigente) em tantas terras de que era dono. Pelo contrário, as terras concedidas a algum nobre (ou a ordens religiosas) eram a única fonte de rendimento dos mesmos, pelo que tentavam alcançar o máximo de riqueza à custa do povo, que amanhava a terra das suas courelas e que ao abrigo do regime enfiteutico pagava o usufruto da propriedade (em géneros). Esses pagamentos tendiam a ser muito maiores e cobrados com maior rigor nestes senhorios. Não eram raras as revoltas populares contra estes abusos, e a prova dessa tensão são as torres que ladeavam os paços dos senhores da terra. Diz-se muitas vezes que eram para defender a terra em caso de invasão externa, mas na maior parte dos casos foram feitas para defender o senhor da terra da ira do seu próprio povo. Foi esta força municipalista, que em Trancoso já estava bem enraizada, que levou um tal de Lopo Cardoso, um dos "maiores da Vila", entenda-se um Homem Bom do Concelho, a ir a lisboa e por lá permanecer meia dúzia de anos na Corte a interceder contra esta doação. O assunto acabou por resolver-se pela morte do triste Infante, libertando assim Trancoso, que permaneceu um reguengo.
O Bandarra entra nesta história, porque ele é contemporâneo desta luta do povo de Trancoso, e muito provavelmente os seus poemas, que ele próprio não saberia muito bem o que significariam, foram inspirados nesta revolta popular, em vez de, como se atribui, à invasão Espanhola de 1580.
É só uma hipótese.
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