Portugal vive um período de turbulência. O equilíbrio das finanças públicas é um desígnio sacrossanto que tem levado o governo a empreender um conjunto de medidas draconianas (pelo lado da receita) mas que não primam propriamente pela originalidade. Agravar ou lançar novos impostos, é sempre assim quando um país vive numa situação deficitária das suas contas públicas. No nosso passado recente, após a implementação do regime democrático, esta é a terceira vez que Portugal tem que pedir auxílio internacional, negociando programas de assistência financeira, que nos ajudem a superar o crónico problema do défice público. Nas duas intervenções anteriores, Portugal tinha uma moeda própria (o escudo) que podia utilizar como mecanismo de ajustamento orçamental. A lógica era simples: ao desvalorizar a moeda diminui-se o salário real dos assalariados e permite às nossas empresas vender para o exterior a preços mais competitivos. Foi essa política que foi aplicada pelos governos “assistidos” de Mário Soares e foi por essa via que conseguimos reconquistar a nossa soberania financeira. O Portugal de 2012 não tem essa permissa. Integrado numa zona monetária que não controla, perdeu o mais importante instrumento de recuperação financeira. Acresce que ao estar inserido numa zona económica onde coexistem diferentes políticas fiscais, economias com grandes assimetrias e sem uma unidade política que permita uma política conjunta que susbtituia a acção individual de cada Estado-membro da “eurolândia”, torna-se vulnerável em períodos de crise, que ataca sobretudo os países da periferia. Este problema também se colocou na primeira república, levando a uma situação caótica que desembocou no 28 de Maio de 1926. Antes, Afonso Costa tinha-se considerado um autêntico “mago da finança”, ao conseguir, por um breve período, o equilíbrio orçamental, o que nos permite ter uma ideia da importância que se atribuía a este tema, para que o principal rosto da Iª Republica abraçasse este desígnio. Evidentemente que esta questão foi empolada, mas o esforço de guerra e o contexto económico da Europa levou o país novamente para a bancarrota, problema urgente que os generais do golpe de 1926 tiveram que pôr cobro. Lembraram-se de um jovem professor de Coimbra, chamado António Oliveira Salazar, mas este apenas ficou alguns dias no cargo de ministro das Finanças, por não ver satisfeitas as condições que entendia serem fundamentais para levar a bom termo a sua missão. Foi substituído por Sinel de Cordes, que não conseguiu grandes resultados, o que motivou uma segunda chamada para Coimbra, desta vez para a vinda a título definitivo do jovem professor. Regressando à temática da moeda e da falta deste instrumento, o governo lembrou-se em Setembro de 2012 de propor um agravamento de um imposto – a TSU (taxa social única) para os assalariados, para permitir a sua redução para as empresas. Foi um mar de indignação que se levantou. Chamou-se Robin dos Bosques (mas ao contrário) ao primeiro-Minstro Pedro Passos Coelho, fizeram-se manifestações gigantescas, e o governoacabou por ceder e abandonar esta medida. Em termos práticos, o que se tentou fazer foi produzir o mesmo efeito da desvalorização da moeda, i.e. aumentar a competividade externa e diminuir o poder de compra para diminuir as compras ao exterior, solução que considero engenhosa, mas que seria mais dificil de aceitar do que uma mera desvalorização monetária. Até aqui ainda não saí do século XX, mas o título que dei ao post remete-nos para as primeiras cortes realizadas em Leiria, no ano de 1254, e que ficaram na História por terem sido as primeiras em que o terceiro Estado, ou seja o Povo, teve assento. Reinava Dom Afonso III, que fora Conde de Bolonha e trouxe para Portugal uma nova concepção de Estado. Vivendo em França apercebera-se da importância do comércio como fonte de riqueza e prosperidade das nações, e com ele Portugal iniciou um caminho de prosperidade que apenas foi interrompido com a guerra civil entre Dom Dinis e o futuro Dom Afonso IV. A presença do Povo nessas cortes ainda não foi cabalmente explicada. Porque motivo o “Bolonhês” se lembrara de convocar representantes do Povo? Eu acho que este facto é explicado antes de mais pelo primado que este queria dar ao comércio, cujos agentes são mercadores e como tal, pertencentes ao povo (mais tarde serão chamados de burguesia). No entanto, com essa classe em franco progresso relaciona-se a temática tratada nessas cortes – a quebra da moeda. A quebra fiduciária era um esquema legal, muito utilizado pelos monarcas, e que consistia na recolha de toda a massa monetária em circulação, retirando uma parte do valor do metal (geralmente ouro e prata) mantendo a moeda o seu valor nominal. Ou seja, na prática era uma desvalorização da moeda. É evidente que a classe mais prejudicada era aquela que lidava com o dinheiro, isto é, os mercadores. Os nobres e os prelados tinham vastos domínios e o pagamento que lhes era feito era em géneros, através de pensões enfitêuticas, pelo que estes não utilizavam dinheiro. Mas para os mercadores esta desvalorização era uma fonte de grandes prejuízos. A moeda tinha sido quebrada em 1249/50 e existia o hábito de não fazer semelhante operação com menos de 7 anos de intervalo. Em 1254 a coroa encontrava-se depauperada e tinha que quebrar moeda ou então pedir dinheiro aos mercadores e foi por esse motivo que estes se reuniram em Coimbra, para combinar o preço a pagar para o Rei não quebrar moeda. Pelo menos esta é a teoria do Prof. Marcelo Caetano, que merece todo o crédito e que configura uma situação muito semelhante aos dias de hoje. Quando não existe desvalorização da moeda, a única solução é lançar ou agravar novos impostos.
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