No dia 13 de Junho de 1985, na sua casa ao Rossio, uma senhora já octogenária teve um dia diferente. Foi um dia de emoções fortes, de memórias reavivadas das palavras ditas e não ditas, de olhares que se trocaram, nesse manto dócil e apaziguador que é o tempo. À distância, quando os momentos são marcantes, o tempo encarrega-se de tornar agradáveis mesmo os episódios mais desagradáveis.
Nesse dia, estreava no Teatro São Luiz, ali bem perto da sua casa, uma longa metragem de Luis Vidal Lopes, intitulada "Mensagem", relativa à vida de Fernando Pessoa e autor da obra homónima.
Cumpriam-se os 50 anos da morte de Fernando Pessoa, e o país preparava-se para render homenagem ao seu maior poeta. Nada o faria prever quando no dia 30 de Novembro de 1935, um quase anónimo, pouco conhecido mesmo ao nível das elites, se exceptuarmos um círculo de letrados, terminava os seus dias no Hospital de S. Luis dos Franceses no Bairro Alto.
Ao lado de Camões, Vasco da Gama e D. Manuel I, preparava-se para entrar nesse grupo restrito de herois nacionais cuja eternidade repousa nos mosteiro dos Jerónimos. Provavelmente nem o próprio pensaria que isso alguma vez sucedesse, não obstante a consciência clara do valor da sua obra e do impacto que teria no futuro. Não deixa de ser curioso que Pessoa previu o nascimento de um novo D. Sebastião em 1888 - ano do seu nascimento - como líder do V Império, que seria um império de poetas e onde alguém com a mestria de um Camões viria exaltar os feitos dos portugueses. Só desta forma se explica o ritmo frenético com que escrevia para a célebre arca, que nos legou para a posterioridade o seu incomparável talento.
A sua última publicação original teve lugar em 1978: as cartas de amor que escreveu para Ofélia Queiroz, a sua única namorada. São variadíssimas e o seu interesse não reside na presuntiva devassa da sua vida privada. São autênticas peças de literatura e representam o mundo de Pessoa e do seu heterónimo Álvaro de Campos.
No dia 13 de Junho de 1985, ninguém sentiu tão profundamente essa homenagem como aquela senhora de 88 anos que vivia num apartamento ao Rossio. Essa senhora era Ofélia Queiroz, e certamente terá relido essas missivas que lhe escreveu aquele que, segundo uma confissão a um familiar, foi a maior paixão da sua vida.
Quis o destino que vivesse muitos anos, podendo acompanhar o " 2º nascimento" de Pessoa, cujo culminar foi a transladação para os Jerónimos. Atingir a glória máxima que um português pode aspirar e ainda por cima presenciado pelo seu grande amor. Sem dúvida que 13 de Junho de 1985 foi o melhor dia da vida de Fernando Pessoa, ou não fosse ele, tal como a sua obra, eterno.
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