Vivemos uma fase particularmente complicada da nossa História. As dificuldades são imensas e não existe qualquer luz ao fundo do túnel. Falta esperança, faltam ideias, faltam causas que nos mobilizem. Cumprir défices não apaixona ninguém. É por isso um tempo propício à reflexão. Pensar porque motivo chegámos aqui e, mais importante ainda, propor algo de novo que nos levante a moral, que nos faça sonhar, que nos catapulte para fora deste abismo. O queixume tornou-se quase uma religião, mas faltam as soluções fora do quadro mental tão em moda nestes dias. Parece que a única solução para todos os nossos problemas será empobrecermos!
Foi com esta conjuntura em pano de fundo, que no meio de uma reflexão pessoal me ocorreu algo que até aqui nunca me tinha apercebido: os mais lúcidos pensadores, as mentes mais brilhantes que o nosso país gerou, viveram todos, sem excepção, em períodos particularmente difíceis e curiosamente (ou não) passaram largas temporadas no estrangeiro.
Seguindo uma sequência cronológica, lembro-me de Camões, que para além da magnífica obra lírica que nos legou, escreveu o mais comovente documento de exaltação da glória do povo português - Os Lusíadas - e que viveu numa época decadente, com uma inquisição castradora, a carreira das indías ameaçada por holandeses e a independência presa por arames nas mãos de uma criança perturbada (D. Sebastião). Camões andou pela India, por Macau, foi naufrago e regressou à sua pátria, onde lhe concederam uma tença, irregularmente paga, pela publicação do seu monumental épico.
O padre António Vieira, o Imperador da Língua Portuguesa, foi muito novo para o Brasil onde se distinguiu como orador e como defensor dos direitos dos índios, provou estar tão à vontade nas selvas da américa, como nas cortes europeias. Foi escolhido para se deslocar à corte de D. João IV para lhe prestar obediência e terá impressionado tanto o "Restaurador" que este o convidou para usar a sua enorme capacidade oratória na defensa da sua causa nos centros de poder do velho continente. Viveu num período de incerteza em que todo o erário régio era destinado a uma guerra que haveria de durar muito para além da sua vida. A liberdade de pensamento valeu-lhe a inquisição no encalço, principalmente depois da morte do Rei, seu protector. É do padre António Vieira a frase que melhor explica os feitos que este pequeno país à beira-mar plantado logrou alcançar "um palmo de terra para nascer, o mundo inteiro para morrer". Os seus sermões, que se dedicou a passá-los por escrito no fim da vida, são das mais belas páginas jamais escritas em português.
Eça de Queirós sobraçou a vida diplomática depois de uma curta passagem pelo jornalismo (em Évora) e pelo funcionalismo público (em Leiria), o que o levou a cidades tão distintas como Havana, Bristol, Newcastle ou Paris, onde passou a maior parte da sua idade adulta. Aí escreveu as suas obras-primas, colocando a nu as fragilidades da sociedade do seu tempo, estiolada pelo anacronismo religioso, pelo caciquismo político e pelo raquitismo mental e cultural.
Contemporâneo de Eça, Fernando Pessoa talvez se tenha cruzado com o autor de "Os Maias" no Chiado da sua infância. Nascido em 1888, precisamente o ano em que Eça publicou a sua obra-prima e que corresponde também ao período mais activo e vibrante dos "Vencidos da Vida", foi para a África do Sul com apenas 7 anos de idade, acompanhando a mãe e o padrasto que tinha sido destacado para a então colónia britânica para exercer um cargo diplomático, regressando apenas em idade adulta (1905) para prosseguir estudos superiores (que nunca concluiu). A glória de Pessoa, como a maioria dos nomes que mencionei (à excepção de Eça), foi póstuma, mas foi o grito mais alto de exaltação do passado português, transposto para o século XX, quando Portugal vivia as páginas mais negras da sua História, mergulhado na anarquia republicana. Trouxe ideias, que era aquilo que então, como hoje, mais necessitávamos. Avançou com a ideia do V Império, que seria um império de poetas, onde Portugal voltaria às suas glórias pretéridas e em que surgiria um novo Camões -que mal consegue disfarçar que seria ele próprio- para as transpor para a mais bela e alta forma de manifestação cultural - a poesia.
Talvez não tenha sido por acaso que todos eles tenham estado fora da sua pátria. Quando estamos muito perto, não conseguimos ter uma noção de perspectiva. Mas quando estamos muito longe também não conhecemos a realidade em pormenor. Creio que foi essa a grande fonte da sua lucidez, associada ao seu reconhecido génio. Quando existe talento, lucidez, crítica e uma postura construtiva, nós, portugueses, somos capazes de tudo. Faltam-nos causas mobilizadoras, mas que inspiradores podiam ser estes exemplos!
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