Santo António e Fernando Pessoa. Quis o destino que os Lisboetas com maior projecção no exterior estivessem ligados ao mesmo dia: 13 de Junho. Um porque nesse dia nasceu, outro porque faleceu, com a particularidade de terem o mesmo nome. Bem, aqui já não se pode falar de coincidência, porque o nome de Fernando Pessoa se ficou a dever ao do santo celebrado no dia do seu nascimento.
Começando por Santo António, apenas adoptou este nome em Coimbra, quando ingressou num convento franciscano. Nascido junto da sé de Lisboa, teve como nome de baptismo Fernando Martins, embora também lhe chamem de “Bulhões”, alcunha do pai, provavelmente cobrador de impostos (porque bulhão era uma moeda corrente, dando nome, por exemplo, ao célebre mercado portuense), não sendo de excluir a sua condição de semita. O jovem Fernando pode estudar, primeiro em São Vicente de Fora e mais tarde foi para Santa Cruz de Coimbra, principal centro cultural na idade média, condição que manteve até ao século XX. Estava em Coimbra quando chegou a notícia da morte dos pregadores franciscanos que foram em missão de evangelização para o norte de África. Esta notícia chocou-o profundamente e terá sido o mote para abandonar os frades crúzios e juntar-se aos franciscanos em Santo António dos Olivais, também na cidade de Coimbra, onde renegou à sua vida anterior, mudando inclusivamente de nome para António, numa homenagem a Santo Antão do Deserto, e tomando a resolução de também ele ir para as praias marroquinas como missionário. A partir daqui existem muitas lendas. Diz-se que embarcou para Marrocos mas que foi acometido por um temporal que o levou até à península itálica. Não é de excluir que tenha ido directamente para Itália sem passar pela tormenta marítima, onde viria a conhecer São francisco de Assis. Fixou-se em Pádua, onde pela eloquência da sua palavra depressa ganhou fama de santo. A veneração seria reconhecida pela Igreja de Roma após a sua morte, consagrando-lhe um lugar nos altares. O seu prestigio não é menor em Lisboa, apesar de não ser o padroeiro da cidade (é São Vicente), mas há muito que assume essa condição de facto. São Vicente nunca entrou na alma popular, provavelmente por ser estrangeiro, ao passo que Santo António entranhou-se profundamente no espirito bairrista que anima a capital. Outra curiosidade é a dimensão fortemente pagã que Santo António adquire em Lisboa. É o santo folgazão, casamenteiro, que anima os bailaricos das festas populares, o que é um paradoxo insuperável à luz daquilo que foi a sua vida terrena e bem diferente da devoção que lhe prestam em Pádua.
Fernando Pessoa não partilha com este Santo Popular apenas o nome (Fernando António). Também ele saiu de Portugal, embora ainda em criança e porque acompanhou a sua mãe, que casou em segundas núpcias com o cônsul Português em Durban. Foram 10 anos, dos 7 aos 17, que Pessoa passou fora de Portugal. Foi aluno distinto e a condição de bilingue que adquire na África do Sul deu-lhe possibilidade de escolher se no futuro queria trilhar o seu destino na língua de Camões ou de Shakespeare. Falou mais alto a sua pátria de nascimento, regressando para cursar letras, curso que nunca concluiu, mas sobretudo para se tornar um poeta português. Vivia animado pela ideia de ser o super Camões que os novos tempos pediam. Daí a sua indiferença face ao poeta de “Os Lusíadas”. Na “Mensagem”, onde escreve sobre várias personalidades, não lhe dedica um único verso e na sua biblioteca não consta uma única obra sua, nem sequer a sua obra-prima, vista como obrigatória na biblioteca de qualquer aspirante a escritor. Desistindo do curso, começou a trabalhar como tradutor e correspondente comercial em escritórios de Lisboa, embora nunca tenha aceite um emprego a tempo inteiro, para poder dedicar-se à sua obra. A única vez que pretendeu a um emprego em horário completo foi já no final da vida, quando se candidatou ao cargo de bibliotecário no Museu dos Condes de Castro Guimarães, em Cascais, quando desejava afastar-se da capital, para procurar algum alívio para as suas tormentas físicas e psicológicas.
Foi um escritor compulsivo, criando uma miríade de heterónimos, embora fiquem para a história os 3 poetas: o bucólico e naturalista Alberto Caeiro, o clássico e conservador Ricardo Reis e o cosmopolita e sensacionalista Álvaro de Campos. Jorge de Sena chega a aventar a hipótese de Fernando Pessoa, nome sob o qual publica a “Mensagem”, ser também ele um heterónimo e Álvaro de Campos o Ortónimo, embora a riqueza da obra pessoana não nos autorize conclusões tão lapidares.
Morreu quase como um anónimo, mas nunca teve dúvidas da sua glória póstuma. No entanto, não acredito que pensasse que o seu reconhecimento fosse ao ponto da sua transladação para os Jerónimos. Hoje é um poeta conhecido nos 4 cantos do mundo, sendo mais reconhecido inclusivamente no Brasil do que na sua pátria de nascimento, onde é o principal embaixador da cultura portuguesa.
Como lisboeta, rendo a minha homenagem a estes meus dois conterrâneos, no dia da nossa cidade.
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