Não sei se será correcto falar numa etiqueta tipicamente lusitana. Não tenho, tão pouco, o propósito de apresentar um estudo exaustivo sobre a forma como nos relacionarmos, no entanto existem um aspecto particular do nosso trato pessoal que gostaria de salientar: o beijo(s)
Como nota prévia, convém ter presente que a nossa matriz latina aproxima-nos dos nosso congéneres espanhois, italianos ou franceses (e dos seus respectivos domínios colonias). Este temperamento impulsivo, carregado de emotividade e de expressividade é inegável. No entanto o português, ao contrário dos demais, é por definição ciclotímico, ou seja flutua entre a euforia e a depressão com bastante facilidade, por contraste com o optimismo espanhol, o chauvinismo francês ou o narcisismo italiano.
Este nosso temperamento latino traduz-se em coisas tão simples como o gesto de nos cumprimentarmos com dois beijos na face, por oposição aos anglo-saxónicos que geralmente se ficam por um beijo, em regra com maior frivolidade. No seio da própria família real espanhola o cumprimento é feito com dois beijos na face. Em Portugal começou-se a institucionalizar, nomeadamente depois de Abril e com maior predomínio entre as classes altas (realisticamente ou por desejo ascencional), o cumprimento com apenas um beijo na face.
Avanço com uma explicação que me parece plausível. Este hábito, tipicamente anglo-saxónico, poderá ter tido o seu dealbar no decurso das guerras liberais, quando parte da nobreza portuguesa, partidários dos direitos da Rainha, se exilaram em Londres: bastião da resistência liberal. Foram várias as personalidades que por lá passaram, com destaque para o Marquês de Palmela (futuro Duque de Faial e de Palmela), Conde de Vila Flor (futuro Duque de Terceira), entre outros.
Este hábito caiu em desuso até ser desenterrado pelo PREC (Periodo Revolucionário em Curso) na ressaca de expropriações, nacionalizações e ocupações decretadas a partir do célebre V governo provisório, chefiado pelo companheiro Vasco. As famílias mais abastadas viram-se forçadas a abandonar o país, sem serem poupadas a alguns vexames, como prisões arbitrárias, ameaças de morte, etc. Quando regressaram, a partir dos finais dos anos 80, em pleno consulado cavaquista, pouco mais teriam que os distinguisse dos demais, do que as magras indeminizações que o Estado lhes concedeu. As antigas honras, só foram recuperadas, em pleno, no malogrado desafogamento guterrista, embora não conseguissem ombrear com alguns "self made man" com Belmiro e Amorim à cabeça, que criaram os seus impérios à medida que o Estado ia reprivatizando.
Sem o ascendente financeiro, restava-lhes a educação burguesa, sinónimo de dinheiro antigo e de distinção social face ao novo riquismo sem modos nem educação que estes novos capitalistas representavam. O beijo, entre outros protocolos sociais, ganharam uma nova vida, revigorando-se à medida que o orgulho pelo nome substitui o mérito nas suas credenciais sociais. É óbvio que o recrudescimento do beijo único é apenas um desses sintomas, no entanto não deixa de ser um aspecto importante a reter. O desejo ascencional encarregou-se de alargar o âmbito deste gesto, sem que os próprios percebam muito bem porquê.
Hoje em dia parece que o snobismo se tornou uma virtude. Já assisti num programa de TV (não me recordo qual era o reality show) a um comentário em que alguém admitia, sem esconder uma pontinha de orgulho, que era snob, justificando o facto por ter sido educada para tal. A probabilidade dessa pessoa ler estas linhas não será elevada, no entanto poderia apenas registar que a origem parte do termo latino "sine nobilitate". Em Inglaterra, uma vez mais, as listas dos moradores indicavam junto de cada nome a profissão e a classe da pessoa. Por este motivo ao lado dos nomes dos simples burgueses aparecia a abreviatura s.nob., que quer dizer sem nobreza.
Como se percebe, não é motivo para grande orgulho.
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