A 27 de Setembro de 1810 travou-se a última grande batalha da Guerra Peninsular em território português, na serra do Buçaco. As tropas francesas tinham entrado pela terceira vez em Portugal, desta vez pela fronteira da Beira, sob o comando de um dos mais prestigiados generais de Napoleão, André Massena, a quem este chamava o “filho dilecto da vitória”. A península tinha-se tornado o palco principal da guerra, numa europa completamente amestrada à influência napoleónica, com a excepção do Reino Unido, que optara por eleger a península como ponta de lança para a derrota de Napoleão. A escolha é compreensível. Os britânicos foram sempre a principal potência naval, uma autêntica talassocracia, e na península encontravam todas as condições para desembarcar por via marítima o contingente militar e retirar em caso de derrota. É nesta lógica que se insere a construção das linhas de Torres Vedras. Á primeira vista pode parecer que se trata de uma fortificação para proteger Lisboa, mas não foi esse o objectivo. A guerra era entre a França e a Inglaterra e o poder político português não estava em Lisboa, mas no Rio de Janeiro, pelo que a capital portuguesa não era estratégica. A construção das linhas defensivas tinha por intuíto proteger as tropas inglesas caso fosse necessário a retirada para o mar, cuja frota se encontrava estacionada ao largo de Lisboa, que era (e é) o maior porto da península. Foi nesta lógica que Artur Wellesley, futuro Duque de Wellington, travou a batalha de Talavera, na Corunha, pouco tempo antes da batalha do Buçaco, contando com o apoio naval da armada britânica ao largo da Galiza. Napoleão, que nunca combateu com Wellington na península – haveria de se bater e ser derrotado em Waterloo – apercebeu-se deste estratagema e tentou ao máximo travar batalhas longe da costa, dando essa instrução para os seus militares. Na batalha do Buçaco, as tropas francesas entraram pela fronteira de Almeida e dirigiam-se para Coimbra. As tropas britânicas sairam-lhe ao caminho, numa zona onde tinham uma clara superioridade pelo conhecimento do terreno. Wellington tinha por hábito “esconder” uma boa parte do seu exército em outeiros, para que o inimigo pensasse que se estava a bater com um exército mais pequeno, aproveitando o factor surpresa num momento em que o inimigo se encontrava numa posição vulnerável. No entanto, a Batalha do Buçaco foi de uma mortalidade desnecessária. Nem as tropas de Massena tinham necessidade de dar batalha naquele local, podendo perfeitamente contornar a serra, nem os ingleses necessitavam dessa batalha para retirar para as linhas de Torres Vedras como veio a suceder. O resultado foi um número enorme de mortos e feridos, cujos números divergem, mas que ninguém questiona ter sido a batalha mais mortal da guerra peninsular em solo português. A somar à mortalidade da batalha temos que considerar uma estatística de que raramente se fala. Na batalha a supremacia inglesa foi inequívoca mas não foi de todo uma vitória total. As tropas inglesas retiraram até às linhas de Torres Vedras, deixando um rasto de destruição total. Terá sido o exemplo mais completo da política da “terra queimada”. Desde árvores de fruto, colheitas, moinhos, cereais, foi tudo arrasado com o objectivo de enfraquecer o já depauperado exército francês. Este rasto de destruição, ao longo de 8 léguas, teve consequências dramáticas para o povo português nos anos seguintes. È impossível estimar o número de portugueses que morreram à fome, vítimas de uma guerra que não era sua. Mesmo antes desde episódio já os britânicos se queixavam que os soldados portugueses eram mais um fardo do que uma ajuda, porque estavam completamente famélicos e tinham que ser alimentados pelos britânicos. Haveria de mudar de opinião, pela bravura que demonstraram noutros teatros de guerra. Esta estratégia cruel de Wellington valeu-lhe o elogio de Napoleão. Até aqui o Imperador dos franceses desprezava o general inglês, chamando-lhe general de Sipaios, fazendo referência ao seu passado militar na India britânica. Depois desta retirada, Napoleão passou a considerá-lo um homem corajoso, apesar de condenar a acção, que prejudicou muito o seu exército, deixando-o bloqueado nas linhas de Torres Vedras, sem as atacar, fosse pela manifesta falta de meios, fosse pela fome com que se debatiam.Os franceses acabaram por retirar e o futuro Duque de Wellington continuou a sua guerra na europa, culminando na gloriosa batalha de Waterloo, quando o exército de Napoleão se encontrava muito diminuido depois da campanha na Rússia. Portugal acabou por ser uma vítima deste conflito, pagando um elevado preço em sangue, não só nesta invasão como nas restantes. Na primeira invasão o exército invasor foi bem-recebido, não se registando combates. Os combates da Roliça e do Vimeiro, que inauguraram o ciclo glorioso de Wellington, também não tiveram a participação de forças portuguesas, mas pagámos bem caro essa ausência. Com a paz firmada na Convenção de Sintra, os franceses foram embarcados em navios ingleses com todo o armamento e todo o produto do saque de tesouros artísticos, que nunca mais regressaram a Portugal. Na segunda invasão foi a tragédia da ponte das Barcas, no Porto. Foi uma batalha que os franceses perderam militarmente (mesmo assim inscreveram-na no Arco do Triunfo!), mas Portugal perdeu ainda mais, em vidas civis, que se perderam nas águas agitadas do Douro, quando a população do Porto apenas se queria pôr-se a salvo do exército de Soult. Após a neutralização francesa nas Linhas de Torres Vedras não existiram mais batalhas em Portugal, mas um grande efectivo de portugueses manteve-se nas fileiras do exército de Wellington, dando mostras de uma grande bravura. Foi o próprio general inglês que o disse, numa carta endereçada ao Conde de Liverpool, onde lhe chamou “galos de luta do exército”, na sequência da Batalha de Vitória em 1813, ponto de viragem da guerra. Foi depois desta batalha que a Áustria se juntou à Inglaterra, rompendo com Napoleão (de quem o imperador austríaco era sogro), o que foi decisivo para o desfecho da guerra. Em compensação, a opinião de Wellington sobre os militares espanhois era péssima. Chegou a dizer, na altura em que se falava de uma troca de prisioneiros de guerra, que aos soldados espanhois “preferia não os ter”. Não podemos esquecer. Foi só há 200 anos.
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