Por estes dias estive na Costa Vicentina. Assim designada por ter sido palco da transladação das relíquias de São Vicente para a Sé da Lisboa, para este mártir da cristandade se tornar padroeiro da cidade conquistada há pouco pelo nosso primeiro Rei. É evidente que é mais do que duvidoso que as relíquias efectivamente fossem as de São Vicente, mas mesmo assim foi um marco importante da nossa independência, como afirmação da nossa identidade, desligando-nos da tradição compostelense, que então era a sede espiritual da reconquista cristã. Desde então, este santo tornou-se padroeiro de Lisboa, e ainda hoje o é, embora tenha que conviver com a "sombra" de Santo António, muito mais entranhado na alma popular.
No entanto, este passeio pelo Alentejo atlântico trouxe-me à memória Vasco da Gama. Estava em Sines, sua terra Natal, quando imaginei as peripécias que rodearam a sua nobilitação à categoria de Conde. O capitão da armada da Índia nasceu em Sines, onde seu pai era Alcaide-mor desta Vila. Vasco da Gama era filho segundo, pelo que desde cedo se apercebeu que esta condição seria um entrave à sua ambição, que não deve ter sido pequena. Ainda hoje se discute o porquê de D.Manuel o ter nomeado para tão importante missão, tanto mais que ele não teria mais de 30 anos aquando da sua partida para a Índia e não tinha qualquer registo de méritos de armas. Evidentemente que não se coloca em questão o domínio de técnicas de navegação ou de leitura de mapas, uma vez que ele não era um navegador, no sentido que hoje atribuímos ao termo. Ele era um político, que tinha como missão manter a ordem a bordo e liderar uma tripulação bastante heteróclita que, diga-se, nunca foi missão fácil. Na sua armada iam homens muito mais experientes, como o próprio Bartolomeu Dias, para além de pilotos muito conhecedores da costa africana, como Nicolau Coelho.
Depois de ter descoberto o caminho marítimo para a Índia, D. Manuel prometeu faze-lo Conde de Sines. Sublinhe-se que, naquele tempo, os títulos não eram meramente honoríficos, como no século XIX em que os titulados eram condes, marqueses ou duques, mas não eram donos das terras. No século XVI essa situação era muito diferente. Ser conde de uma localidade significava ser dono da terra, com poder para cobrar impostos e com tal, quanto mais importante fosse o local, maior era a riqueza que se podia acumular. É por isso compreensível que ser Conde de Sines, então uma vila fortificada, era muito aliciante, tanto mais que o seu pai tinha sido alcaide da vila. Contudo, aconteceu a D. Manuel o mesmo que a Dom Afonso Henriques quando quis dar Santarém aos Templários: aperceberam-se que não podiam dar o que não era deles, ou seja o que já tinha dono. Se Santarém já era do Bispo de Lisboa (e por esse motivo os Templários foram parar a Tomar), Sines já era da Ordem de Santiago, cujo Mestre da Ordem era o célebre filho bastardo de D. João II - D. Jorge - que era o preferido do pai para lhe suceder, em vez de D. Manuel.
Por este motivo o "Venturoso" teve que arranjar outra solução, que passou pela compra ao Duque de Bragança - D. Jaime - de uma pequena localidade - a Vidigueira - para doa-la a Vasco da Gama. O processo não deve ter sido complicado, pelo facto de a Casa de Bragança ter sido extinta pelo "Príncipe Perfeito" e depois restaurada por D. Manuel. Essa dívida de gratidão que D. Jaime tinha por D. Manuel foi, certamente, importante para ceder essa localidade, fazendo de Vasco da Gama, Conde da Vidigueira.
Resumindo: D. Vasco foi feito Conde por D. Manuel, nas terras de D. Jaime. Foi este o pensamento que me surgiu quando estava tranquilamente a jantar no restaurante "Migas" em Sines.
. Os meus links