No último post falei sobre as origens do vinho do Porto, com especial enfoque no nome. Na continuação do tema, tentarei lançar umas pistas sobre a origem da sua fama e reconhecimento internacional, que o tornaram um autêntico embaixador de Portugal no mundo.
Para começar, o que será que torna o Vinho do Porto especial? Não existe um consenso científico, no entanto acredito que o seu sucesso é explicado por um conjunto de razões naturais, históricas e políticas.
Quando evoco as razões naturais, obviamente que me refiro às vinhas que por esse Douro fora formam essa paisagem deslumbrante. Reconhecida pela Unesco como património da humanidade, o Alto Douro Vinhateiro é fruto não só das condições naturais, mas também do suor de quem diariamente enfrenta as agruras de uma faina nesses penhascos recortados por sucalcos de xisto. É precisamente essa configuração que lhe confere o seu carácter único, como singulares são também as uvas que saem dessas videiras. São vinhas que nunca sofrem grandes oscilações térmicas, porque o xisto funciona como uma espécie de pilha térmica que acumula calor durante o dia e que o liberta durante a noite. Arrisco-me a considerar o xisto a grande alma do Vinho do Porto.
Ao Marquês de Pombal deve o Porto e o país o reconhecimento por esse patrimonio único, que o defendeu de uma forma até então inovadora, ao demarcar os seus limites para poder preservar a qualidade da insígnia do seu vinho. Foi em 1756, e ficou para a história como a primeira região vinícola demarcada do mundo.
Dos sucalcos do Douro até ao cais de Gaia (e não do Porto como expliquei no post anterior), o vinho era transportado em barcos rabelos (chamavam-se rabelos por serem dirigidos pela ré), onde, a partir do século XVIII, uma grande parte partia nos navios para o Reino Unido.
É com a exportação para as ilhas britânicas que o Vinho do Porto ganha fama internacional. Para os britânicos, em constantes conflitos com a França, era importante encontrar uma alternativa aos vinhos franceses, o maior produtor de vinhos europeu. A essa dependência (indesejável) somou-se uma necessidade de conseguir escoar os produtos manufacturados, para fazer face ao problema do excesso de produção. Foi neste contexto que se firmou o acordo anglo-luso, que ficou conhecido pelo nome do ministro britânico que o negociou (John Methuen) e cujo grande responsável pelo lado português foi o Marquês de Alegrete, ministro de D. João V. Esse acordo, assinado no início do reinado do "Magnânimo" (1703), concedia facilidades à entrada de vinhos portugueses nas ilhas britânicas em troca da reciprocidade de tratamento para as suas manufacturas britânicas, nomeadamente panos. Com este tratado, estava aberta a porta do comércio externo ao vinho do Porto.
Ainda hoje os historiadores discutem quais foram as vantagens e desvantagens deste tratado. Não entro nessa discussão (até porque não sou historiador) no entanto parece-me indiscutível que sem este convénio o Vinho do Porto não teria a projecção que tem hoje. Se os britânicos beneficiaram da qualidade do nosso vinho, conseguiram diminuir a dependência para a sua arqui-inimiga França e ainda escoaram os seus lanifícios, os portugueses beneficiaram do prestígio que foi conferido ao vinho e, sobretudo, da descoberta da fórmula que o tornou célebre.
Para manterem o vinho em boas condições na longa viagem marítima, os britânicos adicionavam-lhe aguardente, e assim nasceu a fórmula do Vinho do Porto. Vinho licoroso, que se distingue do vinho de mesa - que também tem ganho terreno na região do Douro - e que se deve a esse tráfego marítimo e à necessidade de o conservar. Assim, da necessidade de conservação, obtivemos o vinho do Porto, da mesma forma que pelo mesmo imperativo ganhámos o gosto pelo bacalhau seco e salgado.
E como a história do vinho do Porto está ligada ao mar, nada melhor do que rematar com esta curiosidade. Esta era a bebida preferida do Almirante Horatio Nelson, que ficou célebre pela vitória na batalha naval de Trafalgar sobre a marinha Napoleónica, que teve como paliativo para esses dias difícieis no mar, a companhia de uma pipa de vinho do Porto.
Para falar do Vinho do Porto, gostava de começar pela sua própria designação. Se as vinhas estão no curso do rio Douro, de Trás-os-Montes até à Guarda, e se as caves estão em V.N. Gaia, porque motivo se chama Vinho do Porto? Se perguntarmos a um profissional de comunicação, provavelmente dir-nos-á que é uma questão de marca. A "insígnia" Porto é mais forte do que V.N.Gaia ao nível da sua projecção no exterior.
Este raciocínio é correcto do ponto de vista de marketing, mas completamente errado do ponto de vista histórico. A localização das caves na foz do Douro é compreensível pelo facto de ser o local onde o produto final seria escoado, seja para o mercado nacional, seja para o exterior, beneficiando da principal via de comunicação que era o Rio Douro. A fixação em V.N. Gaia é que será mais inusitada, pela importância comercial do Porto, que remonta ao tempo das cruzadas. O motivo para esta deslocação para a margem sul do Douro, imagine-se, decorre de uma decisão mais antiga do que a própria nacionalidade. A Condessa Dona Teresa, mãe do nosso primeiro Rei, deu ao Bispo do Porto, D. Hugo, o burgo do Porto, com as demais rendas e impostos que o clérigo e seus sucessores poderiam impôr ao povo. Este facto foi motivo de conflitos ao longo da história, a que nem os monarcas conseguiram pôr cobro. Para diminuir o poder deste burgo "Teocrático", D. Afonso III criou na outra margem da foz do Douro uma povoação a que chamou V. N. Gaia, por alusão à antiga Gaia, há muito desaparecida e que ficava bem distante da nova vila. Assim, concedido o foral, os mercadores e comerciantes de vinho do Porto - que já era a maior fonte de riqueza da região - deslocaram-se para a outra margem, num movimento em tudo análogo à deslocalização para aquilo que hoje se chamam "paraísos fiscais". Como sempre, as terras onde o único senhor era o Rei eram terras menos oneradas em impostos e em outras obrigações que caracterizavam o sistema feudal.
Assim, o Vinho do Porto manteve a designação, mas não o local onde era produzido. No entanto, nem todo o vinho que se produz no Douro se designa por Vinho do Porto. Actualmente também se fala de vinho do Douro, mas esse e outros assuntos ficam para o próximo post.
. Os meus links